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Suzano faz o diálogo da ‘farsa social’ com ‘captura’ do tema agroecologia

Em “A Farsa da Solidariedade”, Rede Alerta Contra os Desertos Verdes aborda degradação socioambiental no norte do ES

A Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano), como de costume nos últimos 60 nos, “continua fazendo o diálogo da farsa social”, agora, por meio do Plano de Desenvolvimento Rural Territorial (PDRT) – programa que executa junto aos agricultores quilombolas do Sapê do Norte. “O plano trata do tema da agroecologia, e isso é um perigo, porque é uma captura de um tema dos movimentos sociais”.

O apontamento é feito no livro A Farsa da Solidariedade S/A, lançado pela Rede Alerta contra os Desertos Verdes no evento online realizado em alusão ao Dia Internacional da Luta contra as Monoculturas de Árvores, 21 de setembro, quando também é comemorado o Dia Internacional da Árvore.


O lançamento, portanto, antecedeu em menos de uma semana um episódio que ilustra bem a farsa denunciada no livro, que envolve outras empresas brasileiras participantes de uma campanha veiculada em meados de 2020 em horário nobre da televisão aberta, chamada “Solidariedade S/A”, em que algumas das maiores indústrias do país exaltaram doações de alimentos e outras ações de solidariedade às populações mais vulneráveis aos efeitos da pandemia de Covid-19.

No conflito desse domingo (26), a Suzano tentou derrubar, com um trator, uma área de mata nativa em regeneração localizada na microbacia do Córrego da Velha Antonia, no limite com o Parque Estadual de Itaúnas, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo. Uma contradição explícita, visto que a papeleira é uma das apoiadoras financeiras do Plano de Ação para a Restauração Florestal das Bacias dos Rios Itaúnas e São Mateus, elaborado pelas Câmaras Técnicas de Restauração Florestal dos comitês das duas bacias hidrográficas e pelas ONGs WRI e Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), com apoio do governo alemão e gestão executiva da ONG local Sociedade Amigos Por Itaúnas (Sapi).
O “diálogo da farsa social” empenhado pela Suzano desde os tempos de Aracruz Celulose, é exposto no artigo “A luta quilombola contra os desertos verdes no Espírito Santo”, de João Guimarães, quilombola da Comunidade Angelim 1, no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, em Conceição da Barra.
“Também existe a farsa para criar um relatório sustentável que é enviado aos clientes europeus e norte-americanos, de que no território não existem problemas. Porém existem muitos problemas”, ressalta João. Isso porque “as transformações para melhor estão ocorrendo porque a organização dos quilombolas está trabalhando em prol da água, da agricultura e com as retomadas quilombolas há dez anos”.
Os projetos, ressalta, são desenvolvidos pelas comunidades “a partir de sua concepção de agroecologia, em parceria com os movimentos sociais” e “graças a esse processo de retomada e recuperação do território, as comunidades já revitalizaram córregos e conseguem produzir alimentos”.
As transformações nesse território, relembra, “iniciaram-se na década de 1960, quando a Revolução Verde chegou na região por meio dos monocultivos de eucalipto”, justamente sobre uma região que “já era historicamente ocupada por diversas comunidades tradicionais: quilombolas, indígenas, agricultores, caiçaras, fundo de pasto”, que “tinham o direito de uso e a propriedade da terra”.
Somente no Sapê no Norte, até os anos 1970, “viviam aproximadamente 12 mil famílias em um território de 115 mil hectares”, para quem “a terra era de uso coletivo e também tinha um valor sagrado por carregar a história de seus ancestrais”. Nos anos 2000, uma pesquisa revelou a permanência de apenas 1,2 mil famílias. “Ou seja, 90% da população quilombola do território do Sapê do Norte foi expulsa do campo para dar lugar ao eucalipto”.
O esvaziamento humano abriu caminho para o esvaziamento da biodiversidade. Em Conceição da Barra, “as estimativas são que 65% das terras agricultáveis estão ocupadas por cultivos de eucalipto, outros 18% de cana, e o restante por agricultura”.
Fazendo o enfrentamento ao agronegócio, as famílias quilombolas lutam pela titulação de seu território, onde 32 comunidades já possuem certificação pela Fundação Palmares, além de realizarem “ocupações em áreas que originalmente pertenciam aos seus antepassados” e que ainda não foram reconhecidas ou certificadas.
“É um processo difícil, pois desde 1960 as empresas conseguiram regularizar as terras e possuem os documentos”. Documentos, no entanto, que foram alvo de investigação pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz Celulose, em 2002, quando a Assembleia Legislativa apurou supostos casos de grilagem de terra realizadas pela empresa, muitas vezes por meio de funcionários seus, travestidos de agricultores.
Em outro artigo focado na realidade capixaba, Beto Loureiro, da Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase/ES), também menciona a degradação socioambiental provocada pela Aracruz Celulose em “O modus operandi das transnacionais”.
“A empresa, ao mesmo tempo em que causava várias crises [desde que iniciou instalação no norte do Estado], apresentava as falsas soluções. Como exemplo, pode-se citar a destruição da mata atlântica causada por essa indústria, que hoje se apresenta como reflorestadora e recuperadora de mata”.
No artigo, Beto Loureiro cita ainda o caso específico da comunidade pesqueira de Barra do Riacho, em Aracruz, vizinha à planta industrial da Aracruz Celulose. “Ainda nos anos 70, durante o processo de instalação da Aracruz, foram represados mais de 20 córregos, o que causou uma profunda crise hídrica na comunidade da Barra do Riacho. Porém, anos depois, quando a água desses riachos represados já não era suficiente para abastecer a indústria, eles passaram a utilizar um rio federal, o Rio Doce”, mas sob mais uma farsa: “o argumento deles era que iam levar a água do Rio Doce para abastecer a comunidade [de Barra do Riacho]”.
Esta mesma estratégia, prossegue o artigo, foi utilizada no programa de fomento florestal. “Há alguns anos, o governo do Espírito Santo criou uma lei que proibia as empresas de comprarem terras e plantarem eucalipto. Para driblar esta lei, a indústria celulósica criou um programa de fomento com o ‘argumento’ de que os agricultores teriam madeira para usar em suas propriedades. Porém isso era mentira, porque o objetivo do programa era que os pequenos produtores plantassem o eucalipto que as empresas precisavam para moverem suas fábricas”.
Em 2018, a Justiça declarou a ilegalidade do Fomento Florestal II. A decisão deu-se no âmbito da ação popular nº 0014697-24.2001.8.08.0024 (024.01.014697-5) e declarou a nulidade da Licença de Operação (LO) nº 001/2000, emitida pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), autorizando a implantação do Fomento II, sem a exigência de apresentação prévia de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima).

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