Em meio aos protestos que tomaram a Grande Vitória, o interior do Estado e várias cidades brasileiras esta semana, a Rádio Universitária FM convidou o professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Estado (Ufes), Maurício Abdalla, para fazer uma avaliação dos motivos e reflexos das manifestações políticas. “A ideia de que o povo é adormecido e que não reage é construída. A história do Brasil é uma história de resistência, de manifestações, desde o tempo dos índios, dos primeiros momentos da colonização. Vários levantes aconteceram no Brasil, só que nenhum deles teve a capacidade de fazer uma revolução e transformar o País”, disse Abdalla, sobre a ideia que vem sendo adotada por parte da mídia e nas redes sociais de que “o gigante acordou”, como referência ao fato de que o brasileiro, que tem um perfil pacifista, teria despertado para os problemas sociais do País.
A diferença, segundo o professor, é que essas manifestações nunca tiveram a publicidade como acontece atualmente, primeiro por ser o Brasil um país de dimensões continentais; segundo pelo fato de a mídia ser controlada por seis famílias e a informação acaba não condizendo com a realidade dos movimentos sociais.
Em diversos momentos na história do Brasil, os movimentos sociais, a população organizada e inclusive a classe média foram às ruas protestar. Durante o golpe militar, apesar dos 20 anos de repressão, também houve grupos que foram às ruas para se manifestar, enfrentado o golpe militar. Esses grupos, destaca o professor, sem qualquer visibilidade nas mídias.
Abdalla explica, porém, que o trabalho ideológico feito no processo de ditadura e abertura política levou a uma certa letargia, sobretudo na classe média. Mas na periferia e nos interiores, os movimentos sempre existiram e atuaram.
No caso das manifestações atuais, o professor aponta a insatisfação da juventude com a situação política e econômica do País, com gastos excessivos para favorecer empresários e banqueiros, em contrapartida à falta de recursos em áreas de atendimento social.
Isso se alia, segundo o professor, ao fato de a comunicação não depender exclusivamente da chamada mídia convencional e o clima de levante em outras partes do mundo, como nos Estados Unidos, na Espanha, a chamada Primavera Árabe e os protestos na Turquia. “Tudo isso, com essa comunicação muito rápida, se juntando com esse sentimento de insatisfação, cria o sentimento de que é possível mudar alguma coisa. Ainda que de forma desorganizada, e não amadurecida, mas é o retomar de uma história que o Brasil sempre teve”, disse o professor.
Para Abdalla, os episódios que começaram em São Paulo, com a repressão policial ao Movimento Passe Livre, pela redução da tarifa do transporte público, só ajudaram a colocar gasolina na efervescência do movimento. O professor destaca a falta de preparo da polícia para esse tipo de evento e que ainda vive com resquícios da ditadura. “Ainda se vê os movimentos sociais como algo criminoso”.
Em relação à radicalização do movimento por parte de alguns manifestantes, o professor destacou a pluralidade dos grupos e que esse tipo de reação é recorrente em qualquer aglomeração, independentemente das causas envolvidas.
Questionado sobre o perfil apartidário dos protestos, Abdalla falou sobre a concepção enviesada da democracia, em que os governantes, por serem eleitos pelo voto, sentem-se no direito de pensar em nome da população e destaca a discussão sobre as tarifas do transporte no Estado, que para ele são uma “caixa preta”, já que as planilhas apresentadas nunca trazem o lucro dos acionistas das empresas de transporte público.
O processo político que se mostrou no Estado e no País nos últimos dias, para o professor, ainda precisa de amadurecimento. Por conta dessa ideia vendida de adormecimento do movimento social, com a imagem estereotipada do militante, o movimento segue um aprendizado na reorganização social.
A pauta difusa não atrapalha, em sua opinião, mas é preciso dar um passo a mais e buscar a representação interna. O professor afirma ainda que é preciso maturidade ao movimento, a juventude presente não deve achar que está inventando a roda, assim como as antigas lideranças não devem achar que têm lição para ensinar, mas é preciso reconhecer que o momento é novo, mas a experiência do passado pode ajudar a amadurecer o processo que nasce nas ruas.