Terça, 14 Mai 2024

Bolas murchas, egos inflados

No primeiro semestre de 1970, poucas semanas antes da Copa do México, o cronista Nêgo Pessoa lançou em Curitiba um livro-bomba: Por Que o Brasil Perdeu a Copa de 70. Ele condenava a “burrice” de Zagalo. Não imaginava que Gerson, Carlos Alberto, Tostão e Pelé assumiriam o comando do time, fazendo Jairzinho, Clodoaldo e Rivelino jogarem tudo que podiam e mais um pouco. Ganharam a Copa e Zagalo,  suprema ironia, passou a ser tratado como “um homem de sorte” pela crônica esportiva – a mais rasteira de todas as versões (policial, social,  econômica, política, “de serviços” etc.) do jornalismo. Nêgo Pessoa continua batendo bola na mídia do Paraná.    
 
 
Pois bem, torcida brasileira: estamos iniciando uma tríplice jornada esportiva que começa agora com a Copa das Confederações, segue em 2014 com a Copa do Mundo e tem seu desfecho glorioso na Olimpíada de 2016, tudo isso em estádios brasileiros. Durante três anos o Brasil será a meca do futebol. E o que temos a oferecer ao mundo?
 
 
Grandes estádios provavelmente deficitários a longo prazo.
 
 
Clubes passivos diante de empresários vorazes e patrocinadores insaciáveis.
 
 
Emissoras de rádio e TV perdidas na dança das garrafas e das taças sem conteúdo.
 
 
Atletas transformados em zumbis de cabelo moicano.
 
 
Torcidas freneticamente generosas e um futebol que claudica no 19º lugar do ranking da Fifa. 
 
 
Agora que Neymar foi para o Barcelona (no Santos não tinha mais tempo para jogar bola, só marquetava) e o maior craque entre nós é o veterano Ronaldinho Gaúcho, sobra para nós apreciar o circo armado nas capitais.
 
 
Depois que o futebol virou uma roleta que explora milhares para ornar de louros uma única cabeça, o que mais rola nos gramados é a vaidade de boleiros vendendo seus cabeleireiros e tatuadores, e de técnicos desfilando roupas no estilo bregachique. Não são todos: alguns como Abel Braga, Cuca, Joel Santana e Muricy vestem abrigos esportivos. .
 
 
Mas o que dizer de Luxemburgo, Mano Menezes, Osvaldo de Oliveira, Tite e Dunga?  Posam de filósofos tentando impor conceitos e sistemas mediante o emprego de frases colhidas em best sellers.da literatura de autoajuda.
 
 
O maior expoente desse estilo é ainda o Professor Scolari. Depois de mandar o Palmeiras pastar na Segundona, foi convocado por José Maria Marin, o Sarney do futebol, para dirigir a Seleção ao lado de Carlos Alberto Parreira, que fez parte da equipe de preparação física da Seleção de 1970.
 
 
Pode ser que a jogada de Marin dê certo, pois o futebol é uma caixinha de surpresa, como dizia Dino Sani, mas entregar a Seleção à dupla Parreira-Scolari é dar um passo atrás em busca do tempo perdido desde a época da ditadura militar.
 
 
Infelizmente, o retrocesso é um sintoma da nossa pobreza técnica. Parece que estamos condenados a viver de estalos e/ou improvisos que realimentam nossa autossuficiência. Sabem o nome desse jogo? Subdesenvolvimento. 
 
 
Se é para ter um treinador autoritário e disciplinador, por que não o Bernardinho? Esse pelo menos tem inteligência e noções de psicologia. Scolari é a versão moderna de Osvaldo Brandão, o sabichão, o bruxo do futebol paulista.
 
 
Em vez de contribuir para aproximar os extremos, o futebol patrocina o distanciamento entre as bases e as cúpulas. O povo não tem dinheiro para freqüentar os estádios monumentais construídos com dinheiro público e “sustentados” com dívidas impagáveis. Assim, a presença de torcedores urrando, chorando ou rindo nas arquibancadas dos estádios mais parece um arranjo para oferecer oportunidades de flagrantes à TV enquanto a bola está parada. A mesma impressão se tem nos ginásios de vôlei, futsal e basquete: as torcidas uniformizadas parecem estar ali mais pelo lanche e a camiseta do que pelo esporte. São claques orquestradas pela idiotice televisiva.   
 
 
Salve-se quem puder desse manipulação generalizada que atinge não só o esporte, mas  as outras grandes riquezas nacionais – a agricultura e a música –, nas quais meia dúzia de estrelas se locupletam, sem largar o filé, enquanto a maioria dos praticantes troca cebola na voragem das safras e temporadas.
 
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Os treinadores de basquete e de vôlei são muito mais decisivos que os de futebol. Eles atuam a todo instante, com orientações durante o jogo e nas pedidas de tempo. O basquete é um jogo ainda mais tático que o futebol. No entanto, treinadores de futebol, na média, são mais valorizados e badalados. ”
 
Tostão

Veja mais notícias sobre Colunas.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 14 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/