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Falta encarnar o personagem

Depois de 15 dias à frente do Palácio Anchieta, já se pode dizer que o governo Paulo Hartung tem uma marca: a contradição. Desde a posse, o peemedebista tem mostrado dificuldade em sintonizar o discurso à prática. Ele ainda não conseguiu encarnar o novo personagem popular construído na campanha pelo seu marqueteiro. 
 
O governador tenta se acomodar na nova embalagem do “Paulo social”, mas vira e mexe se estranha com seu próprio personagem. Perdido, ele acaba buscando referência no “Paulo das elites”, aquele que governou o Espírito Santo por oito anos junto com os grandes empresários e se consolidou com a marca de “governador-empreendedor”.
 
Essa dicotomia é responsável por deixar essa marca de contradição no seu neófito governo. Por exemplo, Hatung tem repetido que o governo Casagrande foi incompetente, mas boa parte da equipe do socialista era da cota do peemedebista. 
 
Basta analisar os nomes do atual secretariado para concluir que muitos transitaram nas duas gestões. Afinal, estamos falando de um governo de continuidade. Casagrande só dispensou os quadros herdados do antecessor depois que Hartung decidiu disputar o governo: ou seja, no finalzinho mesmo. A menos de cinco meses de Casagrande passar a faixa para o peemedebista. 
 
É mais contraditório ainda o fato de Hartung ter aproveitado quadros que aparentemente eram exclusivos da cota de Casagrande. Caso do ex-procurador-geral do Estado Rodrigo Júdice, por exemplo, que foi aproveitado na Secretaria de Meio Ambiente. Ou o caso de André Garcia, que foi encubado no governo Hartung, mas eclodiu mesmo no governo Casagrande. Inclusive, ganhou estatura de supersecretário no governo do PSB. Depois da visibilidade que conquistou, acabou sendo aproveitado por Hartung na mesma pasta: Segurança Pública. 
 
A propósito, falando em segurança, eleger o combate à violência como uma das prioridades do seu governo é outra contradição ululante. Como acreditar nesse discurso quando lembramos que em seus dois governos Hartung assistiu de camarote — ao lado do então secretário de Segurança Rodney Miranda — o assassinato de mais de 14 mil pessoas em oito anos. 
 
Um governo que deixou as polícias se transformarem em sucata, não repôs os efetivos, não criou sequer um programa na área de segurança pública e viu, inerte, as taxas de homicídios explodirem. Com esse currículo, ele se contradiz quando abre a boca para prometer que vai reduzir as taxas de homicídios. Por que agora? 
 
A falta de ensaio para se apropriar de um discurso que não é dele também vem à tona em gafes cometidas pela própria equipe de governo, que ainda não entendeu qual é exatamente o personagem que o chefe vai interpretar. 
 
Nessa quarta (14), por exemplo, após ser nomeada chefe da Polícia Civil, a delegada Gracimeri Gaviorno afirmou, de bate-pronto, que vai priorizar o combate ao crime contra o patrimônio. Mas o governador não disse que sua prioridade seria combater os crimes contra a vida? Ah! É mesmo. As vidas no governo Hartung são secundárias. 
 
As contradições não param por aí. Uma delas está literalmente materializada em toneladas e toneladas de concreto. Tem nome e endereço. O Cais das Artes e fica incrustado num dos bairros mais nobres de Vitória: a Enseada do Suá. 
 
A majestosa obra, ainda inacabada, é assinada pela grife da arquitetura mundial: Paulo Mendes da Rocha. Hartung começou a construção do seu “elefante branco” no seu segundo mandato. O plano era inaugurá-lo no último ano de gestão, em 2010, como o grande símbolo do seu governo. A obra tinha ou tem a função de exprimir as características do seu idealizador. Um espaço monumental, imponente, sobranceiro e sofisticado. Ou seja, um espaço identificado com as elites. 
 
O “novo Paulo” quer agora passar um verniz social na grandiosa obra e transformá-la, pelo menos no discurso, em um importante espaço de inclusão social das populações menos favorecidas da Grande Vitória, e por que não, do Estado. 
 
Quem ouve o novo discurso de Hartung tem a impressão de que ele concebeu o Cais das Artes pensando especialmente nos jovens pobres das periferias. 
 
Parece até piada, de mau gosto, é lógico. Dá para entender por que Casagrande, após enfrentar uma série de problemas com a obra, mesmo nos tempos em que era cúmplices da unanimidade, deu um nó em Hartung para não retomar a custosa obra. O socialista devia estar convencido de que a obra não era prioridade, pelo menos no seu governo. E ele estava coberto de razão. 
 
O argumento de transformar o Cais das Artes em um espaço de inclusão é um dos mais fajutos anunciadis nos últimos 15 dias. A obra representa um marco do seu governo. Na posteridade, ele quer que todo capixaba olhe para a monumental construção e se lembre imediatamente do seu idealizador: o maior governador que este Estado já teve. O único que governou o Estado por três vezes (talvez quatro). 
 
Se estivesse preocupado com inclusão de jovens pobres da periferia — aliás, as principais vítimas da violência, sobretudo os negros —, Hartung teria construído diversos centros populares de artes, educação, esportes e lazer nas regiões menos favorecidas do Estado. 
 
Se ele tivesse feito isso lá atrás, talvez o número de mortos não daria ao Espírito Santo a vice-liderança nacional no ranking de homicídios de jovens negros. 

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