Desde a semana passada houve uma grande polêmica em torno da Lei 10.369, que quer coibir o consumo excessivo de sal no Espírito Santo. De acordo com a lei, o produto não pode mais ficar exposto sobre as mesas e balcões de bares e restaurantes. A ideia é tirar o produto do alcance dos clientes para evitar o consumo.
O projeto, de autoria da ex-deputada Aparecida Denadai (PDT), estava esquecido desde 2012, mas o governador Paulo Hartung (PMDB) gostou da proposta e decidiu requentá-la. O projeto, já sancionado pelo governador, foi aprovado em tempo recorde pela Assembleia.
Na última segunda (1), Hartung correu às redes sociais para anunciar que a notícia sobre a lei que tira o sal da mesa estava sendo exibida no Jornal Nacional.
A notícia não emitia opinião sobre o tema — como é de praxe no JN —, mas apenas “chovia no molhado”. Informava que o brasileiro consome sal além da conta e alertava sobre os males que o sódio causa à saúde. Assim como todo mundo está careca de saber que o açúcar em excesso também causa uma série de malefícios à saúde. Será que em breve virá a lei que tira o açúcar da mesa?
Embora a notícia do JN não tenha entrado no mérito da lei, o governador comemorou o espaço no jornal mais visto do País como um golaço: “Viram o Jornal Nacional hoje? Tem um velho ditado popular que diz: ‘prevenir é melhor do que remediar’. Não estamos tirando o direito ao consumo do sal, estamos incentivando um comportamento preventivo para a saúde”.
Por trás das palavras aparentemente inofensivas do governador, que tenta justificar a lei como um zelo do Estado com a saúde da população, há um discurso autoritário e perigoso.
A medida revela que o Estado se sente no direito de interferir nos hábitos de consumo do cidadão. A lei é uma grave ameaça às liberdades individuais e reflete com clareza o DNA autoritário deste governo, que considera que o cidadão, por si só, não tem condições de arbitrar a quantidade de sal que pode consumir por dia.
Ora, já ensinava Kant (1724 – 1804) que a intromissão do Estado na vida de seus súditos era um grande erro. O filósofo alemão defendia a não-interferência do Estado, que deveria conceder ao cidadão a liberdade de formular suas doutrinas e julgar o valor de verdade dos outros ramos do saber.
Kant criticava o Estado paternalista, que se julgava no direito de cuidar da saúde moral, material e espiritual de seus súditos. Para o filósofo, o governo não tem competência para poder tratar de todos os assuntos, assim sua intromissão se torna nociva. No que se refere às intervenções na área da saúde, ele alertava que o governo não pode julgar os assuntos técnicos da saúde, e deve se limitar a cuidar da política pública de saúde.
Kant tem razão. Em vez de criar leis paternalistas que violam as liberdades individuais, o governador deveria se preocupar em melhorar o sistema de saúde.
O cidadão não precisa de um governo que controle a quantidade de sal que ele deve consumir, mas de um governo que assegure o acesso pleno e digno à saúde que, a propósito, vai de mal a pior.