Denninho Silva não gostou de citação a PA do Trevo por médica na Câmara de Vitória

A médica Rovena Miranda Laranja, diretora clínica do Pronto Atendimento (PA) da Praia do Suá, em Vitória, esteve na tribuna livre da Câmara de Vereadores nessa terça-feira (16) para reforçar denúncias acerca do processo de terceirização dos PAs do município imposto pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos). Entretanto, o que rendeu reações mais acaloradas foi uma fala a respeito do PA do Trevo, em Cariacica, município governado por Euclério Sampaio (MDB).
Na ocasião, Rovena, em uma comparação sobre o que já aconteceu em outros municípios, afirmou que o Pronto Atendimento Rômulo Neves Balestrero, mais conhecido como PA do Trevo, “tem a pior reputação”, e que as terceirizações resultaram em “desvio de verba” em cidades como Cariacica e Viana. Foi o suficiente para que o deputado estadual Denninho Silva (União), afilhado político de Euclério Sampaio, entrasse em campo.
Em sessão ordinária da Assembleia Legislativa realizada na manhã desta quarta-feira (17), Denninho anunciou que Euclério vai abrir uma representação no Ministério Púbico do Estado (MPES) para apurar as denúncias de corrupção e, caso não houver comprovação, vai buscar a responsabilização civil e penal da médica pelas falas. O deputado também tratou com menosprezo a candidatura de Rovena a vereadora em 2020, pelo PSD, afirmando que ela teve 156 votos e “nem a família votou nela”.
Sobrou também para o vereador de Vitória Dárcio Bracarense (PL), que havia sido bastante incisivo sobre a necessidade de apuração das denúncias da médica. Denninho Silva afirmou que Dárcio é “mal resolvido” e “não contribui em nada para a sociedade”.
O discurso de Denninho repercutiu poucas horas depois na sessão da Câmara de Vitória. Sem citar nomes, a vereadora Ana Paula Rocha (Psol) fez um “desagravo” sobre a participação de Rovena, argumentando que ela apenas fez uma comparação entre municípios. Em outro momento, classificou as reações como “malabarismo para defender a terceirização”. Bracarense também citou a menção feita a ele na Assembeia, e defendeu que as denúncias da médica eram “gravíssimas”, e que sua crítica não mira em pessoas específicas, e sim ao “sistema”.
Já o vereador Armandinho Fontoura (PL) defendeu a gestão de Euclério Sampaio e disse que a fala da médica foi “inescrupulosa”. O presidente da Câmara, Anderson Goggi (PP), também discursou afirmando que “Euclério transformou a realidade de Cariacica” e que as falas da diretora clínica “têm que ser provadas”. João Flávio (MDB), por sua vez, defendeu que “o prefeito Euclério nunca compactuou com corrupção”.
No início do ano, a vereadora Açucena (PT), de Cariacica, questionou mudanças na composição da Comissão de Avaliação para Monitoramento, Acompanhamento e Fiscalização (Comaf) do contrato de gestão do PA do Trevo, por resultar em risco de queda da qualidade do atendimento.
‘Médicos terceirizados têm uma qualidade inferior’
Apesar da repercussão, a fala sobre o PA de Cariacica ocupou um espaço pequeno nas declarações de Rovena na sessão dessa terça-feira. Na ocasião, a médica relatou que no primeiro mandato de Lorenzo Pazolini, foram contratadas as empresas Sermep e RP Terapia Intensiva para fornecimento de médicos para os Pronto Atendimentos, sob o pretexto de dificuldade de contratação de mão de obra por concurso ou processo seletivo.
Entretanto, segundo a diretora clínica do PA da Praia do Suá, os médicos são recém-formados e não possuem especialização, o que resultou em aumento de óbitos nos Pronto Atendimentos. Para solucionar a questão, os médicos concursados foram direcionados exclusivamente para atender os casos de maior complexidade. Como os profissionais das terceirizadas ficaram com atendimentos menos complexos, as empresas começaram a utilizar o volume maior de pacientes como uma suposta prova de sua eficiência.
Rovena afirmou que “médicos terceirizados têm uma qualidade inferior” por conta da falta de especialização e do vínculo trabalhista precário. Em maio, o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES) expediu recomendação à secretária de Saúde de Vitória, Magda Cristina Lamborghini, para que se abstenha de renovar a contratação com a Semerp, tendo em vista que a empresa mantém subcontratação dos profissionais como Pessoa Jurídica (PJ).
Ainda de acordo com Rovena, o chamamento público para contratação de empresa para gerir os PAs de Vitória foi lançado em março sem qualquer diálogo com os trabalhadores das unidades. Ela também reclamou do fato de a direção do PA da Praia do Suá constantemente pressionar os profissionais a “dar um gás” e apressar os atendimentos.

“Quanto a prefeitura gasta atualmente para bancar um PA durante 30 dias? A prefeitura falou esse valor para vocês? Porque para nós não foi divulgado quanto eles gastam atualmente. Aliás, a prefeitura não aceitou conversar com a gente em nenhum momento. Até hoje, não houve diálogo entre a gestão e os funcionários do PA. Nós não fomos sequer comunicados. Por um acaso, a gente leu o Diário Oficial e ficou sabendo desse chamamento público, ou então a gente ia ficar sem saber de nada até hoje, conforme é o que eles prezam. Porque, na minha cabeça, o que eles querem é se livrar do efetivo, fazer com que ele abra mão do concurso”, questionou.
A diretora clínica já havia denunciado anteriormente que funcionários contratados pela empresa terceirizada Saile nas duas unidades de Pronto Atendimento de Vitória, de São Pedro (PASP) e Praia do Suá (PAPS), deixaram de receber salários nos últimos meses, obrigando servidores efetivos a assumirem as funções. A situação se repete em metade dos plantões desde o início agosto.
Ação judicial
A diretora clínica é autora de uma ação popular com pedido de tutela de urgência para suspender os editais que privatizam a gestão dos serviços de atendimento “porta aberta”, de urgência e emergência, da Capital. Em 7 de março, a prefeitura publicou os editais nº 001/2025 e 002/2025, que autorizam a transferência da gestão dos dois únicos Prontos-Atendimentos (PAs) de urgência e emergência da capital para Organizações Sociais de Saúde (OSS). A decisão sobre a terceirização das unidades veio a público a partir de uma publicação no Diário Oficial e foi criticada por servidores, conselheiros e representantes de movimentos sociais, principalmente pela ausência de diálogo prévio com os profissionais, o Conselho Municipal de Saúde e a população.
Os documentos preveem um repasse de quase R$ 65 milhões anuais às OS selecionadas: R$ 29,7 milhões para a unidade de Praia do Suá (PAPS) e R$ 35,2 milhões para São Pedro (PASP). O contrato terá vigência de 12 meses.
Ação popular proposta por Rovena contra Pazolini, a secretária municipal de Saúde, Magda Cristina Lamborghini, e o Conselho Municipal de Saúde, apresenta dados comparativos que evidenciam os efeitos nocivos da terceirização. Ela destaca que a mortalidade hospitalar nos PAs de Vitória é de apenas 0,044%, muito abaixo da média nacional do SUS (que chega a 15,7% em casos de clínica médica) e bem inferior à taxa registrada em Cariacica, município vizinho onde a terceirização do PA do Trevo de Alto Lage trouxe aumento de óbitos e piora no atendimento.
Também argumenta que os excelentes resultados dos PAs públicos de Vitória – que garantiram ao município prêmios nacionais de excelência em saúde pública em 2023 e 2024 pelo ranking Connected Smart Cities – demonstram que a gestão direta, com servidores efetivos, é altamente eficiente. “A excelência dos serviços prestados está diretamente ligada à estabilidade das equipes, protocolos bem estabelecidos, triagem eficiente e agilidade no atendimento”, sustenta a ação.
Questiona, ainda, a ausência de estudos técnicos robustos para embasar a decisão da prefeitura, a falta de transparência no uso de recursos públicos (incluindo os mais de R$ 300 mil pagos a uma consultoria cujo relatório não foi disponibilizado ao Conselho de Saúde) e o descumprimento da Lei Orgânica Municipal, que determina a preferência por gestão pública direta nos serviços essenciais de saúde.
O pedido liminar requer a suspensão dos editais, a preservação dos servidores efetivos nas unidades, e a proibição de terceirizações integrais futuras, além da responsabilização dos agentes públicos por eventual lesão ao patrimônio público e à vida da população.
O Ministério Público do Estado (MPES) emitiu parecer favorável ao pedido, por considerar que o ato administrativo não cumpre um dos requisitos exigidos por lei para transferência de gestão. No entendimento do órgão ministerial, estão presentes na ação popular e o fumus boni iuris — indícios de ilegalidade — e o periculum in mora — risco de dano irreparável, por isso recomenda a suspenção cautelar dos editais, até que sejam garantidos a participação do Conselho Municipal de Saúde e o esclarecimento dos impactos da terceirização. O documento também sugere abertura de diálogo institucional com profissionais da saúde e representantes da sociedade civil, além de fiscalização rigorosa de eventuais contratos de gestão.