'Sistema de INjustiça' e minerosubserviência expandem o desastre
"É uma vergonha no Brasil a necroengenharia que se pratica e afirmações que a gente ouve, de que é impossível retirar a lama dos recursos hídricos. É uma vergonha para a engenharia brasileira! É um vexame! Da mesma forma que é um vexame, nós sabemos que advogados da empresa pressionam operadores da lei e isso passa como se fosse nada. Isso vai desde as pessoas que operam o Direito nos territórios, como o Supremo Tribunal Federal! Como é que isso passa despercebido pelo sistema de justiça? Não passa despercebido. Eu ouso aqui dizer que há indiferença, e eu espero que não conivência, mas indiferença do Conselho [CNJ]".
Ao seu lado, a também lutadora da democracia e da justiça no Brasil Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), e as jovens Mariana Sobral, defensora pública no Espírito Santo, e Tchenna Maso, advogada popular e integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que conversaram sobre os caminhos para efetivamente garantir justiça ao sistema de reparação no Rio Doce, sob mediação de Marisa Barbato, da executiva nacional da ABJD.
Em sua fala, a desembargadora Kenarik Boujikian chamou atenção para um aspecto de gravidade ímpar em todo o processo, que já dura 5,5 anos, que é a falta de imparcialidade do juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mario de Paula Franco Junior, responsável pela julgamento das ações, que já teve pedido de afastamento imediato do caso feito por cinco instituições de Justiça – Ministérios Públicos Federal e Estadual de Minas Gerais (MPF e MPMG) e Defensorias Públicas da União, do Espírito Santo e de Minas Gerais (DPU, DPES e DPMG) – e por um grupo de mais de cem juristas brasileiros.
Nem justiceiro, nem herói
"Impossível que a gente caminhe para uma resolução o mais próximo que se possa chamar de justiça e de reparação, se nós tivermos uma pessoa coordenando o processo que se considera alguma coisa como justiceiro, como um herói. Isso não é o papel de um magistrado. Um juiz não nasceu para ser pra ser justiceiro, o juiz não está na Constituição pra ser herói. O juiz nasceu pra lidar com os princípios constitucionais que têm uma afetação principal que é a dignidade humana", sentenciou a desembargadora. "Um juiz parcial não passa de uma fraude", afirma.
As declarações do próprio Mario de Paula, se comparando ao juiz Sergio Moro, reforça, é assustadora. "Um juiz tipo Moro não pode ser considerado verdadeiramente um juiz, porque atua sem imparcialidade. E nós sabemos o dano que um juiz como ele causa em todos os sentidos: direitos econômicos, sociais e humanos". Nesse sentido, salientou, a maior preocupação nesse momento, passados já cinco anos e meio, "é que nós consigamos retomar algum curso de processo que possa levar à Justiça".
Com neologismos contundentes, Dulce Maria afirmou que o processo de injustiça em curso ocorre num "contexto negociado" em que o próprio estado nacional compactua com a "minerodependência do ponto de vista econômico", com a "minerosubserviência" e "com grandes indícios de minerocorrupção", o que "torna os territórios [atingidos] extremamente vulneráveis".
"Ainda hoje discutimos por exemplo a veracidade do nexo causal, como se a ruptura da barragem não tivesse causado esses danos que são observados a olho nu, mas que também estão observados pela ciência. E essa produção científica é desqualificada. E pior: cientistas e pesquisadores são comprados para se contrapor a essa realidade. Isso é dramático!", narra Maria Dulce.
Igualmente dramático, compara, é a expansão da Covid-19 nos territórios, em decorrência dos atos de Mário de Paulo. "Ele determinou não só que advogados atuassem no território, mas também que as pessoas atingidas se organizassem em reuniões e os resultados em termos de contaminação de pessoas atingidas é impactante!", denuncia.
Além da superposição das decisões judiciais, "há uma desqualificação e uma desconsideração dos dados científicos e a produção de processos tecnológicos que tornam os territórios atingidos territórios de sacrifício", ou seja, a chamada "necroengenharia" que objetiva excluir as pessoas de seu território para que as reparações não sejam feitas e os crimes ambientais se perpetuem.
"Também precisamos discutir o lucro das empresas. Como é que as empresas podem, tendo os seus seguros fora do Brasil, utilizar esses recursos pra si próprias e negar a reparação? Como essas empresas podem operar processos de expansão da contaminação, danos ambientais, da prática identificada do racismo ambiental nos territórios, e desqualificar a organização não só dos atingidos e atingidas, como os resultados dos trabalhos científicos. Isso é grave!".
A defensora pública Mariana Sobral questionou a grande quantidade de acordos extrajudiciais que vêm sendo firmados entre as empresas criminosas, a Fundação Renova e as instituições de Justiça. "Por que tanto acordo? Não estaria ligado a uma desconfiança a essa atividade do Poder Judiciário?", indaga.
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