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Quentinhas indigestas

De 2010 para cá, Século Diário vem denunciando sistematicamente irregularidades nos contratos de fornecimento de alimentação à população carcerária capixaba. A edição desta semana de CartaCapital traz na sua reportagem de capa — “Os vendilhões das cadeias” — um diagnóstico detalhado do esquema que movimenta cifras bilionárias anualmente no sistema prisional brasileiro.
 
A reportagem não pôde deixar de fora o Espírito Santo. Afinal, a qualidade da alimentação acompanhou as outras mazelas do sistema, que ficou nacionalmente conhecido como “As masmorras de Hartung”. 
 
A reportagem lembra muito bem que a péssima qualidade da alimentação, a tortura e o impedimento de receber visita de familiares são as três causas mais recorrentes de rebeliões nas prisões. 
 
Por aqui não foi diferente. “As masmorras de Hartung” tinham essas três condições e mais uma série de violações que deixaram inúmeros presos mortos ou mental e fisicamente sequelados. 
 
O então secretário de Justiça Ângelo Roncalli, no processo de reestruturação do sistema prisional capixaba, justificou emergência para contratar fornecedores de alimentação sem licitação. Resultado, os contratos ficaram “viciados” a um grupo seleto de empresas que passou a dominar o fornecimento de alimentação para uma população prisional de cerca de 14 mil detentos no Estado. 
 
A reportagem de CartaCapital lista seis grandes empresas de quentinhas que operam no sistema prisional brasileiro, e destaca entre elas a Viesa Alimentação Ltda. ME, que contrata desde de 2006 com a Secretaria estadual de Justiça (Sejus).
 
Como Século Diário vem alertando desde 2010, a Viesa, MS Quintino ME e a Bic Soluções em Alimentação Ltda. são empresas que faziam parte do grupo das “favoritas” de Ânegelo Roncalli. Quando a Sejus não entregava os contratos e os aditivos de mão beijada, entenda-se sem licitação, a essas empresas, elas acabavam vencendo os pregões eletrônicos pelo menor preço. Depois, para cumprir o valor do contrato e ainda obter lucro eram outros quinhentos. Bastava enxugar os custos. A “mágica” era feita à custa da qualidade da alimentação, que descambava.
 
Não foi sem motivo que a Justiça decidiu bloquear os bens Ângelo Roncalli e das sócias da MS Quintino, as irmãs Marli e Mariza dos Santos Quintino. O desembargador Álvaro Bourguignon, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), manteve a indisponibilidade dos bens das sócias da empresa e do ex-secretário em uma ação que respondem de improbidade por fraude na compra de marmitas para o sistema prisional.
 
Não é coincidência tampouco que as empresas, durante a gestão de Roncalli — que começou em 2006, no governo Paulo Hartung, e se estendeu até setembro de 2012, no governo Casagrande, quando sua permanência ficou insustentável por conta de outro escândalo, esse no Iases (Operação Pixote) —, tenham sido tratadas com condescendência pela Sejus. Somente a partir deste ano as empresas começaram a ser penalizadas com mais freqüência, inclusive com o pagamento de multas, por não cumprirem os contratos
 
Com a dupla Hartung e Roncalli o fornecimento de “quentinhas” sempre foi um excelente negócio para as empresas. Com a Sejus fazendo “vistas grossas” à qualidade da alimentação, o consumidor final do produto, ou seja, o preso, era o último a ter direito à reclamação. 
 
Invariavelmente, quando Século Diário denunciava que as marmitas chegavam azedas; que a comida era imprópria para o consumo, tão baixa era a qualidade dos produtos servidos; que havia objetos estranhos nas refeições (plástico, insetos, parafuso etc), muitos críticos diziam que o jornal queria defender os “direitos dos manos”. Os menos esclarecidos achavam que a comida de péssima qualidade fazia parte do processo de punição dos presos, que mereciam ser tratados como porcos.
 
Na verdade, o jornal queria alertar que havia um esquema envolvendo o fornecimento de marmitex. Um esquema que permitia, ou ainda permite, que muita gente continue enriquecendo à custa do dinheiro público.
 
Lendo a matéria de CartaCapital ou as inúmeras reportagens publicadas por este jornal, se conclui que um esquema quase perfeito foi construído em torno do fornecimento de alimentação à população carcerária brasileira, que já rompe a casa dos 550 mil presos. Um público consumidor nada desprezível. 
 
Nesse esquema, quem deveria fiscalizar, não fiscaliza. Sem fiscalização, as empresas se sentem livres para pôr dentro do marmitex o que bem entendem. De olho no lucro, elas sabem que neste negócio, ao contrário da lógica de mercado, o consumidor nunca tem razão. 

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