Após o conhecimento de que a delação do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que atinge mortalmente o presidente da República Michel Temer, pode tornar a crise política ainda mais aguda, o atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), primeiro na linha de sucessão do presidente da República, se tornou o centro das atenções nos meios políticos. A expectativa de que a derrocada de Temer é irreversível faz com que as lideranças políticas e econômicas já considerem Maia como virtual presidente.
Neste cenário, chama atenção a capacidade do governador Paulo Hartung (PMDB) de fazer a leitura antecipada desse movimento. Isso porque, no último dia 16 de junho, Hartung recebeu o presidente da Câmara para um almoço na Residência Oficial da Praia da Costa, em Vila Velha. ?? época, a visita foi tratada como uma conversa circunstancial para discutir as reformas e a conjuntura socioeconômica do País.
Curiosamente, uma situação que repete um encontro com Temer, no final de 2015, antecedendo o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), que levou Temer à Presidência. No dia 4 de dezembro daquele ano, o então vice-presidente, que teria uma agenda em São Paulo, desviou-se de sua rota e veio parar na Praia da Costa para um almoço com Hartung. O teor da conversa nunca foi divulgado, mas o processo de impeachment foi deflagrado dias depois.
Como o almoço com Maia, no mês passado, contou com a participação do presidente da Assembleia, Erick Musso (PMDB), especulou-se que Hartung estaria articulando a entrada do deputado no DEM de Maia, o que gerou repercussão, sobretudo com o deputado Theodorico Ferraço. Principal liderança do DEM no Estado, Ferraço se sentiu desprestigiado com a liderança nacional da sigla ao sentir cheiro de ???golpe??? na conversa entre Hartung e Maia. O deputado temia a ingerência do governador no partido.
Mas as movimentações em Brasília, que avançam para uma unificação em torno da ascensão de Maia à Presidência da República, sugerem que as conversas foram além da pauta divulgada e abrem um caminho para deixar o PMDB, afastando-se de Temer para não se contaminar com a queda que cada vez mais iminente do presidente.
O governador, desde o ano passado, vinha falando em deixar o PMDB e sinalizava um retorno ao ninho tucano. Mas ao sinalizar mais fortemente o seu desejo, gerou resistência entre algumas lideranças do partido, que não têm interesse em entregar a legenda ao governador.
Se o caminho para PSDB parece truncado, a ascensão do DEM à Presidência da República poderia tornar o partido uma alternativa atraente para os planos do governador, embora ele não se identifique, a princípio, com a linha política do partido. Mas é bom lembrar que ele mesmo nunca levou linha ideológica em consideração na hora de escolher um partido.
Até porque em um governo de transição do DEM, a parceria preferencial poderia ser com o PSDB, o que fortaleceria as alianças no País, e consequentemente, no Espírito Santo. As movimentações periféricas também fortalecem essa leitura, com a possibilidade de o governador levar outras lideranças para DEM, como vem acontecendo com o deputado federal Evair de Melo, que estaria de malas prontas para desembarcar do PV.
A movimentação de Hartung antecipa o movimento nacional e o coloca em uma posição de destaque em um novo cenário político que parece cada vez mais plausível. Hartung vinha construindo uma imagem nacional, projetando uma mudança de patamar no processo eleitoral de 2018, em que poderia alçar voos mais altos, como uma disputa ao Senado, chegando ao Parlamento como estofo de liderança de peso nacional. Essa mudança de cenário pode abrir outras janelas na política nacional para Hartung.
Esse processo havia sido estancado com as crises da Polícia Militar, em fevereiro, seguido pela denúncia de envolvimento de Hartung na captação de ???caixa dois??? da Odebrecht. O governador tenta refazer seu prestígio político para fora, alinhando-se à movimentação das lideranças que podem chegar à Presidência, ganhando, com isso, fortalecimento para manter o comando do jogo político no Estado, enquanto oferece, em contrapartida, um ganho de força na base política para o governo de transição de Maia.