Vereador ameaça protesto contra projeto que quer levar esgoto de Vitória para Serra
“Se a Arcelor [Mittal] continuar com essa autorização, pode contar comigo, nós vamos queimar pneu na portaria. Pode contar comigo, pode contar com esse vereador. Os pneus é comigo, eu levo”. A declaração do vereador Leandro Ferraço (PSDB) resume a insatisfação de moradores e parlamentares da Serra que se reuniram em audiência pública nessa terça-feira (1º) na Câmara, para discutir o projeto de Produção de Água de Reúso, voltado a atender o sistema industrial da siderúrgica.

Orçado em R$ 240 milhões e com contrato de 30 anos firmado entre a empresa, o Governo do Estado, a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e o consórcio GS Inima, o plano foi viabilizado após leilão na B3, em São Paulo, vencido pela multinacional. O projeto inclui a desativação das lagoas de estabilização da atual Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Camburi – conhecidas como “pinicão” –, em Vitória, e o bombeamento dos efluentes por túneis subterrâneos até a Serra.
Para a execução do empreendimento, está prevista a instalação de uma extensa rede de tubulações, que afetará diversos bairros da Serra, incluindo Hélio Ferraz, Manoel Plaza – onde uma das principais vias deverá ser interditada para as obras –, Rosário de Fátima, Eurico Salles, Carapina I, Bairro de Fátima, além de São Geraldo, que receberá a Estação de Produção de Água de Reúso (Epar) em uma área de 11 mil metros quadrados, doada pela ArcelorMittal, e com capacidade para 300 litros por segundo, sendo 200 l/s destinados à siderúrgica. Há previsão de expansão para até 21,3 mil metros quadrados.
O plano foi amplamente rejeitado durante a audiência, intitulada “Serra não é pinicão de Vitória” e proposta pelos vereadores Rafael Estrela do Mar (PSDB) e Renato Ribeiro (PDT), presidentes das comissões de Defesa dos Consumidores e Contribuintes e de Obras e Serviços da Câmara, respectivamente. Os dois são autores de um projeto de lei que visa proibir a imposição de políticas de saneamento básico de outros municípios sobre a Serra.
Moradores e vereadores cobraram que, caso o projeto avance, o esgoto tratado seja o da própria Serra, e não o de Vitória, como está previsto no contrato. Também questionaram o desequilíbrio da proposta, que transfere os impactos ambientais para a Serra e os benefícios para Vitória – com a remoção das lagoas de tratamento conhecidas como “pinicão”, poderá liberar uma área nobre em Jardim Camburi para especulação imobiliária e novos empreendimentos.

Apesar da participação de representantes da Cesan, da ArcelorMittal, da GS Inima e da prefeitura, a audiência terminou sem encaminhamentos. Uma nova reunião foi marcada para agosto. Vereadores reforçaram que, mesmo sendo área privada, qualquer instalação do tipo precisa de autorização municipal, o que não foi solicitado. Técnicos da própria prefeitura confirmaram que não foram informados ou consultados.
Rafael Estrela do Mar (PSDB) repudiou a proposta e denunciou a precariedade do sistema de saneamento já existente na cidade. “Tem Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), como a da Civit, que está 200% ineficiente. O esgoto entra de um jeito e sai ainda pior. Querem nos empurrar esse projeto goela abaixo”, disse. Para ele, se a intenção fosse realmente ambiental, o investimento deveria priorizar a recuperação das 21 ETEs já existentes no município.

Leandro Ferraço destacou que a Arcelor é uma das maiores emissoras de gases de efeito estufa na região e criticou que a Serra ficará apenas com os impactos, enquanto Vitória e as empresas parceiras colherão os benefícios. “Me acostumei com o mau cheiro de Jardim Camburi, mas não quero isso para São Geraldo, Bairro de Fátima, Conjunto Carapina 1, Hélio Ferraz. Isso é desnecessário”, afirmou.
Carlos Melo, morador de Manoel Plaza, ironizou a falta de investimento em saneamento básico na Serra: “Vitória já tem quase 100% de acesso a saneamento básico e querem jogar mais lixo para cá, onde nem o nosso esgoto é tratado”. Josiane Felício, de São Geraldo, sugeriu que a área cedida para a GS Inima seja usada para um centro comunitário. “As crianças não têm espaço para atividades. Hoje, os projetos sociais acontecem em áreas emprestadas ou debaixo do sol”, criticou.
Em defesa do projeto, o gerente da Cesan, Douglas Oliveira, afirmou que a iniciativa surgiu em 2014, após a crise hídrica, e que a água reciclada será, com o tempo, utilizada também pela população da Serra. Segundo ele, a ETE de Jardim Camburi precisa ser desmobilizada porque está localizada em área concedida pela Infraero à empresa Zurich por 30 anos, o que impediria a construção de novos empreendimentos.
A justificativa, no entanto, foi contestada por vereadores, que afirmam ter informações sobre um projeto de shopping a céu aberto no local. Representando a ArcelorMittal, o gerente de Sustentabilidade Bernardo Corrêa da Silva confirmou que o objetivo é abastecer as indústrias com água de reúso e reduzir a pressão sobre os recursos hídricos.
Apesar das justificativas técnicas, o presidente da Comissão de Agricultura e Meio Ambiente, Teilton Valente (PDT), questionou a lógica do projeto. Ele defendeu que, diante da incapacidade das 21 ETEs da cidade de operar com eficiência e da proposta da Cesan de construir um emissário para despejar no mar o esgoto que a cidade não consegue tratar, o mais razoável seria utilizar o esgoto da própria Serra para produzir água de reúso, eliminando a necessidade de construção do emissário.
Com a Epar prevista para ser construída dentro da cidade, ele sugeriu que Vitória construa seu próprio emissário para desativar as lagoas de Jardim Camburi. “É dolorido para o cidadão serrano ter que encarar isso. As ETEs não funcionam, já foi denunciado ao Ministério Público, e não se dá em nada”, lamentou.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Raphaela Moraes (PP), também criticou a falta de diálogo. Ela lembrou que, durante a Conferência Municipal de Meio Ambiente, o próprio secretário da pasta afirmou que o projeto não avançaria sem ampla discussão e benefícios claros para a cidade. “Meus pais me ensinaram que só se entra na casa dos outros com convite ou autorização. Tenho vergonha de ter que ensinar isso para representantes públicos. Isso é uma invasão”, enfatizou.

O vereador Renato Ribeiro (PDT), presidente da Comissão de Obras e Serviços, reforçou a percepção de desrespeito dos responsáveis pelo projeto com a população da Serra. “Vitória se livra do antigo pinicão e ganha um novo espaço para especulação imobiliária. ArcelorMittal e Vale economizam bilhões com água reciclada. E a Serra assume o esgoto, o risco ambiental e nenhum benefício concreto em troca”, resumiu.