As movimentações mais recentes do ex-governador Paulo Hartung (PMDB), mais com gestos do que com palavras, indicam que ele está na estrada. Indicam que ele teria decidido ser candidato. Candidato ao Senado da República. Bom estrategista, que entende a importância do gestual na política, e pratica bem a política do gestual, Hartung também deixa entreaberta a porta da expectativa para tornar-se eventualmente candidato a governador. Por enquanto, portanto, ocupa o vácuo da estrada por onde ele costuma caminhar. Pelo menos até que o senador Ricardo Ferraço (PMDB), que já se declarou pré-candidato a governador pelo PMDB, coloque o pé na porta. Ou não.
Ao longo de sua já longa trajetória política, Paulo Hartung mostrou sempre tirocínio para compreender as circunstâncias e adequar-se a elas com habilidade e senso estratégico. E agora as circunstâncias o “empurram” para uma candidatura, a não ser que ele queira, aos 56 anos, encerrar a sua carreira política e optar pelas consultorias e palestras. Na tradição política brasileira, os políticos sem mandato sofrem uma desidratação natural e gradual. Com exceções que confirmam a regra. Hartung já sofreu uma acentuada desidratação e, para piorar, viu-se diante de uma saraivada de balas em forma de Processos e denúncias de improbidade envolvendo ele mesmo e alguns dos integrantes do seu grupo político. E ele sempre foi um político de grupo. Agora, então, é preciso disputar um mandato para defender e preservar a biografia, que lhe é cara, ao mesmo tempo em que reinsere o seu grupo na ribalta.
Sim, a sua biografia. Hartung filiou-se ao PMDB em 1982 e elegeu-se deputado estadual com apenas 25 anos, oriundo do Movimento Estudantil da UFES. Reelegeu-se em 1986. Em 1990, elegeu-se deputado federal, agora pelo PSDB, tendo sido vice-líder de José Serra (PSDB) na Câmara Federal. No meio do mandato, em 1992, diante de circunstâncias favoráveis, disputou e ganhou as eleições para prefeito de Vitória. Sem mandato em 1997, tornou-se diretor do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso.
Em 1998, tentou uma candidatura a governadoria do Espírito Santo, mas foi derrotado na Convenção do PSDB pelo então senador José Ignácio Ferreira. Recuperou rapidamente o tirocínio e obteve a vaga de candidato ao Senado. Foi eleito com a maior votação, então, que um político já tinha recebido no Espírito Santo: 780 mil votos. Em 2002, agora filiado ao PSB, e desta vez com a maioria dos convencionais do partido, candidatou-se a governador e obteve outra vez expressiva votação : 820 mil votos. Reelegeu-se em 2006 com a maior votação percentual do país para o cargo: 77,27% dos votos válidos, com 1.326.175 votos.
Na sua octaetéride , Paulo Hartung soube transformar este capital eleitoral em capital político, com mão de ferro e senso estratégico. No final do seu mandato, outra vez com tirocínio, conseguiu inserir-se na articulação política nacional e regional que resultou na candidatura de Renato Casagrande (PSB) a governador em 2010. E, portanto, não só teve participação fundamental para eleger o seu sucessor, como também indicou membros importantes do seu grupo político para o governo Casagrande.
Entretanto, a evolução de denúncias e ações e processos que surgiram na justiça contra ele e membros do seu grupo atingiram a sua imagem. Ao mesmo tempo, a divulgação crescente na mídia regional e nacional dos problemas acumulados nas áreas de segurança, saúde e educação, chamaram a atenção da sociedade e da opinião pública para o legado do governo Hartung na área social. Aí, a desidratação política foi uma consequência imediata. Ele perdeu capital político. E, para piorar, em seguida ele perdeu, e está perdendo, capital simbólico (prestígio) e capital social (relacionamentos e raízes na sociedade).
Esta perda de capital simbólico e capital social é visível, por exemplo, nas redes sociais e na internet em geral. Acentuaram-se depois das Manifestações de junho e de julho. E agora começam a aparecer no bojo dos cruzamentos das pesquisas de opinião. Nos estratos mais jovens da população, por exemplo, há uma deterioração da imagem e do capital simbólico de Hartung.
Soma-se a isto a mudança de panorama geral na política capixaba. O tempo da unanimidade política acabou. Novas lideranças locais e regionais disputam espaços na arena política. O xadrez político ficou mais complexo e mais competitivo. A política da aliança e da coalizão é hoje um imperativo na política capixaba. O que significa dialogar, compartilhar, abrir espaços para novos aliados, chegar ao poder por estratégias de coalizão, e não por domínio.
É claro que Paulo Hartung observou e compreendeu esta mudança de circunstâncias. E é por isto que ele entrou na estrada e começou a percorrer os caminhos. Afastou-se gradualmente do governo Casagrande. Compreendeu que, outra vez, o Espírito Santo deverá ser moeda de troca no arranjo nacional, agora do PT com o PMDB. Para navegar neste arranjo, esteve com Lula e com Dilma. Deixa no ar a “especulação” de que poderá ser ele o candidato a governador. Cria fatos e factoides. Dialoga “em off” com formadores locais de opinião e exalta a alta rejeição de Dilma no Espírito Santo, para matreiramente deixar no ar que ela precisaria mais dele do que ele dela. E assim por diante. Está ou não está na estrada?
Mas os caminhos políticos disponíveis para a passagem de uma candidatura de Paulo Hartung, ao senado ou ao governo, desta vez são mais difíceis. Optando pelo Senado, ele terá pela frente a possível pré-candidatura ao Senado de Rose de Freitas (PMDB), e poderá ter que disputar a vaga com ela na Convenção do PMDB. Sendo ele o candidato ao Senado, terá pela frente um fato novo, que é a provável candidatura do delegado Fabiano Contarato pelo PR, com o apoio das redes sociais e do senador Magno Malta, sem falar numa provável candidatura do PT.
Se optar por construir uma candidatura ao governo do estado, Hartung deverá ter que disputar as eleições com o governador Renato Casagrande (PSB), agora com mais capital político e capital social, e com o senador Magno Malta (PR), com o seu capital social e político. Ou, até, quem sabe, enfrentar uma não improvável, neste caso, aliança entre o PSB de Casagrande e o PR de Magno Malta. Sem mencionar que, do ponto de vista da construção do palanque regional para Dilma, uma eventual candidatura do senador Malta tem tanta ou mais receptividade na direção do PT e do governo federal do que uma candidatura do PMDB de Paulo Hartung.
De qualquer forma, tudo indica que Paulo Hartung está na estrada e vai ser candidato, segundo ele próprio e segundo integrantes do seu círculo mais restrito de aliados e colaboradores. Resta saber se ele e o PMDB vão optar pela candidatura mais difícil e competitiva, a de governador, ou se ele articula com o seu partido (PMDB) para construir uma candidatura “menos difícil” ao Senado da República.
Ao fim e ao cabo, ganhará o eleitor capixaba: em 2014, deveremos ter eleições competitivas…