Terça, 07 Mai 2024

Na ponta da língua

São recorrentes as notícias e colunas do jornal A Gazeta que acusam o presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), desembargador Pedro Valls Feu Rosa, de imiscuir nos poderes do Estado, principalmente no Ministério Público Estadual, considerado pelo jornal o alvo predileto do desembargador.

 
Na entrevista publicada na edição desse domingo (17), a jornalista Andréia Lopes, uma das colunistas da publicação que têm criticado o perfil de “Superjustiça” do Tribunal na gestão de Pedro Valls, tentou encostá-lo na parede com perguntas capciosas, as quais o desembargador tirou de letra, algumas vezes, até se valendo de uma ironia fina, quase velada, para desconcertar a entrevistadora. No final das contas, a “entrevista” foi um misto de direito de resposta e sabatina, já que o jornal vinha sistematicamente mandando uma série de “recadinhos” ao desembargador. 
 
Por exemplo, no trecho em que a jornalista questiona as prisões dos ex-prefeitos – um dos principais pontos de discórdia entre o TJES e o MPES – Pedro Valls dispara: “(...) acho que a sociedade brasileira, e falo aí de uma forma abstrata, já atingiu um nível de amadurecimento que permite a resposta a uma pergunta muito simples: por que é que as prisões só são frequentadas por miseráveis? Sem me ater ao caso concreto, e eu repito que não li o processo, mas eu acho que é hora de mudar essa cultura de espanto toda vez que alguém que não seja miserável, que alguém que não seja da periferia, vai preso. É hora de começarmos a encarar isso dentro de uma normalidade democrática”. 
 
Na resposta, fica óbvio que Pedro Valls critica a “gritaria” de parte da imprensa que passou a defender o parecer de Eder Pontes que avaliou que as prisões não são necessárias. O desembargador cutuca o pensamento conservador da elite que acha que prisão só deveria abrigar miseráveis. Para ele, a “normalidade democrática” significa punir também os crimes do “colarinho branco”
 
Quando ao título de “Superjustiça” – a faz tudo, aquela que denuncia e julga - atribuído ao Tribunal pelo próprio jornal, Pedro Valls foi mais uma vez irônico. Ele lembrou que a própria imprensa sempre cobrou mais atitude do Poder Judiciário. Respondeu que não se tratava de ativismo ou judicialização das ações do Tribunal, como o jornal também o acusou no caso da Derrama. “Isso é judicializar o combate à corrupção. O que nós temos feito é pegar os processos que lá estão e colocá-los em julgamento”, simplificou. 
 
Na primeira pergunta da entrevista, a jornalista, tentando sustentar as notícias “plantadas” pelo próprio jornal, quis saber se o desembargador realmente não tinha interesse de ser candidato a governador – a nota, “corrigida” no dia seguinte, fora publicada por outro colunista do jornal. Pedro Valls foi definitivo ao afirmar que não teria o menor sentido abandonar a magistratura antes de se aposentar. 
 
Depois de tratar a especulação no campo da fofoca, o desembargador fez um questionamento, dando a entender que a notícia fora plantada com segundas intenções. (...) já passou a percorrer em minha mente uma segunda possibilidade. Será que alguém está se incomodando com a atuação do Tribunal de Justiça e está querendo criar uma condição que dê asas a uma eventual ilegitimidade dessas ações?” 
 
Em seguida ele conclui: “Não sei. Realmente eu não sei. É algo que passou pela minha cabeça porque realmente é inconcebível uma situação dessa. Eu realmente não tenho tempo para me aposentar”. 
 
É inevitável deixar de comparar as entrevistas de Pedro Valls e do procurador de Justiça Eder Pontes, feitas pelo mesmo jornal e pela mesma jornalista. O tom da entrevista de Pedro Valls foi muito diferente do clima amistoso que dominou a entrevista de Eder Pontes, no estilo “levanta que eu chuto”. 
 
Reparem em algumas das perguntas feitas a Pontes, em setembro do ano passado, como o tom é bem mais amistoso. A mesma jornalista abre a entrevista com o recado do chefe do MPES: 'Uma instituição não pode interferir na outra'. 
 
Observem as perguntas que vêm na sequência da entrevista: 
 
“O que o senhor quis dizer, na quinta-feira, quando declarou que ‘um Poder não pode se sobressair a outro’. Foi um recado direto ao Tribunal de Justiça?”; O Judiciário fez isso?; Isso causou mal-estar?; Está havendo uma crise entre Ministério Público e Judiciário?; O senhor já viu alguma denúncia voltar para o Ministério Público para mais investigações ou esse é um fato completamente novo?
 
Eder responde: “Inusitado. Do ponto de vista jurídico, é inusitado, é uma inovação jurídica que eu nunca havia visto. O Código de Processo Penal estabelece quais são os dois caminhos que devem seguir, que o Judiciário deve adotar, o recebimento ou o não recebimento. O que aconteceu foi surpreendente. Não só pela devolução, mas pela crítica feita à instituição, e nós não aceitamos esse tipo de crítica, que não agimos com o devido rigor e que não inserimos quem deveria estar inserido. Então quem são essas pessoas?”
 
A jornalista aproveita a pergunta e emenda indignada: “Sim: quem são essas pessoas?”
 
Eder Pontes: “Essa pergunta tem que ser feita a quem faz essa colocação. Quem faz essa colocação é que tem que responder. (...) No discurso (de quinta-feira) falamos com veemência que não aceitamos qualquer tipo de ingerência no trabalho do Ministério Público. Como a gente também respeita o trabalho que é desenvolvido pelas outras instituições, a gente pode até discordar do ponto de vista jurídico, mas a gente não pode interferir no trabalho das outras instituições. Senão vamos estabelecer um desrespeito a todos os princípios que norteiam a democracia no Estado”.
 
A jornalista continua levantando a bola para o procurador: “O Ministério Público vai adotar alguma outra medida para contestar a devolução da denúncia?”
 
Como fica evidente, o tom adotado na entrevista com Pontes é coerente ao tratamento editorial que o jornal vem dando à crise entre as instituições. Claramente, o noticiário e as colunas tratam Pontes como vítima e Pedro Valls como vilão da história. O desembargador sedento por poder e fama, disposto a usar suas prerrogativas de presidente do Tribunal de Justiça para perseguir seus desafetos. 
 
Enquanto Pontes, considerado pelo jornal como “equilibrado”, segura firme o bastião da lei e ética para evitar que o voraz desembargador faça novas vítimas.

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