Proposta do vereador Coronel Fabrício recebeu parecer contrário da Comissão de Justiça
O coletivo “Não Só Mais Um Silva”, de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, vai acionar o Ministério Público Estadual (MPES) contra o Projeto de Lei nº 15/2025, aprovado pela Câmara Municipal nessa terça-feira (10), como uma violação à liberdade de crença e ao princípio constitucional da laicidade do Estado. A nova lei obriga a realização semanal do Hino Nacional e do hasteamento de bandeiras nas escolas de ensino fundamental, mas também institui a oração do Pai Nosso no início das atividades escolares, ponto que tem gerado forte reação por parte de movimentos sociais e defensores da liberdade religiosa.
Em nota de repúdio, o coletivo afirma que o projeto, de autoria do vereador Coronel Fabrício (PL), representa “um atentado aos princípios constitucionais que garantem o direito à liberdade religiosa e o Estado laico”. Para os signatários, a escola deve ser um espaço de aprendizado e convivência plural, não de imposição de práticas religiosas específicas. “Quem é o vereador Fabrício da Silva Martins para decidir sobre as crenças das crianças, dos pais e das instituições de ensino?”, questionam.
A nova redação da lei, aprovada com emenda, determina a execução do Hino Nacional Brasileiro e o hasteamento das bandeiras nacional, estadual e municipal uma vez por semana, preferencialmente às quintas-feiras. Já a oração do Pai Nosso será feita diariamente antes do início das aulas, com participação voluntária dos alunos. A obrigatoriedade se aplica apenas ao ensino fundamental, uma vez que a emenda aprovada excluiu o ensino médio – de responsabilidade do Governo do Estado. A organização das atividades ficará sob responsabilidade das direções escolares, com supervisão da Secretaria Municipal de Educação.
Apesar de prever que a oração será “voluntária” e realizada com “respeito à diversidade cultural e religiosa do ambiente escolar”, o coletivo argumenta que a simples institucionalização da prática por meio de uma lei municipal já configura uma forma de imposição. “A educação deve ser um espaço de acolhimento, de respeito e de formação crítica, não de imposição religiosa. Este projeto não só é um retrocesso, como também um desrespeito à Constituição Federal”, afirma.
O projeto foi aprovado em plenário mesmo com parecer contrário da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara. O relator da comissão, vereador Thiago Neves (PSB), explicou que o colegiado acompanhou o posicionamento da Procuradoria da Casa e ressaltou que o texto apresenta “vícios insanáveis”. Segundo ele, a imposição da oração fere a laicidade do Estado, princípio consagrado na Constituição Federal. “Se é opcional, não há necessidade de uma lei para isso”, argumentou.
Thiago citou o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, que vedou qualquer forma de imposição ou proselitismo religioso em instituições públicas de ensino, mesmo sob a justificativa de participação voluntária. Para o STF, o Estado deve se manter neutro em matéria de crença, garantindo igualdade entre todas as religiões – e também para aqueles que não professam nenhuma.
Ainda assim, o plenário da Câmara Municipal derrubou o parecer da Comissão de Justiça e aprovou o projeto por ampla maioria. Além de Coronel Fabrício, votaram a favor os vereadores Brás é Bom (Podemos); Creone da Farmácia (PL); Pastor Delandi Macedo (PSDB); João Machado (PDT); José Luiz Calegário (PP); Léo Cabeça (PSDB); Marcelinho Fávero (União Brasil); Marcos Coelho (PSB); Paulinho Careca (Podemos); Ramon Silveira (PSDB); Rodrigo Sandi (PDT) e Sandro Irmão (PDT).
Já os contrários foram apenas quatro: além de Thiago Neves, Evandro Miranda (Vandinho da Padaria – PSDB), Vitor Azevedo (PODE) e Alexandre de Itaoca (PSB), este último atuando como relator suplente da comissão.
O autor do projeto comemorou a aprovação e defendeu que a medida busca promover valores como “civismo, ética, união e identidade cultural”. O projeto segue agora para sanção do Executivo Municipal, e embora tenha sido aprovado, pode ser declarado inconstitucional, caso algum cidadão, entidade ou Ministério Público questione por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), com base na violação da Constituição Federal e da Constituição Estadual, que garantem o caráter laico do Estado.

O coletivo “Não Só Mais Um Silva” alerta para os riscos do que considera “autoritarismo religioso institucionalizado”. Para o grupo, a tentativa de legitimar uma prática religiosa específica no espaço escolar representa uma ameaça à diversidade de crenças — e à própria liberdade de não professar nenhuma religião. “Somos um país plural, com pessoas que professam diversas religiões ou que não possuem religião, e não podemos permitir que uma ideologia seja imposta sobre todas as pessoas, principalmente no ambiente escolar”, reforça.
A nota finaliza com um chamado à sociedade para defender a laicidade do Estado e o respeito à liberdade de cada cidadão. “É hora de repudiar esse tipo de autoritarismo e defender a laicidade do nosso Estado, município e o respeito à liberdade de cada cidadão!”, enfatiza.