Domingo, 28 Abril 2024

'Quando tivermos coragem para denunciar, esses dados vão aparecer'

Dborah-Sabara Lissa de Paula/Ales

O 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (20) e elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra um aumento expressivo dos registros de racismo por homofobia ou transfobia e de crimes contra a comunidade LGBTQIA+ no Espírito Santo. Para a diretora de projetos da Associação Grupo Orgulho Liberdade e Dignidade (Gold) e integrante do Conselho Nacional LGBTQIA+, Deborah Sabará, os dados não refletem a realidade, sendo ainda maiores devido às subnotificações. "Quando tivermos coragem de denunciar, esses dados vão aparecer", ressalta.

De 2021 para 2022, o número de registros de racismo por homofobia ou transfobia passou de 13 para 26, ou seja, dobrou. Os registros de crimes contra esse grupo estão divididos em lesão corporal dolosa, homicídio doloso e estupro. Os dados de lesão corporal dolosa saltaram de 105 para 197 de 2021 para 2022. Os de homicídio doloso, de dois para nove, mais que quadruplicaram. Os de estupro, de sete em 2021 para 19 no ano passado, portanto, mais que o dobro.

A falta de coragem para denunciar os casos de violência, acredita Deborah, faz com que os dados sejam subnotificados. O desencorajamento, aponta, é motivado pelas falhas na Justiça. Ela exemplifica com casos ocorridos com ela mesma, como o arquivamento da denúncia que fez na Polícia Civil (PC) contra o secretário municipal de Cultura de Vitória, Luciano Gagno, após o gestor afirmar que "a comunidade LGBTQIA+ não faz parte da nossa política", em resposta a pedido de apoio da Gold para a 11ª Parada do Orgulho LGBTQIA+, em julho do ano passado.

"Desistimos, não temos coragem de denunciar, pois não vemos em diversos casos a solução. São processos que nos deixam fragilizadas e chateadas e que afirmam para os outros que podem agredir, que podem violentar, porque não vai dar em nada", diz. O desencorajamento também vem do fato de que, ao procurar os órgãos responsáveis, as vítimas se deparam com pessoas que nem ao menos sabem como conduzir aquele trabalho, que não estão preparadas para receber quem as procura.

Contudo, relata, há também profissionais qualificados para isso. Porém, muitas vezes se sentem intimidados de perguntar a orientação sexual da pessoa por temer a reação dela, que pode encarar discriminação. "A comunidade LGBTQIA+ tem que entender que quando a pergunta não é feita, não se gera dados. Além de denunciar, tem que reafirmar: 'sou lésbica, sou gay, sou transexual. Reafirmar o que somos, seja no Disque 100, seja na Polícia Civil ou em outros espaços", defende.

Deborah informa que, diante dessa realidade, a Gold pretende retomar o projeto Saber Cidadania, por meio do qual ministra oficinas sobre sexualidade na orientação de gênero e aborda espaços onde denunciar as violências contra a comunidade LGBTQIA+. As oficinas são não somente para a comunidade LGBTQIA+, mas também para gestores públicos e servidores de equipamentos como o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas).

Ainda sobre o Anuário, a diretora de projetos da Gold chama atenção de há formas de violência contra a comunidade LGBTQIA+ que não constam na pesquisa, como os projetos de lei que atacam esse segmento. Um exemplo, destaca, é o Projeto de Lei (PL) 93/2022, do ex-vereador de Vitória e atual deputado federal Gilvan da Federal (PL), que proíbe a utilização de banheiros unissex nos espaços públicos e privados do município. O PL foi vetado pelo prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) e mantido pela Casa de Leis.

Brasil

Em todo o Brasil, os registros de racismo por homofobia ou transfobia subiram de 31 para 488 de 2021 para 2022. Os de lesão corporal dolosa passaram de 2 mil para 2,3 mil. Os registros de homicídio doloso diminuíram um pouco, de 176 para 163. Os de estupro tiveram exatamente o mesmo índice: 199. O Anuário reconhece que há subnotificação dos dados.

"Como de costume, o Estado demonstra-se não incapaz, porque possui capacidade administrativa e recursos humanos para tanto, mas desinteressado em endereçar e solucionar. Em função disso, permanece fundamental comparar os dados oficiais aos produzidos pela sociedade civil, nas figuras dos relatórios anuais da Associação Nacional de Travestis e Transexuais [Antra] e do Grupo Gay da Bahia [GGB], que seguem contabilizando mais vítimas que o Estado, mesmo dispondo de menos recursos que a máquina pública", aponta o Anuário.

O documento prossegue dizendo que a Antra contabilizou 131 vítimas trans e travestis de homicídio. O GGB contabilizou 256 vítimas LGBTQIA+ de homicídio no Brasil. "O Estado deu conta de contar 163, 63% do que contabilizou a organização da sociedade civil, demonstrando que as estatísticas oficiais pouco informam da realidade da violência contra LGBTQIA+ no país", alerta.

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