A partir do momento em que Paulo Hartung (PMDB) aparece nas delações da Odebrecht como um dos beneficiados do esquema de caixa 2 da empreiteira – teria recebido R$ 1,08 milhão nas eleições de 2010 e 2012 -, é imprescindível que outros indícios de irregularidades envolvendo o nome do governador sejam investigados com rigor e celeridade.
Dentro dessa primícia, é muito oportuno Sérgio Majeski (PSDB) trazer de volta o caso do chamado “posto fantasma” de Mimoso do Sul. O deputado
in loco para alertar que continua parado no Tribunal de Justiça o processo que apura se Hartung cometeu crime de improbidade administrativa ao deixar escorrer pelo ralo R$ 25 milhões dos cofres públicos – dinheiro desperdiçado numa obra que sequer saiu da fase de terraplanagem. No vídeo postado nas redes sociais, Majeski relembra que o caso denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPES) não andou na Justiça. A cobrança do deputado toca num ponto importante. Todos os casos envolvendo investigados da Lava Jato exigem apuração rigorosa e imediata, já que agora há o precedente das delações que, no mínimo, põem os investigados em suspeição.
O “posto fantasma” de Mimoso do Sul é um desses casos “mal explicados” envolvendo recursos públicos, mas com uma agravante: um dos oito envolvidos no processo é justamente o principal “homem de confiança” do governador há décadas. Neivaldo Bragato, que à época comandava a Secretaria Estadual de Transporte e Obras Públicas (atualmente, conselheiro do Banestes), exerceu, ao lado do então secretário de Fazenda, José Teófilo, papel central na condução do “esboço” do posto de Mimoso. Aliás, Bragato aparece na delação de Benedicto Júnior (BJ) como operador do dinheiro de caixa 2. Segundo BJ, as parcelas do dinheiro repassado a Hartung foram entregues a Bragato. Teófilo, por sua vez, logo depois de Hartung deixar o governo, em 2010, se associou ao peemedebista na empresa de consultoria Éconos (outra história que precisa ser profundamente investigada). De acordo com Benedicto Júnior, era no escritório da Éconos, na Reta da Penha, em Vitória, que ele costumava se reunir com Paulo Hartung para “trocarem figurinhas”.
A alcunha “posto fantasma”, além de remeter à obra inexistente, faz alusão também aos “mistérios” que cercam o caso. Não dá para entender por que o governador Paulo Hartung decidiu construir um posto fiscal no momento em que outros Estados estavam desativando esse serviço, em razão da adoção da nota fiscal eletrônica. Soa estranho o fato de Hartung, que se considera um gestor público com visão empresarial, desperdiçar R$ 25 milhões (cerca de R$ 40 milhões em valores atualizados) numa obra obsoleta, que abrigaria um serviço fadado à extinção.
Os “mistérios” não param por aí. Dois anos depois, em 2007, o Estado, como era previsto, adotaria a nota fiscal eletrônica, mas as obras, ou melhor, a terraplanagem, continuavam de vento e popa, dragando o dinheiro público. Em 2009, por decreto, Hartung decide encerrar as obras. À Justiça, ele explicaria mais tarde que a modernização do sistema de fiscalização não justificava mais as obras.
A desculpa para justificar a queima de dinheiro público é estapafúrdia. O mais impressionante, porém, é que a juíza da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual, Telmelita Guimarães Alves, acolheu os argumentos apresentados pela defesa de Hartung, considerando a decisão do governo pela construção do posto como “relevante”. Faltou a magistrada explicar para quem seria “relevante” uma obra de terra batida ao custo de R$ 25 milhões.
As suspeitas poderiam ter parado por aí se a Justiça conseguisse enterrar o caso e junto com ele as suspeitas sobre os R$ 25 milhões, não fosse a insistência do promotor Dilton Depes Tallon Neto. Em 2014, Depes entrou com um pedido de nulidade da sentença que arquivou o processo.
Vale a pena recuperar alguns parágrafos extraídos da apelação de Depes para mostrar o tamanho da indignação do promotor com o caso. “Ademais, é no mínimo menosprezar a inteligência da população se afirmar que houve alguma vantagem como resultado da obtenção para o Estado do Espírito Santo deste ‘patrimônio’, avaliado e adquirido por R$ 370 mil e onde foram gastos R$ 25 milhões. Se alguém buscasse por um exemplo de ineficiência grosseira, de desídia [negligência] administrativa, esse seria um caso clássico”, afirmou o promotor.
E completou: “Na realidade, a sentença ao chancelar as condutas dos requeridos, concede um salvo-conduto para todos os agentes públicos desperdiçarem os escassos recursos da população sem responderem por seus atos, ou seja, ao contrário do que preconiza a lei, institui um regime de ‘irresponsabilidade’ administrativa, como se este Estado fosse habitado por súditos e não cidadãos”.
As evidências levantadas pelo promotor não deixam dúvida que, no mínimo, houve improbidade administrativa por parte de Hartung e equipe. Pelo menos é até onde a lei permite interpretar: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens (…)”.
O caso do “posto fantasma”, denunciado em primeira mão por esse jornal com base nas denúncias do deputado Euclério Sampaio (PDT), precisa ser urgentemente passado a limpo. O Tribunal de Justiça não pode continuar sentado sobre o processo de “Baianinho” enquanto esse forte cheiro de dendê exala do “posto fantasma”.