Toda essa pressa em torno da exploração do pré-sal é o repeteco de um jogo realizado nas últimas décadas no Equador, no México e na Venezuela, os países sulamericanos mais ricos em petróleo. Eles se apressaram em explorar suas recém-descobertas jazidas e caíram no conto da Arábia Saudita, onde vige a lógica do deserto. Não ficaram mais ricos. Afundaram mais na desigualdade. Aprimoraram seus extremos de luxo e miséria.
Daqui a 50/100 anos será preciso conferir onde terá chegado o Brasil com toda essa pressa na exploração do pré-sal, à revelia das mudanças climáticas forçadas pelo efeito-estufa na superfície terrestre.
Certamente seria melhor começar a investir em fontes energéticas renováveis, mas cadê coragem para sair do caminho trilhado pela maioria global tangida pela lógica do consumo exacerbado?
Por pressão da mídia (que reflete os interesses dos proprietários/posseiros da Terra), todo mundo é praticamente obrigado a achar que o petróleo é o combustível da civilização moderna e o pré-sal, o irresistível suprassumo da modernidade.
“O petróleo é um mal necessário”, disse a ex-senadora Marina Silva no último programa Roda Viva, das TVEs. Sim, o petróleo é também um indicador perverso. Ele distorce tudo, deixando boa parte das coisas fora do lugar. Torna anacrônicos os pedestres, os ciclistas, os passageiros de trem, os cavaleiros, os carroceiros etc.
O que fazer se é praticamente impossível resistir ao mal? Quem for contra o petróleo será obrigado a andar na contramão da História. Mas por que não investir num modelo alternativo? A longo prazo, é o que acabará vingando.
Devagar com o andor que o santo é de sal.
Ainda não faz sete anos que o governo Lula anunciou a descoberta de petróleo em camadas profundas da plataforma continental brasileira e já estamos no limiar da fase de exploração dos diversos campos delimitados do norte do Espírito Santo à bacia de Pelotas. Em rodas técnicas, políticas e econômicas rola ainda uma discussão sobre quem devia explorar tamanha riqueza, popularmente conhecida como pré-sal.
1 – Só a Petrobras?
2 – A Petrobras associada a outras petroleiras internacionais?
3 – Todas as petroleiras globais, unidas ou não, pagando royalties ao governo?
O campo de Libra, o primeiro campo petrolífero do pré-sal, com 8/12 bilhões de barris de petróleo, foi a leilão e prevaleceu a opção 2: a Petrobras lidera um consórcio com a holandesa Shell, a francesa Total e duas empresas chinesas mais ou menos estatais. O petróleo dali extraído vai render mais de R$ 1 trilhão em 35 anos. Veremos?
Pode ser que seja verdade, mas antes que o petróleo comece a jorrar será preciso investir por seis anos. Quem se lembra? É o que tempo que levou a Petrobras para começar a tirar óleo das fabulosas jazidas da plataforma continental de Campos, descobertas em 1974. Graças a elas o Brasil se tornou praticamente autossuficiente em petróleo. Agora, tenta-se nos fazer acreditar que o pré-sal vai transformar o país em exportador de boa parte do que sairá de Libra e, depois, de outros poços profundos. Veremos?
Dizem que haverá dinheiro pra caramba, mas na verdade é menos do que a dívida do Tesouro Nacional.
Dos royalties advindos do pré-sal, o Congresso mandou aplicar 75% em educação e 25% em saúde. Veremos?
Especialistas no assunto dizem que os recursos do pré-sal carreados para a educação representarão 0,25% do PIB no máximo, o que não vai alterar o panorama geral, pois o governo investe hoje na melhor das hipóteses 4% do PIB no setor educacional.
Para fazer diferença, o governo deveria investir no mínimo 10% por três décadas. Feito isso, terá sido implantado um sistema educacional decente cujo manutenção poderia ser feita com 7-8% do PIB, o dobro do que se investe hoje e a média investida em educação pelos países mais adiantados.
Esse argumento é da Associação dos Docentes da USP, uma das entidades mais críticas do governo. Mas o pior, segundo o professor de geologia Ciro Correa, presidente da Adusp, é que “o pré-sal vincula um direito social a um mecanismo privatista anti-social”. Com isso legitima o segundo, sem resolver o primeiro, e empurra para daqui a 20-30 anos a real discussão do problema.
Coincidência, a ideia de investir pesado em educação durante 30 anos, só para começar a por a casa em ordem, fazia parte do raciocínio central do líder empresarial Antonio Ermírio de Moraes, conforme expresso no lembrete abaixo.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O Brasil precisa investir seriamente tudo o que tiver durante 30/40 anos em educação.
É a condição inicial para superar o nosso atraso cultural e tecnológico”
Engenheiro Antonio Ermírio de Moraes, superintendente do grupo Votorantim, em entrevista à revista Exame, em 1980