Em primeiro lugar, perigoso é viver. Em segundo, viver entre os 15 e 25 anos de idade no Brasil. Em terceiro, viver entre os 15 e 25 anos de idade em Alagoas. Em quarto, viver entre os 15 e 25 anos de idade no Espírito Santo. Em quinto, viver entre os 15 e 25 anos no Espírito Santo e ser do sexo masculino. Em sexto, viver entre os 15 e 25 anos no Espírito Santo, ser do sexo masculino, ter a pele enegrecida e morar na periferia da Grande Vitória.
Entre ano, sai ano, e a situação parece não mudar. Todos os relatórios sérios colocam o Espírito Santo com péssima imagem perante a opinião pública nacional, e até internacional, pelas estatísticas relacionadas à violência. Como se não bastassem os assassinatos de jovens, temos outra mancha que é a violência contra a mulher. Aqui, matam-se 9,4 mulheres por grupo de 100 mil, mais que o dobro da média nacional de 4,6.
Temos problemas nas Polícias? Sim, os temos, mas, na média, a polícia capixaba é um das que têm menores índices de corrupção. Isso é fruto de uma mudança de cultura empreendida durante algum tempo, quando se trabalhou para desvincular a filosofia de polícia meramente da repressão, imprimida durante os 20 anos de ditadura militar, e implantar uma visão de polícia cidadã, mas até esse virtuosismo hoje está entrando em unidade de terapia intensiva.
A história há de cobrar dos responsáveis pelo desmonte do mais bem sucedido (até porque talvez o único) programa de segurança do Estado. Quem conheceu, sente saudades do Pro-Pas (Programa de Planejamento e Ações de Segurança), implementado no governo 1999-2002 e desmontado, até “demonizado”, pela genialidade do governo 2003-2010 e não reabilitado, por medo, covardia, subserviência ou seja lá o que for, pelo governo que começou em 2011. Então, fique com o ônus do erro.
Uma das principais referências dos idealizadores do Pro-Pas (servidores idealistas, que criaram uma política de Estado e não de govern0), o trabalho da Polícia de Chicago, EUA, continua servindo de modelo para qualquer nação do mundo que queira conhecer uma experiência bem sucedida na área de segurança.
A convite do governo americano, e objetivando trocar impressões sobre a noção e estratégias de segurança pública nos países que representavam, lideranças africanas passaram quase um mês nos Estados Unidos e, dentre as atividades, partilharam no dia 14 de Maio com altos responsáveis da Polícia de Chicago (Illinois), liderados pela Vice-Directora do CAPS, Beth Ford, os desafios da pacificação social como agenda prioritária dos governos do século XXI.
Tive oportunidade de conversar com um dos participantes do programa, o professor Zakeu Zengo, reitor universitário em Angola, que ficou muito bem impressionado com o que viu na visita a Chicago.
Como observação do encontro, Zakeu informa que desde 1993 a famosa Polícia de Chicago, cidade com um altíssimo índice de crime entre os estados americanos, desenvolve uma estratégia inovadora e bem sucedida de segurança pública, a Chicago Alternative Policing Strategy (CAPS), que explora sociologicamente a parceria entre as comunidades, os cidadãos e a polícia local como altamente eficiente na prevenção e combate do crime, no aumento de segurança dos cidadãos e na criação de cinturões de autoproteção das comunidades.
Nos últimos anos, o CAPS prioriza a realização de ações e desenvolvimento de programas nas escolas para prevenir o ingresso dos adolescentes no mundo do crime, com balanços muito estimulantes. Para Zakeu, em países como Angola, onde os desafios da segurança pública ainda são enfrentados longe da participação e contribuição acadêmica-científica de especialistas locais, exemplos como o CAPS (de Chicago) devem ser mesmo dignos de nota.
O que faz a diferença entre o pensamento de nações bem desenvolvidas, como a norte-americana, é que questões de direitos fundamentais, como segurança, têm políticas de Estado, enquanto no Brasil, para se tomar como exemplo, as políticas essenciais para a sociedade continuam sendo de governos. O que um faz, portanto, não tem continuidade pelo outro. Esta talvez tenha sido uma virtude e uma das razões do sucesso do governo Lula: não descartou o que havia de bom de seu antecessor, FHC.
Enquanto isso, continua muito perigoso viver no Espírito Santo entre os 15 e 25 anos. Principalmente, se for do sexo masculino, negro e morar na periferia da Região Metropolitana. Mas, podem ficar tranquilos, a “tecnologia” já está sendo disseminada no interior do Estado, principalmente nas cidades maiores e, pior ainda, ao Norte da Grande Vitória.
José Caldas da Costa é jornalista e licenciado em Geografia