O livro “Caparaó – a primeira guerrilha contra a ditadura” relata a a vida de Jelcy na luta armada
O capitão do Exército Jelcy Rodrigues Corrêa, um dos últimos combatentes da Guerrilha do Caparaó, entre Espírito Santo e Minas Gerais, morreu na última sexta-feira (26), aos 87 anos, no hospital da Beneficência Portuguesa, em Petrópolis, Rio de Janeiro. A Covid-19 não poupou um dos mais ativos militantes contra a ditadura instalada no País em 1964. Deixa a esposa, Maria José, e os filhos Tania e Jelcy Jr. A deputada estadual Iriny Lopes (PT) registrou um voto de pesar.
O então subtenente Jelcy Correa ousou discursar contra o golpe em andamento, antes de ele acontecer. Mais tarde, entre 1966 e 67, Jelcy juntou-se a outros companheiros e foi subcomandante do movimento guerrilheiro na região do Caparaó, segundo relato do jornalista capixaba José Caldas, no livro Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura, lançado pela Editora Boitempo, em 2006, com prefácio do também jornalista e escritor Carlos Heitor Cony.
A obra de Caldas conquistou o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos de 2007 e foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti de 2008, na categoria livro-reportagem. “Dos militares expulsos após 64, alguns se organizaram em torno do núcleo jango-brizolista no Uruguai e montaram a resistência armada ao regime, que resultou na Guerrilha do Caparaó, na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, e durou aproximadamente nove meses, entre o inverno de 1966 e a madrugada já fria de 1º de abril de 1967”, relata o jornalista.
Caldas lembra de Jelcy: “Um combatente romântico, extremamente falante, que transformava suas dores e sonhos em poesias. Descendente de açorianos, seu porte físico contrastava com o da população do Caparaó, fazendo-se notado facilmente como um estranho na região. Na fase anterior a 64, viveu intensamente a ebulição política e trazia em seu interior o espírito das lutas intestinas gaúchas entre ximangos e maragatos. Sonhava com o que chamava de campos floridos da justiça social e trazia no rosto um doce e cativante sorriso”.
Durante a repressão, o núcleo principal do movimento foi desarticulado, com várias prisões, por forças da Polícia Militar de Minas Gerais numa área do Alto Caparaó. Detalhes da vida de Jelcy, sua luta desde a campanha “O Petróleo é Nosso”, até a expulsão e participação na resistência armada e a reconstrução da vida após sair da prisão estão descritos no livro.
Capitão paraquedista do Exército Brasileiro, Jelcy Rodrigues Correa foi cassado por um dos primeiros atos do regime de 1964, juntamente com aproximadamente 7.500 militares igualmente expurgados, segundo cálculos da Folha de S.Paulo.
Jelcy é lembrando seu ativismo político e o fato de ter sido um dos fundadores do PDT juntamente com o ex-governador do Rio Leonel Brizola, a quem tinha como um dos seus mentores. “Ele era capaz de defender com unhas e dentes aquilo com o que sonhava”, definiu o filho Jelcy Rodrigues Correa Júnior, 61 anos, diretor regional da Rede Estadual de Educação, em entrevista ao jornal petropolitano.
Comandante militar da Guerrilha do Caparaó, Amadeu Felipe da Luz Ferreira, hoje com 85 anos, morando em Londrina, norte do Paraná, elogiou o ex-colega de farda e de lutas. “Devo muito ao Jelcy e a Maria José. Eu não tinha visitas da minha família e, para quebrar meu isolamento na prisão, era Maria, com aquiescência do Jelcy, quem me visitava para que eu pudesse sair um pouco da cela. O Jelcy teve uma dignidade fora de série no interrogatório, depois que fomos presos no Caparaó”, contou.
Hoje também capitão do Exército, após as reparações feitas pela democracia brasileira aos perseguidos das Forças Armadas, Amadeu Felipe era sargento na época da cassação e Jelcy subtenente. “Jelcy sempre preservou a ideia da solidariedade e da amizade e sempre teve atitudes muito dignas. Era um homem de muita força moral, foi um bravo companheiro e um resistente prisioneiro político”, definiu Amadeu Felipe.