Quinta, 25 Abril 2024

​Capital do caso Araceli continua violentando crianças e adolescentes

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Marcello Casal/ABr

Dados do Núcleo de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde (Nuprevi), na Prefeitura de Vitória, indicam que, só em 2020, 164 crianças e adolescentes sofreram algum tipo de violência sexual na capital capixaba. Dentre as notificações, 92,7% se tratavam de estupros. Os números, que podem estar subnotificados durante a pandemia do coronavírus, refletem a vulnerabilidade das vítimas no mesmo município que sediou a violação e o assassinato de Araceli Crespo, há 48 anos.

No ano passado, a violência sexual contra pessoas de 0 a 19 anos representou 73,87% de todos os crimes desse tipo em Vitória. A maior concentração de notificações está na faixa etária de 10 a 14 anos, que soma 86 registros.

Na Capital, a violência sexual contra crianças e adolescentes também tem cor e endereço. Segundo dados do Nuprevi, 78% das vítimas em 2020 eram pretas e pardas e 21% brancas. Vítimas do sexo feminino também lideram as ocorrências, representando 87,8% dos casos.

Apesar das notificações se referirem majoritariamente a casos de estupro (92,7%), os dados também consideram situações de assédio, exploração e importunacão sexual contra menores de 19 anos, além da pornografia infantil. Juntas, essas categorias de violência representam 7,2% das ocorrências.

As informações foram apresentadas na manhã desta quarta-feira (19) pela enfermeira Solange Lanna, que atua no Nuprevi, em reunião da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara de Vitória.

Vulnerabilidade social

Dentre os 164 casos de violência sexual em Vitória, no mesmo período,98 se concentraram nas regiões de Maruípe e São Pedro, alcançando locais como São Benedito, Gurigica e Tabuazeiro. Os bairros com o maior número de ocorrências foram Nova Palestina, Santo André e Conquista, com oito casos registrados em cada um.

Em entrevista recente ao Século Diário, a presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Criad), Alessandra Venturim, explicou que, apesar de atingir famílias de diferentes realidades socioeconômicas, o abuso e a exploração sexual são mais presentes em regiões de periferia e em contextos de vulnerabilidade social. "São famílias que nem sempre possuem uma retaguarda para que a criança fique em um local seguro, então elas acabam mais expostas ao risco", ressaltou.

Subnotificação

O número de vítimas de crimes sexuais em Vitória pode ser ainda maior. A série histórica, que registra os casos de violência desse tipo no município, identifica uma escalada das notificações desde 2009, chegando a 244 registros em 2019. No entanto, em 2020, os dados sofrem uma queda repentina, passando para 164 registros.  A explicação para a queda de 32,78% de um ano para o outro é simples: os casos não estão sendo notificados.

Para a coordenadora do Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Espírito Santo (Neca/Ufes), Maria Emilia Passamani, isso evidencia a dificuldade de denunciar esses crimes no contexto de isolamento social e não a diminuição destas violações. "Certamente há subnotificação dos registros. Com a pandemia, há um aumento dos riscos para as crianças e adolescentes, que muitas vezes convivem com os agressores, o que dificulta a denúncia", declara.

Em nível estadual, as notificações também diminuíram com a pandemia. De acordo com dados da Delegacia Online e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), em 2019, 1.410 crimes sexuais contra menores de 18 anos foram registrados no Espírito Santo. Em 2020, o número caiu para 1.136. Os números da Sesp incluem casos de assédio sexual, estupro, estupro de vulnerável, estupro contra mulher, tentativa de estupro e tentativa de estupro contra mulher.

Uma das explicações para isso é o fato de a violência acontecer principalmente em locais privados. Os dados do Nuprevi revelam que 87,8% das ocorrências de 2020, em Vitória, foram em residências. O levantamento também identifica a maior predominância de casos em que o agressor tem uma relação de amizade com a vítima. Entre as 164 notificações, 42 são de crimes em que o violentador é definido como amigo.

Na sequência, aparecem os casos em que a violência foi praticada pelo namorado, com 38 registros; 25 situações em que a relação com o agressor foi ignorada; 13 casos em que o violentador era desconhecido; e 12 casos em que o crime foi praticado pelo padrasto da vítima.

Maria Emília ressalta que esse vínculo entre vítima e agressor pode ser outro entrave para a denúncia dos casos. Segundo ela, muitos familiares podem deixar de denunciar por se tratar de um parente da vítima. "Ou ainda podem desacreditar na fala da criança, por medo do agressor e pela diminuição das possibilidades das crianças e adolescentes terem contato com alguém de sua confiança para denunciar o abuso, por exemplo uma professora", explica.

Para ela, o combate a esse tipo de violência passa pelo fortalecimento de instituições como os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), o Conselho Tutelar, a Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA), e o Disque 100. "É fundamental que, neste período que estamos vivendo a pandemia, as instituições que fazem parte do sistema de garantia de direitos tenham condições de atender as vítimas de violência, através de ofertas desses serviços", ressalta.

Números no Espírito Santo

Na sessão ordinária da Assembleia Legislativa desta quarta-feira (19), o deputado e delegado aposentado Danilo Bahiense citou dados da violência infantil no Espírito Santo. Segundo o presidente da Comissão de Proteção à Criança e Adolescente, de janeiro a março de 2021, 28 crianças e adolescentes foram assassinados no Estado.

O deputado também citou dados da Secretaria de Estado de Saúde (Sesa), que indicam 519 atendimentos a menores de 14 anos que sofreram abusos sexuais de janeiro a abril deste ano.

Também foram divulgados registros da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), que atende a Grande Vitória. A Polícia Civil contabilizou 85 denúncias de abuso sexual contra menores em 2021, 19 prisões em flagrante e nove prisões por meio de mandado de prisão por estupro de vulnerável, na Grande Vitória. Ao todo, 46 inquéritos de estupro de vulnerável foram concluídos este ano na DPCA.

De acordo com dados da Sesp, só nos primeiros quatro meses de 2021, o Espírito Santo registrou 353 crimes sexuais contra menores de 18 anos. São casos de assédio sexual, estupro, estupro de vulnerável, estupro contra mulher, tentativa de estupro e tentativa de estupro contra mulher.

Já informações da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos indicam que, no Espírito Santo, até maio, foram notificadas 574 denúncias de violência contra crianças e adolescentes e 2.176 registros de violações de direitos humanos. "A violação sexual apareceu em 1.735 ocasiões somente em 2021", declarou Bahiense.

O parlamentar destacou os canais de denúncia de casos de exploração sexual, como o Disque 100, Disque 181, e o telefone da Comissão de Proteção à Criança e Adolescentes: 027 3382-3610

Bahiense também reivindicou ao Governo do Estado o aumento do efetivo de policiais civis nas delegacias de proteção à criança e ao adolescente. "Aqui nós temos a DPCA, que tem apenas dois policiais por município. No caso da Serra, por exemplo, dois policiais para atender mais de 500 mil moradores", declara.

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