Internados na rede pública tiveram oito vezes mais chance de morrer
"As pessoas [com Covid-19] internadas na rede pública hospitalar [do Espirito Santo] tiveram uma chance superior a oito vezes de morrer, quando comparadas àquelas internadas na rede privada". O motivo principal está em um estado de saúde pregresso mais fragilizado pelo acompanhamento não satisfatório de doenças pré-existentes, especialmente cardíacas, renais, hepatites, diabetes mellitus, imunológicas, infecção pelo HIV, neoplasias, tabagismo e neurológicas crônicas.
A conclusão é do estudo Fatores associados ao óbito hospitalar por Covid-19 no Espírito Santo, elaborado pelos pesquisadores Ethel Maciel, Etereldes Gonçalves, Ricardo Tristão Sá, Rita de Cássia Duarte Lima, Bárbara Reis-Santos e Eliana Zandonade, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes); Pablo Jabor e Pablo Lira, do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN); e Elda Bussinger, da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).O estudo analisou as pessoas cujos desfechos hospitalares se encerram até 14 de maio. Das 889 que haviam se internado nos hospitais capixabas até a data, 200 receberam alta e 220 foram a óbito, sendo a primeira internação ocorrida em 26 de fevereiro e o primeiro óbito em 20 de março.
No perfil das pessoas internadas, destaca-se que 57,1% eram do sexo masculino, 46,4% tinham mais de 60 anos de idade e 81,7% residiam na região metropolitana de Vitória. A maioria, 57,9%, foi notificada por instituição privada, e 61,7% apresentaram pelo menos uma comorbidade. A média de idade foi de 47,4 anos para o grupo das pessoas que receberam alta e de 66,5 anos para o grupo de pessoas que foram a óbito.
Revelaram-se como principais fatores associados ao óbito: a faixa etária mais alta, ser notificado por instituição pública, o número de comorbidades e a existência de algumas doenças prévias, sendo possível observar que indivíduos notificados por instituições públicas eram mais velhos (mais de 60 anos) e apresentavam mais comorbidades.
De posse dos dados, os pesquisadores calcularam as chances de morte de duas formas diferentes, a primeira levando em consideração se a instituição de internação era privada ou pública, e a segunda desconsiderando esse aspecto.
O exercício evidenciou que "não foi o fato de estar internado em uma instituição pública ou privada que determinou o desfecho 'óbito' e sim as condições prévias à entrada no sistema de saúde, entre as quais as comorbidades associadas à Covid-19, como tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão e obesidade, entre outras", enfatizam os autores.
Da mesma forma, argumentam, foi observado maior número de comorbidades e média de idade superior em casos atendidos por instituições públicas e que evoluíram para óbito. "Se é razoável supor a presença de maior número de comorbidades entre pessoas de maior média de idade, também é preciso questionar se, de fato, indivíduos provenientes da rede pública chegaram em estado mais grave, se a prevenção e controle das comorbidades nas instituições públicas é menos adequada", argumentam os cientistas.
Sob essa perspectiva, salientam, "conclui-se que o SUS [Sistema Único de Saúde], dotado de capilarizada rede de Atenção Primária, tem papel fundamental na prevenção e controle dessas doenças", acentuando a importância de reconhecer "que todos os brasileiros utilizam o SUS, alguns de forma exclusiva, outros como complementação aos planos privados por eles contratados".
A população mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico, afirmam os cientistas, encontram "mais dificuldade para perceber a importância do autocuidado, do acesso aos serviços de saúde e aos níveis de maior complexidade no SUS como seu direito adquirido".
Ao enfatizar as causas históricas dessa vulnerabilidade, os pesquisadores remontam ao período entre fins da década de 1970 e os primeiros anos 1980, quando o Estado "sofreu da ausência de políticas sociais e de um planejamento territorial-urbano adequado", o que favoreceu "o encadeamento de processos e fatores de aprofundamento da desigualdade territorial, da degradação urbana e da qualidade de vida e saúde na cidade".
No cenário nacional, os autores enfatizam como causas do aprofundamento das desigualdades sociais e da menor possibilidade de acesso ao SUS, o "desfinanciamento, da ordem de R$ 1,7 bilhões, promovido entre os anos de 2014 e 2015, agravado pela Emenda Constitucional (EC) nº 95, publicada em 2016, que estabeleceu, entre outras medidas, o teto do gastos públicos com saúde, implica evidentes restrições à consecução das atividades regulares do SUS, dificultando ainda mais uma resposta adequada à pandemia".
A pandemia de Covid-19, alertam os pesquisadores, "enfatiza a necessidade de criar mecanismos legais, para pleno financiamento do Sistema Único de Saúde, de forma à Nação Brasileira estar mais preparada para as próximas situações de crise sanitária, previsíveis em um mundo cada vez mais globalizado".
Aglomerados subnormais
Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espírito Santo é o segundo estado com maior percentual de pessoas vivendo em situações precárias, nos chamados aglomerados subnormais: 26,1%, atrás apenas do Amazonas, com 34,59%.
Em uma pesquisa no Painel Covid-19 Síntese por Município, Cariacica aparece com 61% de aglomerados subnormais, o maior percentual entre os municípios mais populosos da Grande Vitória: Vitória (33,16%), Serra (36,31%) e Vila Velha (29,98%).
Santa Maria de Jetibá, com sua economicamente baseada na agricultura familiar, tem apenas 0,48% e o município menos populoso do Estado, Divino de São Lourenço, tem 4,08%, percentual mais próximo de capitais do sul do país, como Curitiba/PR (6,49%) e Florianópolis/SC (6,81%). Manaus, a capital do Amazonas, estado no triste primeiro lugar do ranking, aparece com 53,38%, e as duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, estão bem abaixo da capital capixaba, com 12,91% e 19,28%, respectivamente.
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