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Perdas e danos

Tenho pena dessa gente, tão brasileira, que persevera e luta, apesar de tantos pesares. Claro, existem países em situação ainda mais escabrosa que o nosso, não somos os únicos e nem os campeões. O que não significa que devamos aceitar e agradecer, sabe Deus a quem, pela péssima qualidade de vida que nos impingem.  Tenho pena dessa gente, tão altaneira, que não desanima, e ainda sonha que um dia talvez, quem sabe, as coisas possam melhorar. A esperança não vem com data de validade.
 
Vivo em outro hemisfério e venho aqui uma vez por ano, e a cada viagem mais me estarreço, mais me entristeço, pois tudo muda, sim, mas para pior. O que justifica a exorbitante alta do custo de vida se nos garantem que não há inflação? Nunca vi tanto brasileiro indo a Miami  fazer compras, pois a diferença de preços compensa os custos da viagem. De quebra passeiam e se divertem sem medo, com poucas chances de surpresas desagradáveis. Mesmo assim, criaram a taxa de 7% no cartão de crédito para as compras no exterior… já não pagamos impostos demais?
 
Feito garras de um monstro invisível, a violência nos sufoca. Tão arraigada no nosso cotidiano cheio de perdas e danos que já achamos que é normal viver assim. Perdemos o direito de ir e vir, de andar na rua com tranquilidade, apreciando a paisagem, vendo vitrines, revendo amigos. “Desculpe, não se pode dar bobeira, prazer em vê-la, adeus!  Vai depressa e segura a bolsa bem firme, ou fica sem ela”. Reclamar, protestar, fazer passeatas, reagir? Tudo isso já foi feito, mas os resultados foram – e estão sendo – sempre pífios.
 
A taxa de criminalidade é das mais altas do mundo, ninguém está isento de se ver despojado de seus pertences, o que ainda seria aceitável, não viesse junto o risco de perder a vida – operação casada, levam os bens materiais que podem vender e usufruir do ganho; levam o bem maior e inalienável, a vida, que não vai lhes trazer nenhum lucro, e ainda perdem a bala. Podiam ao menos dividir o botim com o próprio dono, Vou ficar com a metade, fica com o resto pro leite das crianças.
 
E vai o incansável tupiniquim, antes de tudo um forte, navegando em mares turvos, se desviando como pode das mazelas políticas, dos assaltantes, da desvalorização do salário, do excesso de impostos, da morosidade dos serviços públicos, da falta de ética, do despreparo e desinteresse dos que são pagos para nos servir, numa verdadeira corrida de obstáculos, e sempre pagando mais por menos. “Tá caro e é de qualidade inferior, mas fazer o quê, doutor? Tem que comprar, tem que viver, tem que remar contra a maré”. Fingindo que não sabe que não somos a regra, mas a exceção.
 
Os jornais de Miami reservam as últimas – e poucas – páginas para as chamadas ocorrências policiais, a não ser quando ocorre algo escabroso e inusitado, que vai chocar a opinião pública e aumentar as vendas.  Aqui inverteram a ordem natural das coisas, e poucas páginas não trazem notícia ruim, seja ela de sangue ou de saque, praticadas por colarinhos brancos ou pelos sem colarinho. Se bem que assaltante subiu de vida, e anda de terno e gravata – se nivelaram.
 
Tenho pena dessa gente  brasileira, cuja opinião está cada vez mais difícil de chocar, a não ser quando mais um pai mata o filho, ou quando um filho tenta estuprar a mãe. No mais, viramos a folha, quem sabe na página seguinte a gente depare com uma notícia boa, que essa, sim, anda nos surpreendendo, de tão escassa. Tal como Cícero, só nos resta gritar do alto da nossa impotência diante do marasmo social que nos assola – Até quando abusarão da nossa – até agora infinita – paciência?

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