Mauro é supersticioso. Não manda emails na sexta-feira, lê e segue religiosamente o horóscopo do dia, baixa mapa astral na Internete, visita cartomantes e só tem doze amigos no Facebook. Foi que seu pai de santo lhe informa em transe que a esposa vai traí-lo naquele dia… três vezes! Lembrando do evento bíblico, Mauro ainda arrisca – Trair ou negar? É a mesma coisa? O oráculo se cala. Tremendo entre a superstição e o bom senso, pela primeira vez Mauro ignora o aviso, pois confia cegamente na esposa.
Além disto não pode se dar ao luxo de espionar a mulher, porque nesse dia fatídico está com a agenda sobrecarregada. Se tudo correr bem, no final do dia terá a ambicionada e sempre adiada promoção… Mira, a esposa, também tem um evento decisivo no trabalho… onde, como, quando teria tempo de traí-lo? Três vezes? Tal como César, Mauro despreza o nefando aviso e vai cuidar da vida. Mas logo na primeira reunião da cúpula os longos anos de ideias fixas e superstições acham jeito de se intrometer…
Nervoso, suando frio, Mauro erra os cálculos do orçamento para a criação de um novo produto, gagueja na exposição de motivos para a abertura da nova filial, troca o nome dos representantes da Bahia e do Pará… Na pausa do cafezinho o chefe o chama de lado, “Você está arruinando nosso projeto!” Mauro pede desculpas, mas não está passando bem. E se manda sem mais explicações, dando de bandeja sua chance de promoção para o pior rival. Tudo por culpa do pai de santo!
Longe dali, Mira se esmera em uma reunião também importante. Se tudo correr bem, no final do dia poderá ter a ambicionada e sempre adiada promoção… Mal começa a reunião, porém, um segurança vem lhe avisar que um elemento suspeito, usando uma capa preta, chapéu de ambas longas e óculos escuros foi captado pelas câmeras tentanto entrar no edifício de alta segurança. “Isso não é problema meu, chama a polícia!” bronqueia ela.
O segurança a leva para ver o circuito interno de TV, “É que tá parecendo seu marido…” Mira olha a estranha figura e sente um frio no estômago – Quê que deu no Mauro?! Mas responde, “Claro que não! Meu marido pode entrar aqui quando quiser, todas as secretárias o conhecem…” Mira volta à reunião interrompida e faz o melhor que pode para impressionar as bases. Mas está preocupada, e na pausa do cafezinho procura o segurança, pra saber se pegaram o suspeito. “Não, ele sumiu”. Mira respira aliviada, mas ao chegar em casa o marido vai ter que se explicar.
No almoço com os delegados da China o segurança volta, “O suspeito conseguiu entrar no edifício”. E a leva para ver as cenas captadas pelas câmeras, “Tem certeza que não é seu marido?” Mira treme entre o amor e a honra, mas não vai deixar as esquisitices do marido atrapalharem sua promoção, “Absoluta!” diz. O segurança avisa que a polícia já está no edifício, “Vamos dar o sinal de alerta e o prédio será fechado e evacuado. Mas não queremos que os visitantes estrangeiros percebam o que está acontecendo. Prolongue o almoço o mais que puder”.
Mira quase desmaia, mas agora é tarde demais para voltar atrás e dar o dito por não dito. Mesmo porque, se alguém está errado é o marido, e não ela. “Faça isso!” diz, já sem muita convicção, e vai distrair a delegação chinesa no salão de banquetes. Com a dificuldade de comunicação linguística – ela sem falar mandarim ou chinês, eles analfabetos de português ou inglês (os intérpretes foram dispensados), Mira teve que entretê-los com muita música e muito vinho. Mas o que os austeros membros da delegação gostaram mesmo foi das aulas de salsa.
Mas valeu a pena. O acordo que parecia estar indo para o brejo acabou sendo fechado e a sonhada promoção deixou de ser um sonho. Com todos os papéis assinados e a delegação chinesa seguramente de volta ao hotel, a polícia traz um sujeito todo amarfanhado e algemado à sua presença, perguntando se era mesmo seu esposo, como alegava. Mira, ainda sob os efeitos etílicos do bom vinho francês, consegue responder, pela terceira vez naquele dia glorisoso, “Não!”