A disputa política entre o governador Paulo Hartung e o ex-governador Renato Casagrande (PSB) não poupa nem mesmo os aliados políticos do socialista. Após a controvérsia sobre os dados da gestão fiscal do Estado e da legalidade nos pagamentos feitos no ano passado, a nova polêmica é sobre a responsabilidade pela administração de quatro escolas de Muniz Freire, na região sul capixaba. A queda de braço entre o governo Hartung e a prefeitura já provocou o adiamento no início do ano letivo. A estimativa é de que 1,3 mil estudantes ainda não voltaram às aulas.
Esse novo episódio revela uma nova contradição do peemedebista, que sempre colocou a educação como prioridade do novo governo. A confirmação da diferença entre o discurso e a prática veio através do secretário da Educação, Haroldo Corrêa Rocha (PMDB), que já ocupou o mesmo cargo no segundo mandato de Hartung e foi reiteradamente chamado de “homem da educação” durante a sua fracassada campanha a deputado estadual. O titular da pasta afirmou ao jornal A Tribuna que o pedido do município para o retorno da gestão das escolas pelo Estado seria uma confissão de “incompetência” da prefeitura.
A declaração de Haroldo Correa foi uma resposta à decisão liminar da juíza da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Mariana Lisboa Cruz Holliday, que obrigou o Estado a retomar a gestão das escolas estaduais (EMEF Lia Therezinha Merçon Rocha, EMEF Santa Joana, EMEF Maria Áurea Barroso e EMEF Tombos), todas de Ensino Fundamental. O município recorreu à Justiça após ser surpreendido 12 dias antes do reinício das aulas – ocorrido nessa terça-feira (3) – com a decisão do Estado pela anulação do termo aditivo, firmado na gestão Casagrande, que concordou com o fim da municipalização das escolas.
Em nota de esclarecimento, o prefeito Paulo Fernando Mignone (PSB), aliado de Casagrande, explicou que o convênio para municipalização das escolas foi assinado em 2005, época considerada de “prosperidade econômica”. No entanto, o socialista relata que a prefeitura não estava conseguindo mais arcar com os custos das quatro escolas devido à piora na situação financeira de Muniz Freire.
No último anuário “Finanças dos municípios capixabas”, publicado pelo Aequus Consultoria, o município registrou apenas a 39º maior arrecadação entre os 78 municípios capixabas no ano de 2013. Desde então, as receitas do município caíram, ficando próximo da casa de R$ 40 milhões por ano. Nas contas da prefeitura, o município desembolsa quase R$ 2 milhões por ano com a gestão das quatro escolas, que tiveram o quadro de profissionais reduzido de 52 em 2005 para 13 ao final do ano passado.
“No ofício de devolução das escolas foi registrada a crise econômica vivenciada pelo município, a insuficiência dos recursos do Fundeb repassados pelo Estado para ajuda na manutenção das Escolas, a crescente despesa de gasto com pessoal em virtude da municipalização, e a necessidade de ampliação dos investimentos nas unidades de ensino sem a correspondente disponibilidade de recursos pelo Município”, explicou o prefeito na nota.
E prosseguiu: “É preciso registrar que o município buscou a devolução das escolas como medida indispensável ao reequilíbrio de sua economia e à garantia da prestação do ensino público aos alunos com a qualidade necessária. Tanto é assim que não foram devolvidas todas as escolas estaduais objeto do Convênio 177/2005 (seis, ao todo), a medida foi realizada na dimensão exata para resguardar o interesse público no caso e garantir o direito dos alunos ao ensino com qualidade e dignidade”, concluiu o socialista.
No entanto, as dificuldades enfrentadas pelos municípios capixabas na manutenção das escolas – confirmadas pelo presidente da Associação dos Municípios do Estado (Amunes), Dalton Perim (PMDB), que é prefeito de Venda Nova do Imigrante – não foram capazes de sensibilizar o secretário de Educação. Pelo contrário, Haroldo Correa declarou à reportagem de A Tribuna que a municipalização seria uma prática recorrente em todo País – discurso que é o oposto de afirmações do peemedebista em artigo publicado pelo jornal A Gazeta de 08/12/2013.
Naquela ocasião, o secretário de Educação confirmou as dificuldades encontradas pelos municípios na manutenção de escolas estaduais e defendeu a necessidade de socorro pelo governo estadual. Haroldo Correa citou até a fala do presidente da Amunes – que tinha a mesma opinião sobre o tema, tendo em vista a piora nas finanças das prefeituras – para dar embasamento à sua tese. Contudo, a roda do tempo – e a eleição de Hartung – indicaram o oportunista no discurso de outrora.
Do ponto de vista político, a disputa revela a predileção do governador e sua equipe às investidas contra aliados de Casagrande. Isso fica mais evidente com a resistência do Estado no cumprimento da decisão. O procurador-geral do Estado, Rodrigo Rabello, que chegou a insinuar que integrantes do governo passado poderiam responder pelos pagamentos indevidos, interpretou que a decisão judicial apenas abre o espaço para a conciliação entre as duas partes. Um indicativo de que a “devolução” das escolas ao município será apenas uma questão de tempo.