Nerter Samora e Renata Oliveira
A impressão dos meios políticos é de que a eleição para Paulo Hartung (PMDB) contra Renato Casagrande (PSB) não acabou. O governador eleito continua no palanque bombardeando seu adversário. Papo de Repórter aborda a postura dos dois principais líderes políticos do Estado neste período de transição.
Nerter – Quando será que Paulo Hartung vai descer do palanque? Já se passaram dois meses da eleição e ele parece continuar em campanha. O bombardeio desta semana foi intenso sobre o governador Renato Casagrande. A estratégia de desidratar o socialista segue firme, seja nas entrelinhas dos discursos de Hartung ou nos ataques diretos de seus aliados.
Renata – A semana começou com duas ofensivas do grupo do governador eleito. Na manhã da segunda-feira (1), a nova secretária de Fazenda do governador eleito, Ana Paula Vescovi, foi à Rádio CBN e tentou encaixar o abstrato discurso, dentro da linguagem econômica, de que o Estado está quebrado . No mesmo dia, os aliados do governador eleito na Assembleia Legislativa barraram a leitura da prestação de contas do governador na Comissão de Finanças, fazendo cinco requerimentos de informação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), com o claro objetivo político de protelar o julgamento das contas para quando Casagrande já não estiver no Palácio Anchieta.
Nerter – Sim, na terça-feira, o secretário da Fazenda de Casagrande, Maurício Duque foi à mesma CBN para rebater os dados de sua sucessora na pasta, mas deixou claro que o debate não está pautado em números e sim em um discurso político, que serve para diminuir as expectativas do eleitorado sobre o cumprimento de promessas feitas na campanha de Hartung. Haroldo Correa Rocha, o mensageiro do caos, vem repetindo a ladainha de que a o Estado não tem dinheiro e faz questão de deixar entendido que a culpa é do governo do PSB. Na quarta-feira, uma manobra do sempre aliado de Hartung na Assembleia, Paulo Roberto (PMDB), derrubou a sessão para evitar que as contas do governador fossem julgadas.
Renata – Paralelamente a isso, Hartung chama os prefeitos para demonstrar força. Disse, com outras palavras, que perdoa os traidores e que a eleição ficou para trás, mas reforçou, por meio de Haroldo Correa Rocha, as dificuldades financeiras de 2015, como uma herança maldita do governo que se encerra em dezembro. Essa recapitulação dos episódios da semana é importante para entender qual é a estratégia. Ao mesmo tempo em que tenta demonstrar que está disposto a aglutinar forças, desidrata seu principal adversário. Seduz os prefeitos com a corda no pescoço e temerosos por terem apoiado Casagrande e paralelamente demoniza seu adversário.
Nerter – Hartung terá uma gestão difícil, não porque esse discurso que ele defende esteja certo, mas porque o cenário político e econômico em que ele assume é completamente diferente do de 2002, como foi muito bem observado pelo nosso colunista Antônio Carlos Medeiros no artigo desta semana. O cientista política destaca que Hartung experimentou nos seus dois mandatos uma rara conjunção histórica de “Fortuna” e “Virtú” na política capixaba. Agora a coisa é diferente: ele não tem a muleta do combate ao crime organizado para desviar o foco de sua atuação administrativa. Também não tem mais a confiança do presidente da República para lhe antecipar uma grana violenta de royalties do petróleo para resolver suas dívidas. Aliás, vale destacar que somente com Casagrande que o Estado conseguiu “quitar” essa dívida após discussão judicial, uma vitória para lá de relevante mesmo com a baixa no preço do petróleo. Tirando isso, a economia nacional e mundial também não anda bem das pernas e as expectativas de crescimento são bem mais modestas. Ele sabe disso, e tenta transformar o limão em uma limonada, usando esse cenário contra Casagrande.
Renata – Os 72 prefeitos que trouxeram seus pires para o governador eleito voltaram para casa com as mãos abanando. E a expectativas de que receberão alguma coisa vai depender do interesse do governador eleito. Claro, Hartung venceu com o voto do interior e não vai querer perder esse capital, porque na Grande Vitória a situação é diferente. Mas vai depender muito do potencial de cada gestor para 2016. Ele não vai entrar em rota de colisão com o eleitor fortalecendo um prefeito que não está agradando o eleitor. E, diga-se de passagem, a maioria não está bem na fita.
Nerter – O processo eleitoral de 2016 será muito importante para que possamos fazer essa avaliação melhor. Na Grande Vitória, evidentemente, as movimentações já estão a todo vapor. Não há carona que faça Hartung apoiar Juninho, se Helder Salomão (PT) chegar no processo eleitoral em condições de se eleger, como tem hoje em Cariacica. Em Vila Velha, Hartung precisa reeleger Rodney Miranda (DEM) e vai fazer tudo que puder para tirar Max Filho (PSDB) do caminho. Muito embora não podemos nos esquecer de outro ex-prefeito, Neucimar Fraga (PV ), que adotou o silêncio após o bom desempenho na disputa ao Senado. Neucimar foi um dos raros exemplos de políticos que saíram fortalecidos da disputa mesmo com a derrota nas urnas. Mas em Vitória é que a coisa vai ficar complicada.
Renata – Vitória é um caso à parte, embora Vila Velha também tenha muita importância para o jogo político. A expectativa de uma disputa muito dura existe e a certeza mesmo é que o prefeito Luciano Rezende (PPS) vai disputar contra, provavelmente, o ex-prefeito João Coser (PT), que até aqui conquistou o apoio de Paulo Hartung, o que mais vai acontecer, só o tempo. A preocupação é com relação a Casagrande, que ensaia entrar na disputa. Se vencer essa disputa que será pra lá de acirrada, ele aumenta seu capital e pode entrar no jogo político de 2018 refeito da derrota deste ano.
Nerter – Hartung está se blindando porque suas promessas demandam uma ação que ele não suporta… gastar. A Escola Viva e o modelo das UPPs do Rio de Janeiro custam rios de dinheiro para serem implantadas de forma satisfatória. Deve fazer uma dessas Escolas Vivas, provavelmente em Vila Velha, o que deve demorar uns dois anos para ficar pronto, bem no meio da disputa municipal, e aí vai ficar falando desse modelo o resto da gestão. A imprensa corporativa, que sempre diz amém para o que Hartung faz, não vai questionar isso e ele vai sair do governo como o grande gestor. Claro, isso se não tiver ninguém disposto a fazer esse contraponto.
Renata – Outra coisa que deve ser observada é que Casagrande projetou seu governo para oito anos, muita coisa está incompleta. O que Hartung puder capitalizar ele vai terminar e colher os louros e o que não puder, como o Aquaviário e outras obras de mobilidade urbana que estavam em andamento e seriam grandes realizações da gestão de Casagrande, ele não vai levar a diante e vai criar um discurso de desgaste para seu adversário.
Nerter – As duas principais conclusões a gente já pode até apostar, não é? Ele conclui o que falta do Hospital São Lucas e rebate a acusação de Casagrande de que a obra estava sendo executada de trás para frente na gestão do peemedebista. Além disso, claro, ele vai concluir, custe o que custar, o Cais das Artes. Hartung entende que um grande estadista tem que deixar uma grande marca como legado, e tem de ser na área da cultura para ficar na memória da população todas as vezes que olharem para o “monumento”. Vai dizer que deixou o projeto em andamento, Casagrande paralisou e que ele retomou e entregou à população.
Renata – Tudo isso é simbólico, tem o objetivo de reconstruir uma vitrine política, mas não acredito que será tão fácil desconstruir a imagem de Renato Casagrande. Hartung também tem coisas a explicar e em plena sociedade da informação fica difícil fazer aquela linha de que nada o atinge, até porque ele deixou de ser inatingível. Casagrande vai ficar à espreita. Ele também tem suas pedras escondidas na mão e não vai hesitar em atirá-las contra a vitrine já rachada de Hartung.
Nerter – Então, que continue o embate.