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Samarco/Vale-BHP se recusa a discutir reparação com jovens indígenas

Grupo cobra presença no território das mineradoras e da ministra Sônia Guajajara

Leonardo Sá

A Samarco/Vale-BHP se recusou a discutir os termos do acordo de reparação com a Juventude Indígena Tupinikim e Guarani, que mantém bloqueados, há uma semana, os trilhos da ferrovia da Vale que corta o território indígena de Aracruz, no norte do Espírito Santo, em protesto contra a condução das decisões relacionadas ao crime do rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), que completa dez anos no próximo dia 5. O bloqueio ocorre entre as aldeias Córrego e Vila, e não há previsão de encerramento.

De acordo com os indígenas, mais de 100 famílias estão representadas no ato. O grupo exige que as três mineradoras responsáveis pelo crime compareçam ao território para assumir um compromisso formal de revisar os termos da repactuação, que definem o novo acordo do Rio Doce. Em resposta à solicitação de reunião feita pelo movimento, a Samarco enviou um ofício informando que “não é oportuna a realização de outra reunião para discussão dos pleitos da Carta Manifesto”, documento entregue à empresa.

Reprodução: Juventude Indígena

A mobilização, que reúne jovens e lideranças de várias aldeias Tupinikim e Guarani, cobra transparência e participação direta nas negociações do novo modelo de reparação. Eles denunciam que as decisões sobre o futuro dos territórios estão sendo tomadas sem consulta aos povos atingidos, contrariando o direito à consulta livre, prévia e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O novo Acordo de Repactuação do Caso Rio Doce foi assinado em 25 de outubro de 2024 e homologado integralmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 6 de novembro do mesmo ano, sem alterações. O acordo extingue a Fundação Renova, o sistema de governança do Comitê Interfederativo (CIF) e os 42 programas criados pelo antigo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), modificando totalmente a estrutura de reparação. Ele prevê o repasse de cerca de R$ 100 bilhões ao poder público -União, estados e municípios – para custeio de políticas públicas de retomada econômica, saúde, saneamento, assistência social e um fundo voltado a povos indígenas e comunidades tradicionais.

As mineradoras devem executar ações diretas de reparação estimadas em R$ 32 bilhões, como indenizações individuais, reassentamentos e recuperação ambiental, elevando o total da repactuação a cerca de R$ 170 bilhões. Movimentos atingidos e assessorias técnicas criticam, porém, a ausência de participação social nas decisões.

No contexto dessa nova estrutura, a Samarco afirmou no ofício que os debates sobre reparação “devem ser realizados no âmbito da consulta pública a ser conduzida pela União Federal”, prevista no acordo homologado pelo STF. Segundo a empresa, essa consulta é a etapa adequada para que os povos indígenas definam “a melhor forma de autogestão dos recursos” e participem da destinação dos valores previstos para as comunidades.

No mesmo texto, a empresa alega que já foram pagos mais de R$ 833 milhões às comunidades Tupinikim e Guarani, entre indenizações individuais e coletivas, verba de retomada econômica e auxílio de subsistência. A Samarco também reforçou que o acordo em vigor garante a continuidade do pagamento do auxílio até março de 2026 — prazo que coincide com o fim do TTAC.

A Juventude Indígena reforça sua resistência e repúdio à posição da mineradora, que segundo eles, perpetua as violações de direitos ao excluir as comunidades das negociações conduzidas pelas empresas, pelo governo federal e pelas instituições de justiça. Um dos representantes do grupo destaca que “as empresas querem empurrar a repactuação de cima para baixo” e que “os povos foram ignorados nas decisões que definem o futuro da reparação”.

Os jovens alertam ainda para o risco de ficarem sem possibilidade de recorrer após o fim do TTAC, caso aceitem os termos atuais. “Se aceitássemos o acordo como está, depois de março de 2026 não teríamos mais como reivindicar nossos direitos. É uma repactuação injusta e feita sem ouvir quem realmente foi atingido”, afirmou outro integrante do movimento.

Na resposta, a Samarco afirma que segue “empenhada” no cumprimento do Acordo de Repactuação e encoraja a participação das lideranças na reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara (Psol), marcada para esta quarta-feira (29), em Brasília. Para os indígenas, porém, a empresa tenta transferir a responsabilidade para a União, sem assumir o compromisso de discutir diretamente com os atingidos. A Comissão e os líderes indígenas foram convidados, mas decidiram não comparecer ao encontro no ministério, mantendo a posição contrária à repactuação.

A reunião na Capital Federal é vista como uma ofensa pelas comunidades, que reivindicam a presença da ministra nos territórios afetados. Sônia Guajajara já assinou a repactuação e, sob justificativa da COP30, afirmou que não poderá se deslocar até as comunidades. “Queremos que as empresas venham aqui, no nosso território, e se comprometam por escrito com uma reparação justa”, acrescenta um dos representantes do coletivo. “Enquanto isso não acontecer, vamos continuar mobilizados”, reforça.

Apesar de a Samarco alegar que a consulta prevista no acordo garante o diálogo e a autogestão dos recursos, as comunidades Tupinikim e Guarani contestam e afirmam que uma recuperação dos danos socioambientais provocados pelo crime, que destruiu comunidades inteiras e contaminou os territórios ao longo da bacia do Rio Doce, só pode ser construída com transparência, autonomia e participação direta dos atingidos.

Alice Francisco

O impactos do crime da Samarco/Vale-BHP ainda são sentidos nas aldeias. Os relatados apontam que a contaminação afeta o rio, o solo, a agricultura e a alimentação tradicional. Muitos dos peixes consumidos nas escolas e nas casas precisam vir de fora, já que os peixes locais não são considerados seguros e o número de casos de câncer aumentou nas aldeias. O grupo expõe que, junto com a degradação ambiental, há também a perda de saberes tradicionais. “Esses impactos são incontáveis. É a cultura, a alimentação, o território, tudo sendo atingido”, pontua.

O coletivo denuncia, ainda, a morosidade dos processos judiciais e o descumprimento de acordos anteriores firmados com as mineradoras. Em 2023, após mais de um mês de manifestações ocupando os trilhos, a Justiça se comprometeu a rever o acordo de reparação e compensação firmado no final de 2021, mas o grupo relata que as empresas “seguiram empurrando o problema para depois”. O protesto também expressa insatisfação com o governo federal devido ao novo acordo de repactuação. Os manifestantes também protestam contra o silenciamento do tema em espaços internacionais.  

Vale pede desbloqueio

A mineradora Vale S.A. entrou na Justiça pedindo reintegração de posse com uso de força policial para retirar o grupo que ocupa o trecho da estrada de ferro em Aracruz. No pedido à Justiça, argumenta que o “bloqueio é ilegal” e “causa prejuízos de grande escala”, afetando o transporte de minério, celulose, grãos e produtos siderúrgicos. A empresa requer ainda que o juiz fixe multa de R$ 10 mil por minuto de descumprimento, por manifestante, e alega que a ocupação seria uma “reincidência de mobilizações anteriores”.

Por ora, a Justiça ainda não atendeu ao pedido da Vale. O juiz Gustavo Moulin Ribeiro determinou, primeiro, a “intimação urgente” da União, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF) para se manifestarem em 24 horas antes de qualquer decisão liminar. Ele também “determinou à Polícia Federal a instauração de inquérito para apurar supostos crimes previstos no artigo 260 do Código Penal, que trata de danos a meios de transporte e perigo comum”.

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