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Revisita à Sra. Reformagrária da Silva

Cinquenta anos depois do golpe militar de abril de 1964, andam por aí falando outra vez em reformas de base, conceito inventado nos bastidores do governo João Goulart (1961-64) por agitadores culturais como Darcy Ribeiro, Leonel Brizola e Paulo Schilling, todos defensores e/ou praticantes da reforma agrária, a mais básica das reformas ensaiadas e aquela que mais serviu para unir os conservadores.
 
Por incrível que pareça, o fazendeiro-presidente João Goulart (1918-1976) era sinceramente interessado na reforma agrária. Ele achava que a terra não podia ficar sem uso, devendo ser tirada dos proprietários ociosos e entregues a gente disposta ao trabalho agrícola. Aliás, era isso que dizia a Constituição de 1946 vigente na época: que a propriedade rural devia ter prioridade social, ou seja, produzir alimentos, gerar emprego e renda.
 
Se o Congresso tivesse aprovado a emenda constitucional que autorizava a desapropriação da terras com indenização a prazo, a história talvez fosse outra no Brasil pós-64. Mas os proprietários se assustaram com “a ameaça comunista” e chamaram os militares que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, já vinham ouvindo os agentes norte-americanos falarem sobre o avanço do comunismo em diversos países, inclusive Cuba, que se declarou amiga de Moscou em 1961. Podia acabar em outra coisa que não um golpe militar? Passado tanto tempo, é bom ligar as coisas.
 
Desde a chegada do conquistador português, em 1500, a ocupação do território brasileiro foi um problema que nem soldados, nem colonos, nem padres jesuítas souberam equacionar. Ignorando o modo de vida comunista/comunitário dos índios, os recém-chegados instituíram logo de cara as capitanias hereditárias, que fracassaram como método de colonização. Em seguida, sob o sistema dos governos gerais, deu-se a primeira reforma agrária brasileira, iniciada (de cima para baixo) com a doação de sesmarias, grandes porções de terras cuja propriedade só era teoricamente garantida a quem as cultivasse. Balela.
 
Para ter o próprio quinhão de terra sem risco de perdê-lo, bastava possuir recursos e/ou ser fidalgo ou amigo do rei, o que vinha a ser uma coisa só. Além de ser obrigado (no papel) a produzir alguma coisa — para exportar ou para o consumo interno da colônia –, o dono das terras devia prestar serviços em defesa do território, o que deu origem a mil arranjos de conveniência entre os proprietários, seus parentes, amigos e protegidos. São dessa época remota os coronéis dos sertões, os capitães do mato e os sargentos de milícias – todos civis-militares a serviço dos senhores rurais e em respeito ao rei de Portugal. Por aí se vê que o Exército nasceu para sustentar o privilégio dos detentores de terras numa época em que, fora a mineração e o transporte por barcos ou animais de carga, não havia atividade mais importante do que explorar os recursos naturais.
 
Medida em léguas, era tanta terra que no início os sesmeiros não se preocupavam em garantir sua propriedade por meio de cultivos e criações. Geralmente, a primeira forma de exploração era o corte da madeira existente nas matas. Aos proprietários de terras litorâneas, o pau-brasil foi uma rendosa dádiva porque a tinta de sua madeira era muito apreciada pelos tecelões europeus, os franceses em particular. Além do extrativismo vegetal, os pioneiros viviam da caça e da pesca. Para fazer lavoura ou qualquer indústria rudimentar, faltava a mão-de-obra. Assim começou a escravidão. Como a maioria dos índios não se sujeitava ao trabalho regular, estabeleceu-se na colônia a escravidão de homens trazidos da África. Em quatro séculos, os navios negreiros despejaram pelo menos 3,5 milhões de africanos nas costas do Brasil. 
 
Assim organizado numa sociedade de duas classes – os senhores da terra e os escravos – o Brasil se tornou uma potência açucareira no Nordeste, depois uma rica província aurífera em Minas Gerais e um império cafeeiro em São Paulo, agora (já no século XIX) com a ajuda da moderna mão-de-obra imigrante, remunerada a meia – uma semiescravidão com promessa de libertação em quatro anos, quando, fazendo boa colheita, o colono-meeiro podia comprar um pedaço de terra e plantar por conta própria.
 
A presença do imigrante alemão, italiano, japonês e de outras origens mudou o panorama da ocupação das terras. Em 1824 os alemães receberam lotes de 25 hectares no vale do rio dos Sinos, depois no vale do Jacuí.  Em 1850, apenas três décadas após a separação de Portugal, o Brasil aprovou a Lei de Terras, que passou a exigir dos posseiros o registro de suas terras em cartório. Em 1875 os italianos chegados ao Sul foram alocados na Serra. Mesmo ganhando lotes de 25 hectares em pirambeiras cheias de árvores e pedras, eles prosperaram e fizeram dessa região um polo de produção de uva e vinho. A outra grande mudança legal foi estabelecida pela Constituição de 1891, que transformou em terras públicas (de propriedade do Estado) todas as terras devolutas, isto é, sem dono presente. Os escravos recém-libertados em 1888 viraram um duplo problema: além de não produzir como antes, não tinham renda sequer para se tornar consumidores regulares.
 
A partir da república, a briga pela posse de terras tornou-se explícita em diversos pontos do território brasileiro. Em Canudos, no sertão da Bahia, a luta entre coronéis e sertanejos gerou um imbroglio civil-religioso que exigiu a presença do Exército, tendo como resultado a morte de milhares de pessoas no final do século XIX. Algo semelhante ocorreu entre 1912 e 1916 nas matas do oeste de Santa Catarina: matutos e coronéis se digladiaram na Guerra do Contestado, liquidada pelo Exército com a pioneira ajuda de aviões usados em missões de observação aérea.
 
Salvo episódios isolados, somente nos anos 1940 a reforma agrária foi assumida pelo governo. Excepcionalmente, em 1941, o presidente Getulio Vargas desapropriou terras em Palmares do Sul, no litoral gaucho, para acomodar agricultores que haviam perdido suas lavouras de arroz na grande enchente daquele ano. O empreendimento ficou conhecido como Granja Vargas.
 
Dentro da Marcha para o Oeste empreendida no início dos anos 1940 pelo presidente Vargas, destacaram-se duas colônias agrícolas – em Dourados, MS; e Ceres, GO – tocadas de forma organizada pelo governo federal. O objetivo era distribuir terras, sementes, animais de serviço, ferramentas e financiamentos a candidatos a agricultor, usando para tanto áreas rurais ociosas. Milhares de pessoas acorreram às colônias agrícolas criadas pelo presidente da República. A escassez de recursos não impediu que as vilas rurais de Getulio se tornassem cidades, caso de Ceres e Dourados, transformadas em referências da reforma agrária no Brasil. Em alguns estados também foram feitos projetos de reforma agrária. O governo de Goiás criou a colônia agrícola de Rubiataba, hoje um município
 
O combate às desigualdades de classes por meio da distribuição de terras foi consagrado pela Constituição de 1946, cujo artigo 147 estabelecia que “o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social”. Pelo artigo 141, que garantia o direito de propriedade, ficou definido que “a desapropriação por necessidade pública ou interesse social só poderá ser feita mediante prévia e justiça indenização em dinheiro”.
 
A garantia constitucional de pagamento à vista tranquilizava os proprietários, mas se transformou numa barreira inquietante para os defensores da reforma agrária, pois o governo federal nunca teve dinheiro suficiente para fazer pagamentos à vista de terras desapropriadas.
 
Assim, nos anos 1950 e 1960, a reforma agrária foi mais um tema de reuniões e comícios do que uma prática efetiva. Em 1956, em Encruzilhada do Sul, o técnico agrícola Paulo Schilling, funcionário da Secretaria da Agricultura do RS, começou a organizar trabalhadores rurais e pequenos sitiantes no pioneiro Master (Movimento dos Agricultores Sem Terras). Na mesma época, por conta da frustração da safra de trigo, agricultores de porte médio e fazendeiros iniciaram o movimento pela criação de cooperativas agrícolas, tendo como desfecho a fundação da Fecotrigo em 1958.
 
Era uma época de bastante polêmica e muita ação. Em 1958 realizou-se uma notável experiência de reforma agrária em Camaquã, onde o governador Brizola desapropriou terras para construir a Barragem do Duro, um riacho que serve até hoje para irrigar milhares de hectares cultivadas com arroz num condomínio de pequenos proprietários beneficiados pela distribuição de terras. Até hoje o projeto do Banhado do Colégio é mal visto pelo patronato rural do Rio Grande.   
 
Embora fosse proprietário de diversas fazendas, o presidente João Goulart era adepto sincero da reforma agrária. Em seus discursos, Jango argumentava que a reforma agrária era capaz de matar mais de um coelho numa só paulada. Além de destravar uma área inativa, ocuparia uma ou mais famílias, que produziriam gêneros alimentícios, ajudando no abastecimento e gerando renda sem sobrecarregar os governos com demandas urbanas provocadas pelo êxodo rural emergente a partir da industrialização urbana dos anos 1950.
 
Na época do governo Jango saíram diversos livros esmiuçando o assunto – a favor e contra. Em O Que São as Reformas de Base (Editora Fulgor, São Paulo, 1963), Luis Osíris da Silva explicava que, não podendo ser uma simples distribuição de terras, a reforma agrária necessariamente puxaria outras reformas como a bancária, para que houvesse crédito rural para os novos proprietários, e assistência técnica, esta precisando contar com o braço do cooperativismo, fundamental também na armazenagem e distribuição da produção, a ser garantida por uma política oficial de preços mínimos, daí a necessidade de “uma reforma tributária e administrativa de cunho progressista”. A reforma agrária preconizada pelo governo Jango deveria atingir não apenas o latifúndio improdutivo mas também os minifúndios incapazes de sustentar uma família.  
 
Os dados sobre o latifúndio eram assustadores, resultado de um padrão concentrador da propriedade da terra instituído ainda no período colonial. Na ponta de cima da hierarquia social, esse padrão acarretava riqueza, poder e privilégio. Na outra, embaixo, produzia pobreza, analfabetismo, fome, doença, subordinação, isolamento. Num discurso, o presidente Goulart referiu-se ao desequilíbrio existente no campo, onde havia 15 milhões de trabalhadores e apenas 2,5 milhões deles eram proprietários rurais. Por sua preocupação com os pobres, “os humildes”, o capitalista rural Jango foi tachado de “comunista”.
 
Longe de se circunscrever ao campo, a desigualdade socioeconômica produzia efeitos negativos para a nação como um todo. A pobreza persistente excluía do acesso ao mercado de bens industrializados a maior parcela da população do país. Até os anos 1950, cerca de 70% dos brasileiros habitavam a área rural. Portanto, além de resolver o problema rural, restabelecendo a paz em áreas marcadas por uma crescente mobilização social, acreditava-se que uma reforma agrária seria capaz de ajudar o país a encontrar uma nova dinâmica econômica.  
 
O envolvimento do governo Goulart com a reforma agrária e temas afins ficou claro em novembro de 1961, quando o presidente compareceu ao I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte. Fotos do evento que reuniu 1600 pessoas mostram Jango sendo carregado nos braços dos congressistas e o advogado Francisco Julião, fundador das Ligas Camponesas, ovacionado ao exigir a reforma “na lei ou na marra, com flores ou com sangue”. A reforma agrária era uma aspiração da maioria da população, que ansiava por saídas para a desigualdade social e econômica.   
 
Um dos marcos da época foi a pioneira Lei Delegada nº 11, de 11 de outubro de 1962, assinada por Jango e 14 ministros, criando a Superintendência de Política Agrária (SUPRA), expressamente incumbida de reformar as estruturas que regulavam a propriedade rural. O primeiro presidente da Supra foi o deputado gaucho João Caruso, do PTB. O segundo, o mineiro João Pinheiro Neto.
 
Foi no auge do governo do PTB que os trabalhadores rurais, até então organizados em entidades de caráter civil, como as Ligas Camponesas, passaram a criar sindicatos e federações, desembocando na criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), fundada em 1962 com o apoio da Igreja Católica e de seu braço político, a Ação Popular (AP), criada na mesma época.
 
Foi ainda no governo Jango que direitos trabalhistas básicos, pelo menos há duas décadas existentes nas cidades, foram estendidos ao campo por meio do Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado em 1963.   
 
Em novembro de 1963, para mostrar que seu discurso distributivista era para valer, Jango foi pessoalmente a Dourados, no sul do Mato Grosso, onde assinou a titulação de 2 mil lotes de terras doados 20 anos por Getulio Vargas. No meio dos agricultores ele se sentia  perfeitamente à vontade. Ao presidente da Supra, João Pinheiro Neto, Jango disse: “Prefiro 100 vezes conviver com o povo humilde a andar no meio dos engravatados”.
 
Em janeiro de 1964, Jango anunciou que declararia de utilidade pública, para fins de reforma agrária, as terras situadas a 10 quilômetros de rodovias, ferrovias, açudes e obras federais de saneamento. Baseou-se num relatório de João Caruso. Em viagem pelo Nordeste do Brasil, o político do PTB gaucho constatou que todas as terras próximas de obras federais, como o açude de Orós e a rodovia Rio-Bahia, recém-construída, haviam sido compradas por especuladores imobiliários sem vocação para a exploração agrícola. Ao voltar, comentou o assunto com Jango, que imediatamente chamou o presidente da SUPRA para dar um jeito no problema.
 
No primeiro momento, Jango aceitou que a faixa de utilidade pública fosse de 20 quilômetros das rodovias e ferrovias. A conselho de Luiz Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro, a faixa foi reduzida para 10 quilômetros “para não prejudicar os pequenos agricultores” situados nas propriedades mais distantes das obras federais.
 
Para mostrar que não estava brincando, o presidente ordenou aos ministérios militares que usassem seus recursos técnicos, como a aerofotogrametria, para ajudar a SUPRA a definir as áreas prioritárias para a reforma agrária. Convênios foram assinados, mas os militares haviam adquirido uma grande má vontade para o que consideravam “o perigo comunista”. Por fim, Jango instruiu Pinheiro Neto a incluir na listagem das áreas reformáveis duas fazendas de sua propriedade – uma no Rio Grande do Sul, outra em Goiás – ambas plenamente enquadradas pelo decreto dos 10 quilômetros. Era uma medida para “servir como exemplo”.  
 
Em março de 1964, pouco dias antes de ser deposto, Jango viu rejeitado pelo Congresso seu projeto de alteração do artigo 141 da Constituição. Em vez de desapropriar com pagamento à vista, ele queria fazê-lo por meio de pagamento em títulos do Tesouro, com prazo de resgate em 20 a 30 anos. Com isso, o governo teria fôlego para implantar a reforma agrária em diversas áreas, algumas já invadidas por trabalhadores rurais e desempregados urbanos organizados por sindicatos e/ou ligas camponesas. Todas essas movimentações e polêmicas criaram um clima de agitação que favoreceu a ação militar contra as mudanças consideradas perigosas. O anticomunismo alimentado pelos EUA em sua guerra santa contra a URSS foi decisivo na derrubada do governo Jango. 
 
A REFORMA AGRÁRIA EM NOVA VERSÃO
 
A reforma agrária não foi tirada da agenda do novo governo, mas ganhou um novo enfoque. Na Constituição de 1967, outorgada pelo governo militar, o artigo 157 autorizou o governo a promover desapropriação rural mediante o pagamento de títulos da dívida pública, pagáveis no prazo máximo de 20 anos, em parcelas anuais sucessivas, com correção monetária. Mais ou menos como pretendeu o governo “comunista” de Goulart.    
 
Já a famosa lei delegada de criação da SUPRA foi substituída em 30/11/64 pela Lei 4504, assinada pelo marechal Castello Branco, o primeiro presidente do ciclo militar. A mudança criou o Estatuto da Terra, fundou o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e tratou das condições para a realização da reforma agrária, cujas regras mudariam ao longo dos anos, sem produzir alterações substanciais na estrutura da propriedade rural. “A Lei 4504 foi um passo tímido de revisão, altamente amistoso em relação ao latifúndio”, escreveu em 1970, na quarta edição do livro Aspirações Nacionais, o historiador José Honório Rodrigues.
 
Durante os governos militares, as demandas por terras foram atendidas pontualmente. Em 1972, o general Médici lançou um projeto de colonização ao longo dos primeiros 100 quilômetros da Rodovia Transamazônica. Lotes de terra foram distribuídos a migrantes do Nordeste flagelado pela seca. Como em outros momentos, faltaram recursos para sustentar o projeto. Numa tentativa extrema de salvação, o governo atribuiu ao Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a missão de implantar no Km 92 da rodovia uma usina de açúcar a ser suprida por cana dos colonos vizinhos. Batizada com o nome do presidente norte-americano Abraham Lincoln, a usina não deu certo. Nos anos 1980, foi a leilão. Da usina restaram apenas a estrutura de concreto e uma placa com uma frase enaltecendo “a força mística da crença e a coragem dos pioneiros”.  
 
Diversos outros episódios relacionados com a posse da terra durante os governos militares deixam claro que as demandas por reforma agrária foram frequentemente encaradas como uma forma de subversão da ordem. Não espanta, pois, que os líderes e participantes de diversos movimentos de trabalhadores rurais sem terras tenham sido sistematicamente tratados como criminosos. Muitos deles foram caçados por milícias bancadas por fazendeiros. O sul da Bahia, o norte do Espírito Santo e o sudoeste do Paraná transformaram em palcos de lutas sangrentas entre posseiros, grileiros, policiais, fazendeiros e índios. No Rio Grande do Sul, ficaram na história confrontos em Sarandi e Nonoai envolvendo agricultores, trabalhadores rurais e índios. Em Erechim foi iniciado em 1976 o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que alcançaria dimensão nacional à medida que a construção de usinas hidrelétricas obrigava muitas famílias a deixar suas terras.
 
Criado em 1984 em Cascavel, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) só foi tratado como ator político no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando eram frequentes os conflitos rurais polarizados por sindicais rurais organizados nacionalmente pela União Democrática Ruralista (UDR), uma sigla evocativa da extinta UDN, partido político de direita.
 
No governo Lula (2003-2010), a reforma agrária deu uma arrancada inicial, sendo colocada depois em banho-maria. No governo Dilma, iniciado em 2011, o tema foi praticamente colocado na geladeira. De vez em quando, os sem-terras ocupam um órgão público para pressionar o Ministério do Desenvolvimento Agrário a fazer novas desapropriar e aquecer a reforma da estrutura fundiária.  
 
Como no tempo do governo João Goulart, a agricultura brasileira continua marcada pela dualidade que a caracteriza ao longo da história. A maior parte das terras está na mão de uma minoria de proprietários que as explora parcialmente mediante cultivos intensivos de commodities exportáveis, hoje com grande destaque para a soja, que se estabeleceu nos últimos 50 anos como o carro-chefe do PIB agrícola. Também pesam o café, as carnes de bovinos, frangos e suínos. As lavouras de consumo doméstico como arroz, milho, trigo e feijão dão para o gasto. Cresce a fruticultura. Expandiu-se a olericultura. Ampliou-se a silvicultura para compensar as restrições ao corte de matas nativas. As grandes empresas agrícolas aparecem bastante, especialmente em feiras e exposições, onde somente nos últimos 12 anos se abriu espaço para a agricultura familiar, aparentemente simplória e sem expressão econômica.
 
Na realidade, porém, a agricultura familiar não se destaca apenas pela alta função social. Em todas as atividades agropecuárias, da apicultura à produção de peixes, passando pela criação animal, o leite, as frutas, os grãos, as raízes e as fibras, a agricultura familiar praticada em pequenas propriedades tem bom desempenho quando comparada com a agricultura empresarial exercida em larga escala com financiamentos públicos e privados (o crédito rural oficial irriga a agricultura empresarial com R$ 150 bilhões por ano). Nas lavouras mais voltadas para o mercado interno (arroz, feijão, mandioca, batata e outras), a agricultura familiar responde pela metade da produção e, em alguns casos, por até mais do que 50% (o crédito rural oficial tem emprestado R$ 15 bilhões por ano à agricultura familiar). 
 
Mesmo nesse contexto marcado pelo sucesso econômico, a reforma agrária ainda faz sentido se for aplicada em enormes porções de terras ociosas, sem utilidade social e econômica, servindo tão somente como reserva de valor para seus proprietários. Mesmo com o grande salto dos últimos 20 anos, a agricultura brasileira continua sendo feita em cima de uma estrutura agrária bastante desigual.    
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
 
“Compete á União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não estiver cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização  em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos…”
 
(Artigo 184 da Constituição de 1988)
 
§ 1 – As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

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