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​Deputados debatem Código Penal na semana em que Justiça manda Queiroz para casa

Nas prisões, uma superpopulação formada por negros e pobres, muitos com pena já cumpridas

Os discursos dos deputados Enivaldo dos Anjos (PSD) e Lorenzo Pazolini (Repulicanos) na última quarta-feira (8), na Assembleia Legislativa, e a libertação dois dias depois do operador miliciano da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, no Rio de Janeiro, mais do que mera coincidência, representa mais um exemplo das distorções na aplicação do Código Penal Brasileiro (CPB). Para a maioria, composta por negros e pobres, a aplicação da lei, por vezes injustamente, é feira com rigor; para outros, como Queiroz, sobram privilégios, neste caso com um viés político de alta envergadura. 

Na sessão virtual de quarta, os deputados estaduais avaliaram a legislação penal brasileira e a atuação do sistema judiciário. Enivaldo apontou a desigualdade judicial que promove o encarceramento em massa de pessoas negras e pobres e criticou a “omissão judiciária” que, segundo ele, privilegia criminosos da alta sociedade.

“Não posso entender que a lei de um país só sirva para os pobres e não sirva para os poderosos. Nossa legislação precisa parar de ser elitista. Precisa parar de só colocar na cadeia preto e pobre. Nós mantemos o índice de 40% da população carcerária de pessoas que não têm decreto de prisão preventiva e não têm ordem judicial, e estão abandonados pela falta de ação do Judiciário”, alertou.

Já Lorenzo Pazolini (Republicanos), delegado de Polícia Civil, criticou o sistema punitivo atual que permite o cumprimento de pena em liberdade dos acusados de delitos leves. Protestou contra “esse prende e solta interminável” e defendeu a reformulação do Código Penal Brasileiro.

“Nosso Código Penal é de 1940, leis retrógradas. Fica nosso apelo para que efetivamente o Congresso Nacional se empenhe na formulação de leis que sejam adequadas à realidade, leis que permitam a agilidade”, disse.

Os dois pronunciamentos tocam em um tema dos mais importantes. No entanto, as abordagens nas casas legislativas, pelo menos em sua maioria, mantêm a mesma visão escravocrata, que pune com mais rigor as pessoas de camadas mais pobres, em especial os negros. Pesquisas mostram uma seletividade na aplicação da Justiça, sendo os negros, comparativamente aos brancos, objeto de penas mais severas.

As políticas de encarceramento e aumento de pena se voltam, na maioria das vezes, contra a população negra e pobre. Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) divulgados em 2018.

Os dados, atualizados em 2019, mostram ainda que o Brasil possui uma população prisional de 773,1 mil presos, em todos os regimes. Caso sejam analisados presos custodiados apenas em unidades prisionais, sem contar delegacias, o país detém 758,6 mil presos.

O percentual de presos provisórios (sem uma condenação) manteve-se estável em aproximadamente 33%. O crescimento da população carcerária que, de acordo com projeção feita em dezembro de 2018, seria de 8,3% por ano, não se confirmou. De 2017 para 2018, o crescimento chegou a 2,97%. E do último semestre de 2018 para o primeiro de 2019, foi de 3,89%.

O debate sobre encarceramento, longe de merecer a importância devida nas casas legislativas, contribui para manter uma política de seletividade, ampliando o encarceramento em massa, a forma encontrada para solucionar conflitos, privilegiando a exclusão social.

Além da seletividade, o sistema prisional que atinge mais os negros e pobres apresenta superencarceramento. O último mutirão realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Espírito Santo, em setembro de 2019, revelou que o sistema prisional no Estado abriga 23,8 mil presos, sendo que as unidades comportam 13,9 mil detentos, ou seja, há um déficit de quase 10 mil vagas.

Do total de internos, as estimativas que 40% são de provisórios, ou seja, que ainda não passaram pelo julgamento. Segundo denúncias que foram feitas pela Comissão de Segurança da Assembleia, por omissão e falta de organização, o sistema tem mantido presos que já cumpriram suas penas.

Decisão

Fabrício Queiroz foi beneficiado por prisão domiciliar em decisão do ministro João Otávio Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), extensivo à sua mulher, Márcia de Aguiar, que era considerada foragida da Justiça. Ele estava preso desde 18 de junho, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Anjo, que invest
igou o esquema das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro., quando Queiroz trabalhava com Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

No pedido de liberdade, a defesa de Queiroz usou como argumento o atual estágio da pandemia do coronavírus, ressaltando problemas de saúde do ex-assessor e seu enquadramento no grupo de risco. No entanto, esses mesmos critérios têm sido dispensados por juízes, desembargadores e ministros em todo o Brasil ao analisar casos de presos em situação semelhante.

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