Extrema direita acusa sacerdote católico de “ativismo ideológico incompatível com a fé”

Alvo de um abaixo-assinado, o padre Kelder Brandão tem recebido apoio de colegas da Igreja Católica e de políticos progressistas. Brandão, que é pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, no Território do Bem, e coordenador do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória, tem sido mais uma vez acusado pela extrema direita de “ativismo ideológico incompatível com a fé”.
O autor do abaixo-assinado é o deputado estadual bolsonarista Lucas Polese (PL). Em um vídeo publicado nas redes sociais, Polese afirma que pretende enviar o documento ao “Vaticano” com “milhares de assinaturas”. Ele já havia feito outro vídeo no dia 1º de outubro, afirmando que havia denunciado o padre na Embaixada da Santa Sé, em Brasília.
O abaixo-assinado tem um texto curto, de apenas um parágrafo, em que defende que “ao longo dos últimos anos, Kelder tem se utilizado do altar da Igreja e da Santa Missa, o Sacrifício Supremo de Cristo, para exercer militância política-partidária”.
Além disso, recentemente, o padre teria feito “defesa pública do ensino de ‘ideologia de gênero’ obrigatório para crianças, nas escolas do ES, contrariando, em absoluto, o Magistério da Igreja, a doutrina eclesiástica secular, documentos doutrinários como a ‘Dignitas Infinita’ e os Papados”.
O documento apresenta um link para uma nota de repúdio assinada pelo padre e publicada no dia 23 de julho pelo Vicariato, criticando a promulgação da lei estadual que proíbe a participação de estudantes em atividades escolares sobre gênero sem a prévia anuência dos pais ou responsáveis – alvo de contestações na Justiça estadual e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Também há links de matérias que supostamente reforçariam a contradição entre manifestações de padre Kelder e o posicionamento oficial da Igreja Católica. Foi colocado, ainda, um link para uma pasta com diversos vídeos e prints de reportagens relacionados a Kelder. Algumas imagens mostram o padre em pregações, e também participando de edições do Grito dos Excluídos – uma manifestação popular justamente criada pela Pastoral Social da Igreja Católica.
Nessa quarta-feira (22), o padre Vitor Noronha, da Arquidiocese de Vitória, e Alexandre Lemos Jr., assessor parlamentar do senador Fabiano Contarato (PT) – com atuação na Pastoral da Juventude e engajamento nas Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) em Cariacica -, postaram um vídeo rebatendo as acusações contra Kelder, sem mencionar Lucas Polese diretamente.
“O que padre Kelder faz não é ativismo ideológico, como dizem, é simplesmente viver o Evangelho, anunciar a justiça, e tocar as feridas do povo. Aliás, certa vez, o Papa Francisco falou sobre isso no número 101 da sua exortação apostólica Gaudete et Exsultate. Ele disse, criticando esse tipo de pessoa que ataca o padre Kelder, que é nocivo e ideológico o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos outros, considerando algo superficial, mundano, secularizado, imanentista, populista, comunista, ou então relativizam-no como se houvesse outras coisas mais importantes”, comentou Alexandre.
“O que se chama de investigação doutrinária é, na verdade, uma tentativa de intimidar a ação da pastoral da Igreja”, acrescentou o padre Vitor Noronha, que atualmente está no Vaticano fazendo uma parte de seu curso de doutorado.
Noronha destacou que encíclicas e exortações apostólicas tanto do Papa Francisco quanto do Papa Leão XIV – que iniciou o papado em maio deste ano – classificam os movimentos populares como “semeadores de mudanças e poetas sociais”. Ele mencionou ainda o fato de que Francisco se encontrou com movimentos sociais em diversas ocasiões, e Leão XIV está fazendo o mesmo nesta semana, inclusive com o “demonizado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”.
A deputada estadual Iriny Lopes (PT) também fez uma postagem nessa quarta-feira defendendo Padre Kelder. Sem citar nomes, ela afirmou que “parlamentares de extrema direita frequentemente usam pessoas honestas como escada”, classificando ainda as “ações” como “jogada de marketing de políticos duvidosos”.
“Dizer que a ‘igreja não pode fechar os olhos para o machismo, que impregna suas estruturas e fomenta atitudes fascistas’ não é uma ofensa. É uma realidade. É verdade e uma lembrança que Cristo, mesmo perseguido, nunca insuflou ou cometeu violências, sempre procurou a justiça social e o diálogo. Afinal, feminicídios e violências contra as mulheres, tão frequentes em nosso Estado, seriam ‘aplaudidos’ pela igreja? Com certeza, não”, defendeu Iriny.
É comum que políticos de extrema direita da Grande Vitória se refiram a padre Kelder de forma pejorativa. Em 2023, o deputado estadual Coronel Weliton (PRD) chegou a exibir um vídeo na Assembleia Legislativa acusando a realização de “um baile com armas e drogas” nas dependências da comunidade católica comandada por Kelder, o que foi contestado – era uma antiga quadra do Serviço de Engajamento Comunitário (Secri).
Procurado por Século Diário para se manifestar, padre Kelder agradeceu, mas disse que não deveria se pronunciar. “A instituição é que deve fazê-lo”, afirmou.