Domingo, 05 Mai 2024

Eder Pontes e Pedro Valls: arranjo institucional inviável

Eder Pontes e Pedro Valls: arranjo institucional inviável

 

Renata Oliveira e Nerter Samora

 

O Papo de Repórter desta semana analisa a complicada situação que passa o "arranjo institucional" montado pelo ex-governador Paulo Hartung (PMDB). Do clima de total harmonia - que beirava à subserviência dos comandos vindos do Executivo -, as principais instituições ligadas à Justiça entraram em clima de guerra com direito até a demonstrações públicas de descontentamento. Será esse um grito de independência das instituições ou outras questões habitam os bastidores por trás do mal-estar entre as cúpulas do Ministério Público e o Tribunal de Justiça? Confira logo abaixo na conversa entre os jornalistas Renata Oliveira e Nerter Samora.



Nerter – Apesar da tentativa de ambas as partes de querer transparecer uma tranquilidade na relação institucional, é evidente que há uma crise estabelecida entre o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Justiça. Algo que durante oito anos no Espírito Santo foi impensável, por conta do que o ex-governador Paulo Hartung chamou de arranjo institucional, que nada mais era do que um controle do Executivo sobre os demais poderes. Controle esse, estabelecido graças ao fortalecimento financeiro que ficou destacado na evolução dos orçamentos de cada um dos braços desse arranjo.



Renata – Com a mudança de governo, o tempo do controle rígido acabou. Embora o governador Renato Casagrande tenha sucumbido à manutenção de um repasse gordo tanto para o Tribunal de Justiça, quanto para o Ministério Público, aquela ala de passo marcado não está funcionando mais. Em tempos de arranjo político e institucional, a coisa funcionava muito bem orquestrada, o Ministério Público denunciava e o Tribunal condenava, e assim o governo mantinha o controle, punindo aqueles que destoavam do acordo estabelecido de cima para baixo. A maioria eram deputados, ex-deputados ou prefeitos que não se alinhavam ao sistema de hegemonia política.



Nerter – Quando falamos em fortalecimento financeiro, temos que destacar a evolução dos orçamentos. Só para se ter uma ideia, durante os anos do governo Hartung, a dotação do Ministério Público saltou de R$ 82,1 milhões para R$ 218,25 milhões. Já o Poder Judiciário saiu de R$ 286 milhões para R$ 619 milhões. Hoje nem se fala. Juntos, os orçamentos desses dois órgãos já chegam a R$ 1,1 bilhão por ano. É mais do que o pleno de investimentos do governo do Estado. E vem mais por aí com a aprovação do Fundo Especial do Ministério Público (Funemp), mas isso é assunto para um outro papo...



Renata – Combinado. Voltando ao arranjo, Paulo Hartung saiu do governo e seu aliado no Ministério Público, Fernando Zardini, que havia inclusive passado pela Secretaria de Justiça do governo passado, também deixou o cargo. Mas a ascensão de Eder Pontes não trouxe uma transformação nas ações do Ministério Público capixaba. No Tribunal de Justiça, houve mudança. Primeiro pela ascensão de Pedro Valls Feu Rosa, que tem uma visão bem diferente de seus antecessores. Mas não foi só isso. Os efeitos da Operação Naufrágio foram profundos. A saída dos desembargadores “das antigas” deu uma oxigenada no Pleno e o fortalecimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pressionou mudanças de postura.



Nerter – O que não acontece no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que até tenta, mas ainda não conseguiu mudar a imagem de uma instância corporativista para se tornar de fato um órgão de controle da atuação de promotores e procuradores de Justiça em todo País. Mas o problema é que algumas instituições entenderam o novo momento do Estado e outras ainda insistem em fazer valer uma lei que não se aplica mais. Não há hoje no Espírito Santo um ambiente favorável a um arranjo político dessa natureza.



Renata – A chegada de novos delegados de polícia, oriundos de concursos recentes, também mudou a cara dos inquéritos e eles também entraram na briga, pedindo respeito. Afinal, quem tem prerrogativa para investigar é a polícia e não o Ministério Público. A Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-ES) ficou do lado MP, até porque lhe convém. Com a justificativa já desgastada da defesa das prerrogativas, a OAB está esquecendo que seus membros não estão blindados pela carteirinha. Estão em prisão domiciliar porque são acusados de envolvimento em fraudes em prefeituras.



Nerter – Esta semana aconteceu o ponto máximo de tensão entre MPES e TJES. Mesmo com todos os protestos pela postura do Ministério, Eder Pontes pediu a revogação das prisões dos acusados de participação no esquema que originou a Operação Derrama e o desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa negou o pedido. O fato causou até surpresa em parte da mídia, que já considerava trâmite normal o Ministério pedir e o Tribunal aceitar. Mas o Tribunal de Justiça não é um órgão legitimador do Ministério e aos poucos seus membros estão entendendo isso.



Renata – Começa a ganhar corpo nos meios políticos a ideia de que por trás desse cabo de guerra entre Ministério Público e Tribunal de Justiça há um interesse político incutido que vai acabar causando desgaste para um dos lados, aparentemente para o Ministério Público. Como o MPES em um passado muito recente denunciava antes sequer de ouvir os acusados, e agora está cheio de dedos diante de uma montanha de documentos e indo de encontro, inclusive, aos cruzamentos de dados do Tribunal de Contas, a corda está mais fraca para o lado dele.



Nerter – A delicada e indigesta situação pode ser observada na sessão de instalação dos trabalhos na Assembleia. Para a solenidade foram convidados o governador Renato Casagrande; o presidente do Tribunal de Justiça, Pedro Valls; o presidente do Tribunal de Contas, Sebastião Carlos Ranna, e o chefe do MPES, Eder Pontes - e só ele foi. Os demais mandaram vices e nem justificaram as ausências. O presidente reeleito da Casa, Theodorico Ferraço (DEM), é acusado de ser o pivô do escândalo. A ausência das autoridades de um lado e a presença de Pontes foi simbólica, mas o constrangimento foi claro. 



Renata – O que alguns observadores apontam é que há uma parte do antigo arranjo institucional que insiste em sobreviver. Quer se fortalecer, mas encontrar espaço neste novo terreno político é difícil. A sobrevida de Paulo Roberto (PMDB) na briga pela cadeira da Assembleia é um indício dessa tentativa. Aliado do ex-governador, ele teria que permanecer na Casa para fazer o contrapeso em casos de ataques de antigos desafetos do ex-governador, como Euclério Sampaio (PDT), que já tomou posse, e caso o ex-governador Max Mauro (PTB) entre no plenário.



Nerter – O caso é muito claro e embasamentos para provar que a vaga não pertence a Paulo  Roberto não faltam, mesmo assim, a entrada de Olmir Castiglioni (PSDB) vem sendo protelada e não parece que há empolgação sequer no ninho tucano quanto à possibilidade de o partido ganhar um segundo deputado. E olha que estamos falando de um partido que não tinha representação na Assembleia, está desgastado das últimas eleições, e tem a missão de erguer um palanque de oposição ao governo federal em 2014.



Renata – Quem acompanha política sabe muito bem que essa questão partidária no Espírito Santo não existe mais. As orientações das Executivas Nacionais são ignoradas em favor de um projeto político que já teve seu tempo, mas que tenta renascer. Mas isso é assunto, agora eu que digo, para um outro papo.

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