Depois de ser adiada por três vezes, a audiência pública para discutir o novo modelo de licitação do Sistema Transcol finalmente desencantou. Na noite dessa quarta-feira (8), no Clube Álvares Cabral, em Vitória, mais de 300 pessoas foram conhecer a proposta do governo para licitar o sistema de transporte metropolitano da Grande Vitória.
O secretário de Transportes e Obras Públicas (Setop), Fábio Ney Damasceno, recebeu do governo a incumbência de mediar a discussão com a sociedade civil. A estratégia do secretário era dar uma camada de verniz de democracia ao “debate”, uma vez que a audiência pública é obrigatória para o governo dar início ao processo de licitação.
A notícia postada no site institucional do Estado nesta quinta reproduziu a mensagem que o governo queria passar à sociedade: “População participa de audiência sobre concessão para o transporte público”. Caberia melhor trocar o verbo “participa” por “assiste”, pois foi de fato o que ocorreu.
Na verdade Damasceno, que não tem toda essa grandeza, mas já brilha como estrela-maior na equipe de Casagrande, burocratizou o debate. Em alguns momentos a apresentação ficou extremamente técnica, se tornando excludente para o cidadão médio; em outros ficou maçante. Não foi fácil suportar a série infindável de lâminas do PowerPoint que exibiam o modelo (pronto) de licitação proposto pelo governo.
Resultado, os manifestantes do movimento “Não é por 20, é por direitos” fizeram um protesto “indoor”. A cada fala ou lâmina soltavam uma ensurdecedora vaia.
E eles tinham razão para vaiar. Afinal, Damasceno, completamente “fora de forma” para conduzir um debate que deveria assegura a participação popular, não via a hora de acabar logo com aquilo. Para ele, o importante era cumprir os ritos burocráticos (já que a audiência é obrigatória) e empurrar goela abaixo da população o modelo pronto de licitação.
Damasceno se revezava com o diretor-presidente da Ceturb, Leo Carlos Cruz, que mostrava as vantagens de se trocar um termo de permissão por um contrato de concessão.
Na verdade, a permissão já caducou e a Justiça não recomendou, mas determinou a realização de uma licitação. Como não há outra saída para o governo, Damasceno e Cruz tentaram convencer os presentes que o processo licitatório, no pacote já fechado, só trará vantagens aos usuários do serviço.
Quem ouviu os burocratas do governo falando teve a impressão que o empresário interessado em explorar a concessão das linhas praticamente investirá seu dinheiro no negócio preocupado apenas em melhorar a vida do cidadão. Lucro? Isso é secundário, pois os quesitos previstos no modelo de licitação do governo são de assustar qualquer empresário. A prioridade é o povo.
Ora, a exploração das linhas de ônibus, assim como a dos pedágios, como todo mundo sabe, é uma enorme caixa-preta. E essa não é uma exclusividade do Espírito Santo. Os empresários que têm a sorte de abocanhar esse osso não querem largá-lo nunca mais. Tanto que essa turma já está ai há mais de duas décadas e querem garantir pelo menos mais um quarto de século com os novos contratos.
É por essas e outras que não cola o discurso de Damasceno. A preocupação dele, depois que governo entregar os contratos aos vencedores da licitação, é poder encher a boca para dizer que o processo foi transparente, pois foi submetido democraticamente à sociedade civil, que pôde opinar e sugerir melhorias no sistema.
É bom deixar claro que a sociedade civil não participou da discussão de modelo algum. Quem foi persistente o bastante para ir à quarta audiência – as outras três foram canceladas – apenas ouviu, ouviu e ouviu…
O desabafo dos representantes da sociedade civil deixa isso bem claro: “Hoje somos a maioria em detrimento de quatro pessoas que ocupam a mesa. E, mesmo assim, não somos ouvidos. Não queremos isso, queremos um debate deliberativo e não apenas consultivo”, disse Fábio Giori, do Movimento Popular.
“Ninguém perguntou até agora o que queremos”, queixou-se outra manifestante. “Quero entender por que o governo optou por esse tipo de mobilidade”, disse o presidente da Associação de Moradores da Mata da Praia, Sandoval Zigoni Junior, se referindo ao BRT.
As perguntas continuarão sem respostas. Para o governo o importante é que essa parte “chata” da audiência com a sociedade já acabou. A burocracia foi cumprida e agora eles já podem abrir o processo de licitação.
Como publicaram alguns jornais nesta quinta-feira, o que interessa é que a população terá “mais ônibus com ar refrigerado”. O resto é detalhe.