O dia 5 de agosto deste ano, uma quarta-feira, reservava um infortúnio para o prefeito de Viana. Naquela noite, Gilson Daniel (PV) deixou a prefeitura pouco antes das 19h. Tudo parecia dentro da rotina. Ele retornaria para casa após mais um dia de trabalho.
O prefeito seguia no veículo oficial da prefeitura pela BR 262 quando foi abordado, por volta das 19h05, no posto da Polícia Rodoviário Federal, em Viana, pelos policiais Thiago Rangel e Ricardo Alves dos Santos.
O que parecia uma abordagem rotineira se transformou numa verdadeira operação “pente fino”. Os policiais reviraram o carro do prefeito no avesso até se depararem com uma bolsa. Antes de procederem a revista, o prefeito antecipou que havia uma quantia em dinheiro na bolsa: R$ 41 mil, que seria usado naquele dia como parte do pagamento de uma sala comercial no Shopping Moxuara, em Cariacica.
A partir daquele momento, a condução de Gilson Daniel à sede da Polícia Federal em São Torquato, em Vila Velha, na imprensa, virou “prisão”, e o prefeito passou a ser investigado por lavagem de dinheiro.
Ligações telefônicas
Em épocas de Lava Jato, o caso do prefeito ganhou repercussão imediata na imprensa e nas redes sociais. Flagrar um prefeito com uma bolsa de dinheiro, mesmo com uma quantia pouco relevante, foi um prato cheio para a imprensa.
Ao mesmo tempo em que o caso ganhava repercussão, outras versões foram surgindo para tentar explicar o inusitado flagrante. Uma delas fustigava que o episódio poderia ter conotação política. Essa tese ganhou força após o PRP anunciar, no final de agosto, a pré-candidatura do inspetor da PRF Wylis Lyra à prefeitura de Viana. Imediatamente, circulou no município que o dedo do policial poderia estar por trás da abordagem ao prefeito, mas nada foi confirmado e a suspeita ficou apenas no campo da especulação.
Lyra tinha um álibi sólido. No dia da abordagem ao prefeito ele estava bem longe da confusão, em Brasília. Entretanto, a reportagem de Século Diário teve acesso a documentos exclusivos que põem em suspeição o envolvimento de Lyra no caso.
Registros de ligações telefônicas confirmam que Lyra conversou antes, durante e depois da abordagem com um dos policiais que parou o prefeito. No dia 5 de agosto, Lyra também teria conversado com o Joel, irmão do vice-prefeito Faustão (PDT), que rompeu com Gilson e passou a ser seu adversário político declarado. Há ligações também de Lyra para o Marcos da Loteria, que trabalha com Faustão no supermercado de mesmo nome, de propriedade do vice-prefeito, que, aliás, está rompido politicamente com o prefeito. Fastão entregou as chaves do seu gabinete, não vai mais à prefeitura, mas continua recebendo normalmente o salário no fim do mês.
O inspetor-chefe da delegacia da PRF, Marcos Wiris Rainha, também entrou em ação minutos após a abordagem. Ele conversa seguidas vezes com um dos policiais que abordou o prefeito, Thiago Rangel, e também com assessora de comunicação da PF, Carolina André.
Veja a cronologia das ligações de 5 de agosto de 2015
14h04 – Joel (irmão do vice-prefeito Faustão) liga para Wylis Lyra
18h55 – Marcos da Loteria liga para Lyra coincidentemente no instante em que o prefeito deixa a prefeitura para retornar para casa
18h56 – Lyra liga para o agente da PRF Thiago Rangel, que cerca de 10 minutos depois abordaria o prefeito
18h58 – Marcos da Loteria liga novamente para Lyra. Neste momento o prefeito já havia deixado a prefeitura a estava prestes a passar pelo posto da PRF na BR 262
18h59 – Lyra liga novamente para o policial Thiago. Entre quatro a cinco minutos depois dessa ligação Gilson Daniel seria abordado
19h12 – O policial Thiago liga para o inspetor-chefe da delegacia da PRF, Marcos Wiris Rainha. Neste momento o prefeito estava parado no posto da PRF
19h13 – Rainha liga para o policial Thiago
19h15 – Rainha liga para Júlio César Meneguel, chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização da PRF
19h16 – Rainha liga novamente para o policial Thiago
19h18 – Nova ligação de Rainha para o policial Thiago
19h22 – Rainha liga para a assessora de imprensa da PRF, Carolina André
19h26 – Rainha liga para o policial Thiago
19h27 – Rainha liga novamente para Carolina André
19h29 – Rainha liga para o policial Thiago
19h45 – Rainha liga para o policial Thiago
19h50 – Carolina André liga para Rainha
Hard news
Às 19h59, ou seja, menos de uma hora após a abordagem, o jornal Gazetaonline publicou o “furo” de reportagem: “Prefeito de Viana é preso pela Polícia Rodoviária Federal”. O portal G1 publicaria a mesma notícia oito minutos depois (20h07), sem, contudo, o sensacionalismo da coirmã (“Prefeito de Viana é detido pela Polícia Rodoviária Federal, no ES”). O jornal Folha Vitória só publicaria a notícia às 20h57, também “sem prender” – Gilson Daniel: “Prefeito de Viana é detido pela PRF com grande quantidade de dinheiro” -, mas considerando R$ 41 mil uma “grande quantidade de dinheiro”.
Apesar de o portal Gazetaonline ser o veículo no Estado que melhor faz a cobertura hard news (notícia importante), é impressionante a rapidez com que a notícia chegou até a Redação, foi apurada, redigida e publicada. O prefeito foi abordado às 19h05, e em menos de uma hora a notícia já havia sido publicada. Aliás, quando o prefeito chegou à sede da PF, em São Torquato, a imprensa já o aguardava, dando a sensação de que um grande circo fora armado para divulgar o flagrante da “prisão” do prefeito com a bolsa de dinheiro.
Um caso cercado de interrogações
Logo que foi questionado sobre os R$ 41 mil, Gilson Daniel justificou aos policiais que o dinheiro seria usado como parte do pagamento de uma sala comercial que ele estaria comprando no Shopping Moxuara, em Cariacica. Acrescentou, ainda, que o valor transportado tinha lastro com base nas últimas declarações de Imposto de Renda dele e de sua mulher. Somadas, as declarações apontavam que o casal tinha R$ 88 mil em espécie no final de 2014.
Os argumentos do prefeito não convenceram os policiais. Gilson foi conduzido à sede da PF, em São Torquato, Vila Velha, para explicar a origem do dinheiro. Na PF, Gilson tornou a repetir ao delegado a história que há pouco havia contado aos policiais, acrescentando uma cópia da declaração de IR para comprovar a versão apresentada.
O delgado não se convenceu. Foi instaurado um inquérito para investigar “crime de lavagem”, aberto no dia 10 de agosto e encerrado 11 dias depois. O relatório da PF foi encaminhado ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo. No dia 19 último, o TJES publicou a decisão do desembargador Adalto Dias Tristão, que acatou o parecer do Ministério Público Estadual, e negou a devolução dos R$ 41 mil ao prefeito até que a origem do dinheiro seja esclarecida.
A notícia publicada no site do TJES, a partir da decisão do desembargador, deixa claro que o prefeito já foi condenado antes mesmo da conclusão das investigações. Tristão usa trechos do relatório do delegado da PF para “condenar” o prefeito. “Falta coerência à história apresentada ainda mais nos dias de hoje em que são tão comuns as transações bancárias eletrônicas, por ser pouco usual uma pessoa andar, principalmente sozinha, com tanto dinheiro em espécie. Os riscos inerentes ao trânsito do numerário em espécie desestimulam o cidadão médio (e ainda mais uma pessoa politicamente exposta, como é um prefeito municipal) a assim proceder”, destaca Tristão, com base no relatório da PF.
O prefeito, na versão apresentada logo após os fatos, explicou que o dinheiro estava guardado em sua casa, e que havia combinado de se encontrar na prefeitura com o corretor que intermediava a compra da sala comercial, por isso teria transportado o dinheiro de casa para a prefeitura.
Ele alegou, porém, que o corretor não pôde comparecer à prefeitura naquela quarta-feira, obrigando-o a retornar para casa com o dinheiro.
A sala comercial, no valor total de R$ 128 mil, foi comprada em abril. Gilson teria pago R$ 21.825 à proprietária, restando o saldo de R$ 107 mil que seria negociado direto com a construtora Sá Cavalcante. O prefeito esclareceu, à época dos fatos, que os R$ 41 mil seriam entregues ao corretor para abater o saldo devedor com a construtora, já que o compromisso com a Sá Cavalcante vencia justamente no dia 5 de outubro, data que ele transportava o dinheiro.