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‘Que nenhuma mulher sofra uma cesárea desnecessária ou parto normal violento’

Regulamentação da profissão de doula ajuda a combater violência obstétrica. No ES, SUS ainda restringe atuação

Karol Felício

O fim da violência obstétrica e a promoção do protagonismo da mulher durante a gravidez, o parto e o pós-parto para um nascimento seguro e feliz. Esse é o objetivo principal da luta das doulas no Brasil pelo reconhecimento da profissão e pela garantia da inserção dessa profissional nas equipes multidisciplinares de parto reconhecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Nesse sentido, a aprovação do Projeto de Lei nº 3.946/2021 na última quarta-feira (16) pelo Senado, representa um importante passo. O PL estabelece as regras e requisitos para o exercício da profissão e segue agora para a análise da Câmara dos Deputados.

“O projeto foi bem costurado com a Fenadoulas [Federação Nacional das Doulas do Brasil]”, afirma Aline de Almeida e Silva, presidente da Associação de Doulas do Espírito Santo (Adoules), ressaltando que os movimentos nos estados também se fortalecem com essa primeira vitória. 

No Espírito Santo, informa, existem dois PLs em tramitação na Assembleia Legislativa (Ales), um de autoria do Dr. Rafael Favatto (Patri) e outro do Capitão Assumção (PL), que passaram ter tramitação conjunta. Essa é a segunda tentativa de conseguir uma lei estadual. A primeira foi iniciativa da deputada Raquel Lessa (PP), mas, mesmo aprovada, foi vetada pelo então governador Paulo Hartung.

Aline explica que, enquanto o projeto federal visa regulamentar a profissão, estabelecendo atribuições, carga horária e formações e outros requisitos necessários, a lei estadual visa obrigar que as maternidades do SUS permitam a entrada dessa profissional, quando solicitada pela parturiente. 

“O direito da gestante é totalmente respeitado na rede suplementar, privada. Porque se tornou um mercado, tem o fotógrafo, a doula…vários profissionais que atuam. Para a mulher que pode pagar, tem todo o amparo. Mas no SUS, ela encontra muita resistência, mesmo nos municípios onde já existe a lei obrigando a autorização de entrada da doula na sala de parto”, relata.

Na região metropolitana, informa, as maiores cidades já têm leis municipais: Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica. Mas, mesmo assim, as doulas são impedidas de entrar, com base em um artigo nessas leis municipais que permite que a doula seja excluída da equipe caso haja algum problema estrutural na maternidade. 

“Se a doula não ‘couber’ na sala de parto, pode ser excluída”, lamenta a presidente da Adoules, ressaltando que tal justificativa é usada na verdade como uma desculpa para que as maternidades não tenham que adaptar seus procedimentos à legislação atual. “Nem a lei do acompanhante é respeitada! Desde 2005!”, compara. 

A luta “é para que a doula seja entendida como parte da equipe multidisciplinar no parto. A lei federal deixa isso claro. É muito importante tirar da invisibilidade, ter a regulamentação para que saibam quem é a doula, o que ela faz, e possam exigir ter seus direitos garantidos”, reafirma. 

A doula, sublinha, “é aquela mulher que ampara a gestante, oferecendo apoio emocional e físico”, trabalho fundamental, que complementa os procedimentos técnicos empreendidos pelo médico, enfermeira obstétrica ou parteira tradicional. “Para que nenhuma mulher tenha que passar por uma cesárea desnecessária, nem por um parto normal violento”, conclama. 

Denúncia 

A violência obstétrica é ainda uma realidade muito presente no Brasil. No Espírito Santo, a Defensoria Pública (DPES) tem um canal para recebimento de denúncias dessa natureza. A vítima pode obter orientação jurídica procurando a unidade de atendimento no seu município ou o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher, por meio do WhatsApp (27) 99608-4767 ou o e-mail [email protected].

“Quarenta e cinco por cento das gestantes em parto atendidas pelo SUS no Brasil sofrem violência obstétrica”, destaca a DPES, citando a pesquisa Nascer no Brasil, elaborada pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-Fiocruz) em 2011 e 2012. 

A prática, explica a Defensoria, pode ocorrer antes, durante e depois do trabalho de parto e, por se configurar através de condutas profundamente enraizados no cenário obstétrico brasileiro, levam muitas mulheres a naturalizar condutas que violam seus corpos e seus direitos.

Algumas mulheres podem ter a percepção de que o tratamento agressivo é normal e o não reconhecimento da violência resulta em subnotificação dos casos”, explica a defensora pública Jamille Soares, do Núcleo de Defesa dos Direitos das Mulheres.

As principais formas de violência obstétrica que ocorrem no Brasil incluem: proibir a presença de acompanhante conforme previsto em legislação; intervenções desnecessárias ou não consentidas (lavagem intestinal, restrição de alimentos durante o trabalho de parto; realização de cirurgias cesarianas sem indicação médica; puxo dirigido, amparar ou manipular o períneo); separação da mãe e do bebê sem justificativa; episiotomia (corte do períneo para aumentar abertura vaginal no momento do parto, usado em 56% dos partos no Brasil); violência direta (ameaçar, xingar, humilhar, repreender a mulher por gritar ou chorar durante o trabalho de parto, fazer piadas ou agredir fisicamente a mulher, etc.); e manobra de Kristeller (aplicação de força pelo profissional médico sob o abdômen da mulher para forçar o nascimento do bebê, presente em 36% dos partos normais do Brasil, mas já proibida em diversos países). 

Regulamentação 

O PL aprovado no Senado é de autoria da senadora Mailza Gomes (PP-AC) e contém mudanças feitas pela relatora, senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA), que também tem um PL sobre o assunto. 

A redação atual estabelece que a doula é a profissional que oferece apoio físico, informacional e emocional à pessoa durante a gravidez e, especialmente, durante o parto, buscando a melhor evolução desse processo e o bem-estar da gestante, parturiente e puérpera (mulher no período pós-parto). A doula, sublinha, pode promover o conforto das mães, com o emprego de técnicas não farmacológicas que ajudam a aliviar as dores e favorecer o trabalho de parto.

O projeto assegura a presença da doula nas maternidades, casas de parto e em outros estabelecimentos da rede pública ou privada, desde que solicitada pela grávida, durante o período de trabalho de parto, inclusive em caso de intercorrências e de aborto legal. É proibida a cobrança de qualquer taxa adicional pela presença da doula durante o período de trabalho de parto.

A senadora Eliziane Gama acatou sugestão da Fenadoulas para deixar claro que a presença desse tipo de profissional é assegurada em qualquer tipo de parto e para incluir as doulas nas equipes de atenção básica à saúde.

Para exercer a profissão, é preciso ter diploma de ensino médio oficial e qualificação profissional específica em doulagem. A relatora acrescentou ao texto a exigência de que os cursos tenham pelo menos 120 horas de duração. Profissionais que já exercessem a profissão há mais de três anos poderiam continuar. 

O projeto também especifica que as doulas são proibidas de usar ou manusear equipamentos médico-assistenciais, realizar procedimentos médicos ou de enfermagem, administrar medicamentos e interferir nos procedimentos técnicos dos profissionais de saúde. Uma emenda do senador Romário (PL-RJ) aceita pela relatora adicionou ao texto a proibição de que elas façam procedimentos fisioterápicos.

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