Sexta, 03 Mai 2024

O Príncipe

No século XVII, o cirurgião irlandês John Cox viajava pelas costas da África em um navio inglês, mas adoeceu e foi deixado para trás. Teria morrido, não desse ele a sorte de ir parar no Timbuktu, hoje República de Mali, na época um importante centro de comércio  e aprendizagem islâmica. Cox era o primeiro branco a pisar aquelas terras, e o rei foi generoso -  acolheu-o por seis meses em seu palácio, mandou que o tratassem e alimentassem, e mandou seu próprio filho, o Príncipe Abdul  Rahman Ibrahima, acompanhá-lo ao distante porto onde havia desembarcado. Dali Cox voltou são e salvo a seu país.



 

Timbuktu diferia das outras tribos africanas por professar a religião muçulmana. O príncipe Abdul sabia ler e escrever, recitava de cor todo o Corão, e foi educado para governar o país. Eram qualidades raras para um príncipe africano. Com menos de 20 anos tornou-se general dos exércitos do pai, mas caiu numa emboscada e foi capturado e vendido para os mercadores de escravos. Levado para a América do Norte, foi comprado por um pequeno fazendeiro de algodão do Mississipi, Thomas Foster. Abdul  não se submeteu ao humilhante trabalho nas plantações, que em seu país era feito pelas classses inferiores. Apanhou muito mas não conseguiram fazê-lo trabalhar.



 

Abdul fugiu para as florestas em volta e os caçadores de escravos não puderam encontrá-lo, e o deram como morto. Abdul sobreviveu isolado de tudo, mas percebeu que não tinha chances de mudar seu destino - não tinha como voltar à África, e onde quer que fosse seria reconhecido e capturado. Voltou à fazenda e não foi castigado pela fuga, uma vez que retornou por livre vontade. Abdul  se submeteu ao trabalho escravo, mas logo demostrou alta capacidade  administrativa e de liderança. Thomas  reconheceu suas qualidades  e deu-lhe cargos de responsabilidade.



 

Numa situação rara entre os escravos da América,  Abdul tornou-se capataz e administrador da fazenda, que  cresceu e prosperou graças à sua administração. Thomas permitiu que mantivesse sua religião muçulmana, e quando ele se casou com Isabela, nascida escrava, o fazendeiro fez festa na casa grande para as bodas. Deu-lhe uma boa casa para morar e alguma terra para cultivar à meia. Para um escravo americano, Abdul gozava de muitas regalias.



 

Indo um dia à cidade vender seus produtos, um homem se aproximou e lhe perguntou se nasceu escravo e qual era sua tribo na África. Abdul respondeu às perguntas e o homem se emocionou, abraçando-o. “Não se lembra de mim? Sou Cox, o médico que seu pai acolheu, tratou e ajudou a retornar à Irlanda”. Cox o levou para sua casa como hóspede de cerimônia, e ainda convidou as autoridades locais para irem conhecê-lo, contando que ele era príncipe de um nobre e próspero país africano e general de um grande exército. Daí em diante passou a ser chamado de Principe.



 

Cox quis comprá-lo para libertá-lo, mas Thomas recusou - escravos eram fáceis de comprar, mas um escravo-administrador era raro, estava enriquecendo graças a seu Príncipe. Cox fez  uma campanha com políticos e abolicionistas, advogando a liberdade de Abdul, que acabou sendo emancipado por um equívoco. Os Estados Unidos estavam em negociações diplomáticas com o Marrocos, país vizinho do Timbuktu.  Abdul escreveu uma carta para a família, que por engano foi entregue  ao sultão marroquino. A carta tinha apenas versos do Corão que Abdul ainda lembrava, mas fez efeito. O sultão se comoveu e pediu ao presidente americano Quincy Adams para  libertar o príncipe.



 

 Abdul foi emancipado e autorizado a voltar à África. Outras campanhas foram feitas para libertar também Isabella, os nove filhos do casal e suas famílias, mas eles só conseguiram a metade do dinheiro que Thomas exigia. Assim, 40 anos depois, o Príncipe tornou-se o único escravo nos Estados Unidos a fazer a viagem de volta para a África. Isabella foi com ele, mas Abdul não chegou a seu país - morreu na Libéria um ano depois. Dois filhos do casal e suas familias se  juntaram a Isabella, mas os outros continuaram escravos na terra da liberdade.

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