Terça, 30 Abril 2024

Eder Pontes enfiou a pizza no forno

Parece que não será desta vez que o Espírito Santo se livrará do câncer da corrupção. Todo o trabalho de investigação do Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas e à Corrupção (Nuroc), a partir de dados levantados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e corroborados pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, que ratificou as prisões dos suspeitos com base na farta materialidade de provas apuradas, pode ter sido em vão. 

 
O aguardado parecer do procurador-geral do Ministério Público do Estado (MPES), Eder Pontes, jogou um balde de água “gelada” nas pretensões de setores da sociedade capixaba que chegaram a acreditar que o resgate das instituições, com fim da Era Hartung, já era uma realidade. 
 
Nos últimos dois anos, de fato, as instituições capixabas passaram por um processo restaurativo importante, que, aos poucos, está devolvendo a elas a identidade e confiança perdidas no governo passado. O atual governador pode ter lá seus defeitos, mas parece primar pela independência dos poderes, assegurando às instituições um ambiente democrático de trabalho. 
 
Entretanto, no episódio da Derrama, ficou patente que esse processo de mudança ainda é parcial. Nos tribunais de Justiça e de Contas e em setores da Polícia Civil (como o Nuroc) essa transformação é flagrante. Isto é, a maior parte dos membros dessas instituições está alinhada a esse novo momento, no qual os bem-intencionados prevalecem sobre a chamada “banda podre”. 
 
Lamentavelmente, no Ministério Público de Eder Pontes a proporção é exatamente inversa: a “banda podre” prevalece. O ranço do governo Hartung ainda está fortemente presente nos corredores do MPES. Os conchavos escusos e os acordos velados dão o tom às decisões que, lá de fato, atendem a demandas políticas. O antecessor de Pontes, Fernando Zardini, homem de confiança de Hartung, transformou o Ministério Público num grande escaninho para abrigar denúncias proibidas, que não podiam andar. 
 
A Derrama seria o teste decisivo para Pontes provar que a instituição também estava disposta a romper com esse passado desonroso e inaugurar um novo tempo. 
 
Mais uma vez, o procurador-chefe do MPES se curvou aos interesses de grupos que usam a instituição como porto seguro na hora do aperto. No parecer entregue ao Tribunal de Justiça, Eder Pontes desqualifica as investigações feitas pela polícia, os dados levantados pelo TCE e classifica como equivocada a manutenção das prisões arbitradas pelo desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa, relator do processo. 
 
Com relação à decisão do desembargador, que transformou as prisões temporárias em preventivas, só faltou Pontes dizer que o magistrado desconhece a lei, porque se conhecesse, não teria mantido os ex-prefeitos presos desnecessariamente. 
 
O trecho em que Pontes alega que não havia “liame subjetivo entre os agentes públicos responsáveis pelos respectivos municípios de maneira a indicar que tenha se formado entre eles uma única organização criminosa centralizada”, mais conhecida como quadrilha, beira o absurdo. Parece que o procurador é mal–intencionado mesmo ou pensa que trabalha na Suíça, onde a palavra corrupção nem deve constar no dicionário. 
 
Pior ainda é a passagem em que ele recorre novamente ao substantivo “liame” para dizer que não há conexão entre as infrações praticadas pelas prefeituras, porque eles ocorrem em situações, tempos e lugares diferentes. 
 
Ora, esperava o procurador-chefe que para ter “liame” as operações criminosas teriam que acontecer todas ao mesmo tempo, em sintonia? Ele afirma que os contratos com a CMS foram celebrados em tempos diferentes. Para convencê-lo de que agiam ilicitamente num grande esquema, os suspeitos deveriam marcar uma mesma data para celebrar todos os contratos com a CMS. Será que isso convenceria Pontes? 
 
Apresentadas as argumentações, Pontes pede o desmembramento “do feito em relação aos investigados”. Estratégia que enfraquece as acusações contra os suspeitos, pois fragmenta e desarticula as investigações. 
 
Após gastar quatro páginas das 13 para sustentar o pedido de desmembramento numa decisão do Supremo, Pontes usa outras quatro para listar os pedidos ao desembargador. E são muitos.
 
Em especial, com relação a Itapemirim, escândalo que poderia naufragar as pretensões de Theodorico Ferraço de se reeleger presidente da Assembleia, em função do esquema montado com a CMS no município, que era administrado pela sua mulher, a ex-prefeita Norma Ayub, Pontes exigiu uma série de documentos que vão protelar o andamento do caso no MPES por um bom tempo. É capaz de Ferraço assumir a presidência da Assembleia, encerrar o seu mandato, fazer uma despedida da vida política e o MPES ainda estar pedindo novas diligências. 
 
Neste momento, mais importante que a lista de exigências do procurador-chefe, é a repercussão que o pedido de relaxamento das prisões dos ex-prefeitos, sobretudo de Norma Ayub, terá sobre a opinião pública. Primeiro, Pontes desqualifica as investigações, depois, aponta diversas falhas na coleta de provas, julgando-as inconclusas, para, em seguida, pedir a soltura imediata dos acusados. 
 
No caso especial de Norma, o anúncio de sua liberdade, caso o desembargador acate o pedido de Pontes, representa que ela estava presa injustamente por um “erro da polícia e/ou Justiça”. Logo, o seu marido, por dedução lógica, que estava sendo apontado como o chefão do esquema em Itapemirim, também é inocente. 
 
O parecer de Pontes transfere o peso da manutenção das prisões para o Tribunal de Justiça. Se o desembargador negar a liberdade aos ex-prefeitos, será mais uma vez acusado, como já vem sendo há alguns dias por parte da mídia, que a Operação Derrama tem viés político e a Justiça está se valendo de suas prerrogativas para perseguir desafetos inocentes ligados ao governo anterior. 
 
Se acatar o pedido de Pontes, o desembargador admite que a Derrama foi um grande erro, corrigido pelo procurador-chefe, que usou toda a sua sabedoria jurídica para evitar que pessoas inocentes permanecessem injustamente privadas de liberdade. 
 
Já tem gente sentido o cheiro de pizza. Dizem que os Ferraço, como bons descendentes de italianos, preferem as de mussarela. Buon appetito!

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