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‘Não aceitaremos retrocessos democráticos travestidos de moralismo’

Crislayne Zeferina, do Conexão Perifa, aciona MP contra a “Lei Anti-Oruam”

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O Instituto Conexão Perifa, que atua no Território do Bem, em Vitória, encaminhou ofício ao Ministério Público do Estado (MPES) nesta quarta-feira (18), questionando a promulgação da “Lei Anti-Oruam” no município. A norma, que proíbe o poder público municipal de contratar shows e apresentações que promovam “apologia a crimes, ao crime organizado e ao uso de drogas”, é considerada um ataque à liberdade de expressão e ao direito à manifestação cultural.

A Lei Ordinária nº 10.177/2025 foi promulgada nessa terça-feira (17) pela Câmara de Vereadores, sem passar por sanção do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), que se esquivou de se posicionar sobre o assunto. Para o Conexão Perifa, “seu conteúdo genérico e subjetivo permite interpretações amplas e arbitrárias, promovendo censura prévia e criminalizando manifestações artísticas historicamente comprometidas com a denúncia social, sobretudo vindas das juventudes periféricas”.

Diante disso, o ofício solicita abertura de procedimento administrativo para apuração de possíveis inconstitucionalidades e violações de direitos fundamentais provocadas pela lei. Também pede que o MPES se manifeste publicamente sobre os efeitos da norma, e que interponha Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) caso se verifiquem fundamentos suficientes.

“O Ministério Público precisa se posicionar – Vitória merece uma resposta à altura. Caso essa medida ganhe força no Estado, recorreremos ao Supremo Tribunal Federal, pois não aceitaremos retrocessos democráticos travestidos de moralismo”, afirmou Crislayne Zeferina, fundadora do Conexão Perifa, destacando que a Capital capixaba não é o único lugar com propostas de “Lei Anti-Oruam”.

Para Crislayne, a lei apresenta termos vagos e subjetivos, como “apologia”, “enaltecimento” ou “discurso que ofenda”, abrindo brechas para censura prévia e criminalização de expressões culturais identificadas com territórios periféricos, como hip hop e funk, “que há décadas denunciam a violência do Estado e dão voz às juventudes silenciadas”.

“Em vez de investir em políticas públicas para a juventude, como o fortalecimento de equipamentos culturais e sociais, a Câmara Municipal opta por calá-la. É urgente questionar: onde está a coordenação de juventude da Capital? Abandonada há anos, sem resultados concretos. Se o município alega falta de recursos, como justifica uma lei que ataca, e não protege, sua juventude?”, ressaltou Crislayne.

A fundadora do Conexão Perifa também criticou Pazolini por não se posicionar sobre o assunto: “O prefeito, ao se ausentar do debate, envia uma mensagem dúbia aos seus aliados e à população. Mas como chefe do Executivo, ele é responsável por regulamentar e aplicar a lei – o silêncio também é uma escolha política. Esperamos, agora, a manifestação oficial do MP. Do contrário, nem Calcinha Preta nem Jefinho Faraó terão espaço na cidade mais linda do Espírito Santo”.

A nova lei

A Lei Anti-Oruam de Vitória, em seu 1º artigo, veda, por parte da administração pública municipal direta e indireta, inclusive fundações, autarquias e empresas públicas, “a contratação de artistas, bandas, grupos musicais ou quaisquer outros eventos culturais, para apresentações custeadas, patrocinadas ou apoiadas com recursos públicos, que promovam apologia ou exaltação de práticas criminosas ou contravenções penais; incitação à violência, ao uso de armas, ao tráfico ou uso de entorpecentes; enaltecimento de facções criminosas, organizações milicianas ou do crime organizado; e discurso que ofenda os princípios da dignidade da pessoa humana, da moralidade administrativa ou da segurança pública”.

“Essa lei é um divisor de águas. Vitória dá um recado claro: dinheiro público não vai financiar a cultura do crime. Isso não é censura, é responsabilidade com as nossas crianças, nossos jovens e com o futuro da nossa cidade”, afirma o vereador Armandinho Fontoura (PL), que passou um ano preso por suspeita de envolvimento em milícias digitais antidemocráticas e usa tornozeleira eletrônica. Fontoura é um dos autores do projeto de lei, junto com Leonardo Monjardim (Novo), líder do Governo.

A proposta foi aprovada com 11 votos favoráveis, cinco contrários e uma abstenção. Entre os contrários, a vereadora Karla Coser (PT) defendeu que a matéria é inconstitucional e apontou vícios como violar a liberdade artística, além de usar termos “vagos e subjetivos”, como “enaltecimento e apologia”. Ana Paula Rocha (Psol), por sua vez, pontuou que a proposta “tenta ter roupagem de proteção às crianças e adolescentes, mas como o vereador Pedro [Trés, do PSB, também contrário] destacou, temas como bebida e violência sexual estão em todos os gêneros musicais”.

A apresentação do projeto “Anti-Oruam” tem se repetido em estados e municípios brasileiros, como uma estratégia de parlamentares ligados ao bolsonarismo. Em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, o prefeito Theodorico Ferraço (PP) sancionou, no início do mês, uma lei municipal com o mesmo teor.

Na Assembleia Legislativa, os deputados Callegari e Lucas Polese, ambos do PL, protocolaram propostas sobre o tema. Também há projetos de lei semelhantes tramitando em diversas cidades capixabas, como Vila Velha e Cariacica, na região metropolitana, e Jerônimo Monteiro, no sul do Estado.

O rapper Oruam é filho de Marcinho VP, preso desde 1996 por sua vinculação com a organização Comando Vermelho. Quando apresentou projeto para proibir recursos públicos para eventos com suposta apologia ao crime, a vereadora paulista Amanda Vetorazzo utilizou o cantor como referência – por isso o apelido.

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