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Amor Platônico

Celina, de profissão lavadeira, lava a roupa de dona Dalva, de profissão dondoca. Toda segunda-feira Celina vai a pé buscar a roupa suja, volta de ônibus porque a trouxa é pesada, mesmo sem vale-transporte ou ajuda de custo. Mas para ter de volta a roupa lavada, Dona Dalva manda o chofer ir de carro buscar no barraco de Celina, porque não quer que a roupa bem passada amasse no trajeto do ônibus.
 
Sem falar que pode cair no chão e sujar de novo, ou ser levada por algum pivete, que hoje eles roubam é tudo, ou pegar micróbios no banco do ônibus, onde a pobreza senta.  O chofer é jovem e tem bigodes pretos, e diz Bom-dia quando chega; Celina responde com outro Bom-dia, mesmo se estiver chovendo e tenha caído uma barreira em seu quintal. Ele pega a trouxa de roupa lavada, cheirando a alfazema, e vai embora.
 
O carro faz um barulhinho engraçado quando sobe a ladeira, o vizinho grita que tá batendo pino, o chofer responde que a patroa é unha de fome e não manda o carro pro mecânico. Se parar no trânsito, ainda vai dizer que a culpa é dele. No fim do mês tem pagamento, e Celina reclama que tá indo pouco sabão e muita roupa, que precisa de aumento porque tudo sobe, embora não tenha inflação,  e tudo tá caro embora o povo continue sem dinheiro. 
 
Dona Dalva, ainda de camisola e rolinhos no cabelo, reclama que a roupa está mal passada, que faltou uma fronha na outra semana, que a blusa azul de bolinhas soltou um botão e a toalha amarela desbotou. Celina diz que a fronha não foi, ela que procure melhor em casa; que o botão que soltou não foi culpa dela, e mandou de volta numa sacolinha. Enquanto toma o café requentado e o pão de ontem, Celina pensa que é melhor trabalhar de faxineira, que estão pagando mais e exigindo menos.
 
Dona Dalva pensa se não deve comprar a tal máquina que lava a roupa, mas não inventaram ainda a máquina de passar. Celina vai embora feliz porque conseguiu o aumento – menos do que pediu, mais do que dona Dalva pretendia dar. Ossos do ofício, que o aluguel do barraco também subiu. Na rua o chofer está encostado no carro preto, esperando pra levar Dona Dalva na academia pra fazer ginástica. Ela diz queimar calorias. Se é pra fazer exercício devia ir a pé, queimava mais e ainda  economizava na gasolina.
 
Quando Celina passa por ele, o chofer diz Bom-dia ou Boa-tarde, dependendo da hora, se é antes ou depois do almoço. Celina responde Bom-dia ou Boa-tarde, não importa se faz sol ou tá desabando o maior aguaceiro, e pensa que o bigode preto deve fazer cócegas na hora de beijar. O chofer muda discretamente de posição, pra ver melhor as pernas de Celina subindo no ônibus.

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