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Coletivos criticam aprovação de projeto de lei ‘Anti-Oruam’ em Cachoeiro

Proposta de Coronel Fabrício visa proibir verba para eventos com “apologia ao crime”

CMCI

A Câmara de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, aprovou, nessa terça-feira (13), o projeto de lei substitutivo nº 2/2025, que visa proibir a utilização de dinheiro público em apresentações ou eventos que “façam apologia ao crime organizado”. A proposta, de autoria do vereador bolsonarista Coronel Fabrício (PL) tem o mesmo teor dos “projetos de lei Anti-Oruam” apresentados em diversos outros lugares do Espírito Santo e do Brasil.

Entretanto, organizações de defesa de Diretos Humanos e da juventude de Cachoeiro consideram que o projeto tem o único objetivo de criminalizar jovens negros de periferia. Nessa quinta-feira (15), o coletivo Não Só Mais um Silva fez uma postagem nas redes sociais sobre o tema.

“Nós estamos do lado da juventude, da periferia, e da cultura que transforma. Não vamos aceitar que tentem calar quem usa a arte pra falar de realidade, de denúncia, de resistência. A cultura que vem da quebrada é legítima, é potente e merece ser financiada, sim! Se os senhores querem legislar sobre cultura, deveriam antes conhecer os espaços, ouvir quem está na base, ver o impacto social que projetos culturais têm na vida de jovens e crianças. O nome disso é criminalização da cultura periférica – e a gente sabe muito bem quem vai ser prejudicado com isso. E não vamos nos calar”, escreveu o coletivo.

A reação do Não Só Mais um Silva se deu após uma postagem no Instagram da Câmara, anunciando a aprovação do projeto. A publicação apresentava uma imagem do rapper Oruam – que tem sido usado pela extrema direita como exemplo de artista que faz “apologia ao crime” – com um sinal de nulo em vermelho. Após a repercussão negativa, a Câmara apagou a publicação e fez uma “repostagem” sem a foto do cantor.

“Errata: arquivamos a publicação anterior sobre o tema porque reconhecemos nossa falha na escolha da imagem do rapper Oruam para ilustrar o post. Reafirmamos o compromisso da Câmara em ser um espaço acessível e inclusivo, comprometido com a luta antirracista”, escreveu.

O projeto de lei de Coronel Fabrício foi aprovado por unanimidade – apenas Vandinho da Padaria (PSDB) não estava presente –, recebendo votos favoráveis inclusive de vereadores filiados a partidos do campo progressista. Nesse grupo está Thiago Neves (PSB), que atuou na implantação do Centro de Referência das Juventudes (CRJ) de Cachoeiro, a partir de 2022 – o espaço, localizado no bairro Rubem Braga, é voltado ao atendimento a jovens de periferia.

“Eu acredito que a aprovação desse projeto de lei, ainda mais por unanimidade, é um sintoma de que estamos vivendo um momento em nossa cidade onde a maioria das pessoas, infelizmente, parece se afeiçoar mais ao exibicionismo de ideias e de poder, ou a um sensacionalismo raso, do que pela cultura em si e suas reais nuances”, afirma Gabriel da Cunha Neves, mais conhecido como Gabriel Rasta, integrante do Ateliê Levante de Rua.

O coletivo de Gabriel promove ações culturais mensais na Praça de Fátima, no Centro da cidade, como forma de promover a ocupação dos espaços urbanos. Entre as atividades estão competições de skate e hip hop jovens e adolescentes.

“Acredito que essa decisão prejudica não só o Levante de Rua, mas também diversos coletivos juvenis da cultura local, uma vez que os vereadores eleitos tomam seu precioso e caro (à população) tempo, para discutir e aprovar leis de coerção cultural, em vez de discutir e criar leis de incentivo às expressões artísticas urbanas de nossa cidade”, reclama Gabriel.

O projeto

O projeto de lei prevê a proibição da contratação, apoio, custeio ou patrocínio pelo poder público municipal, de manifestações e eventos que: “façam apologia ou exaltem, glorifiquem, incitem o crime organizado ou facções criminosas”; “incentivem, promovam ou banalizem o uso de substâncias ilícitas”; “promovam ou façam alusão positiva à exploração sexual de crianças e adolescentes”; e “contenham conteúdos que incentivem à violência e a criminalidade”.

O texto estabelece “critérios objetivos de aferição da prática dos ilícitos”. Um deles é o “conhecimento público e notório” dos artistas que supostamente praticam os “ilícitos”. Outro critério é “que o artista já tenha condenação, ainda que não transitada em julgado, em processos judiciais por envolvimento com os respectivos ilícitos elencados”, ou que apenas esteja respondendo como réu em processo judicial.

O projeto prevê, ainda, que, nos contratos da administração pública municipal relativas a apresentações culturais, “deverão constar cláusula expressa que proíba manifestações de apologia e incentivo ao crime”. Em caso de ocorrência dos “ilícitos”, os responsáveis pelas apresentações ou eventos estarão sujeitos a sanções administrativas e pagamento de multa, corresponde a 100% do valor contratual, cujo valor deverá ser revertido ao Fundo Municipal para Infância e Adolescência.

Câmara de Cachoeiro fez postagem com foto de rapper negro, mas depois apagou. Foto: Redes Sociais

Na justificativa, Coronel Fabrício aponta que “a necessidade dessa proposta decorre da responsabilidade do poder público em assegurar eventos que não coloquem em risco o desenvolvimento moral e psicológico dos menores”. O vereador cita também uma suposta “’adultização infantil’, que ocorre quando crianças e adolescentes são expostos a temas para os quais não estão emocionalmente preparados”.

“A aprovação dessa lei deixa uma grande dúvida: quem faz cultura de apologia à criminalidade? Quem define aquilo que pode ou não pode receber investimentos? Quando se fala de apologia ao crime na cultura, querem qualificar funk e rap, gêneros que, em vez de falar de amor, se viram na necessidade de falar da realidade periférica. Assim, um projeto de lei como esse reforça a marginalização dessas culturas”, questiona Gabriel.

Anti-Oruam

Além de Cachoeiro, na Assembleia Legislativa, os deputados Callegari e Lucas Polese, ambos do PL, protocolaram propostas sobre o tema. Também há projetos de lei semelhantes tramitando em diversas cidades capixabas, como Vitória, Vila Velha e Cariacica, na região metropolitana, e Jerônimo Monteiro, no sul do Estado.

Não é de hoje que a extrema direita tenta impor proibições a manifestações culturais que considera imorais e ilegais. O movimento mais recente, porém, acontece em um contexto de aumento dos editais públicos de cultura.

No caso do projeto de lei “Anti-Oruam”, o nome faz referência ao artista de trap Oruam, filho de Marcinho VP, preso desde 1996 por sua vinculação com a organização Comando Vermelho. Quando apresentou projeto para proibir recursos públicos para eventos com suposta apologia ao crime, a vereadora paulista Amanda Vetorazzo utilizou o cantor como referência – por isso o apelido.

Entretanto, movimentos sociais enxergam no movimento mais uma tentativa de criminalização de gêneros artísticos e musicais majoritariamente produzidos e consumidos por pessoas pretas e pobres, como rap e funk.

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