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Abordagem sindêmica da Covid-19 vai além das comorbidades, diz Fiocruz

Para Ethel Maciel, reconhecimento da sindemia ainda não refletiu em ações socioeconômicas robustas de prevenção

O Brasil e o Espírito Santo ainda não aprenderam a lição maior trazida pela pandemia de Covid-19 que, há mais de um ano, já é reconhecida no meio médico e científico como sindemia. Ações robustas de prevenção ainda não são implementadas, nem no campo da vigilância epidemiológica e assistência à saúde, nem no socioeconômico.

A avaliação é da doutora em Epidemiologia Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora do Harvard School of Public Health, nos Estados Unidos, à luz de um novo artigo sobre o tema, publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (CSP/Fiocruz).

O termo sindemia é originário da antropologia médica e foi concebido no início da década de 1990 pelo médico e antropólogo estadunidense Merril Singerl, para expressar a interconexão entre as epidemias de uso de drogas, violência urbana e casos de Aids naquele país, denominada SAVA (abuso de substâncias, violência e aids; no original em inglês: substance abuse, violence, and Aids).

Desde então, explica Ethel Maciel, vem sendo aplicado ao entendimento de diversas outras doenças extremamente relacionadas à pobreza, como tuberculose, doença de chagas, esquistossomose e, agora, a Covid-19. “Numa pandemia onde todos estamos em risco, o risco é diferenciado de acordo com condicionalidades socioeconômicas, como educação e acesso à informação. Foi um divisor de águas. Grande parte das medidas no primeiro momento demandavam um nível socioeconômico mais elevado. Para ter álcool em gel, usar máscara, máscara mais filtrante, poder ficar em casa, ter acesso a serviços de saúde e consulta médica mais precoce”, elenca.

No artigo da CSP/Fiocruz, os autores José Patrício Bispo Júnior e Djanilson Barbosa dos Santos destacam que, no caso da Covid-19, a “sindemia não é meramente comorbidade” e que “a prevalência da Covid-19 no Brasil é duas vezes maior no quintil mais pobre da população, quando comparado ao quintil mais rico”.

“As populações desfavorecidas economicamente e grupos étnicos minoritários têm taxas mais altas de quase todos os fatores de risco clínicos que aumentam a gravidade e a mortalidade da Covid-19, a exemplo de: hipertensão, diabetes, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença cardiovascular, doença hepática, doença renal, obesidade e tabagismo”, explanam os autores.

Por isso, “nos âmbitos social e econômico, a teoria da sindemia dá suporte à necessidade de soluções de nível político orientadas coletivamente para a transformação social e diminuição das iniquidades”. Faz-se necessário, conclamam, “o resgate dos ideais de solidariedade para a proteção social especialmente dos grupos vulneráveis”, o que envolve “decisões políticas globais e nacionais de interrupção de programas de ajustes macroestrutural, ampliação do financiamento das políticas de proteção social, a exemplo da taxação de grandes fortunas, e concessão de auxílios emergenciais que garantam a subsistência das pessoas durante o período da pandemia”.

Aplicando tais diretrizes ao contexto brasileiro e capixaba de prevenção e controle da Covid-19, Ethel Maciel observa que o foco dos investimentos públicos foi em serviços especializadas, atenção secundária e terciária: atendimento hospitalar e abertura de leitos. “A estratégia foi ruim e a qualidade da assistência não foi boa”, avalia. “Abrimos leitos de alta complexidade, de UTI [Unidade de Tratamento Intensivo], que exige equipes muito bem qualificadas”.

Segundo ela, o percentual de mortalidade em UTI foi altíssimo no Brasil, se comparado com outros países onde a qualidade da assistência foi maior. “Uma pessoa com Covid é submetida por dia a mais de 200 intervenções, então quanto mais qualificada a equipe, melhor fica a assistência”, expõe. Ao contrário, “num sistema colapsado, acaba tendo uma qualidade muito ruim dessa assistência”. Como resultado, houve no país de modo geral, uma “mortalidade de pessoas jovens muito maior”. O Brasil, lamenta, “rejuvenesceu a pandemia”.

Enquanto isso, medidas simples e relativamente baratas, como distribuição de oxímetros, máscaras PFF2 e testes rápidos não aconteceram até hoje. Apenas a testagem foi mais massificada, mas ainda não de forma suficiente. “Não investiu em testar e isolar as pessoas. Precisa uma reformulação geral para atuar mais na prevenção”, afirma.

Daqui para frente, um legado positivo, no que diz respeito à prevenção, foi o fortalecimento das estruturas epidemiológicas dos municípios e estados. “Precisa agora manter essas estruturas, compreendendo que a vigilância epidemiológica é um trabalho contínuo para compreender o surgimento de novas doenças. A gente ainda não tem o controle, ainda está na pandemia, mas caminhamos para ele com o avanço da vacinação. Assim que tiver o controle, vamos ter o impacto de outras doenças, não diagnosticadas ou diagnosticadas tardiamente. Para tudo isso, vamos precisar de vigilância epidemiológica robusta. Os próximos anos não serão fáceis para o setor de saúde recuperar esse tempo pra pandemia”, orienta.

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