quinta-feira, junho 19, 2025
23.9 C
Vitória
quinta-feira, junho 19, 2025
quinta-feira, junho 19, 2025

Leia Também:

Surpresa de mau gosto

De cada dez especialistas em mobilidade urbana, onze pedem para o cidadão deixar o carro na garagem e aderir ao transporte coletivo. As justificativas para essa recomendação são muitas. Se um maior número de pessoas passasse a usar o transporte público, a qualidade do serviço tenderia a melhorar; os projetos de mobilidade iriam pensar soluções viárias para o transporte coletivo em detrimento do individual — hoje acontece o inverso; com menos carros nas ruas, o tempo médio das viagens de ônibus diminuiria, e todo mundo empataria menos horas no trânsito; o meio ambiente também agradeceria com a diminuição das emissões de CO2; sem contar que o ex-usuário de carro economizaria uns bons trocados com combustível, manutenção e outras despesas. 
 
Ninguém discorda que os argumentos são plausíveis. No fundo, no fundo, o cidadão que se acostumou a andar de carro resiste em abrir mão desse conforto. Mas não é essa justificativa que ele tem na ponta da língua quando questionado sobre o motivo de não trocar o transporte individual pelo coletivo. 
 
Existe outra resposta mais convincente para justificar a predileção pelo transporte particular: a péssima qualidade do transporte público. Por mais que os urbanistas tenham bons argumentos para dissuadir o motorista sobre o uso do carro, a qualidade do transporte público é um ponto quase que indefensável, mesmo para os entusiastas da ideia. 
 
A defesa dessa tese se torna ainda mais difícil quando acontecem paralisações surpresas, como as que vêm sendo articuladas pelo Sindicato dos Rodoviários durante esta semana na Grande Vitória. 
 
Imagine a situação do trabalhador que usa o transporte público não por opção, mas por necessidade. O sujeito acorda cedo e vai para ponto como faz todos os dias. É neste momento que ele vai descobrir que a categoria decidiu fazer uma “surpresinha” para ele: deixá-lo a pé.
 
O presidente do sindicato, Edson Bastos, ainda tem a pachorra de se gabar da estratégia. “Se a gente avisar, vem uma liminar impedindo a gente de fazer paralisação”, declarou à imprensa. E disse mais: “Se não tiver o transtorno, o governo não se mexe, o empresário não se mexe”. 
 
O transtorno maior, no caso, não é nem para o empresário, nem para o governo, mas para a população, sobretudo para os mais pobres. Na terça (19), a paralisação começou às 4 horas e se encerrou às 6 horas, justamente no horário em que os trabalhadores mais humildes utilizam o ônibus. São as pessoas que moram nos bairros mais periféricos e precisam sair com grande antecedência de suas casas para chegar a tempo nos locais de trabalho, que ficam geralmente em bairros mais centrais. 
 
Para a categoria de Bastos ter êxito nas negociações é preciso que a população pague o pato. A surpresa preparada pelo grupo de Bastos é humilhante e desrespeitosa com a população, que se torna refém da manobra sindicalista. Ninguém sabe se amanhã haverá ônibus ou surpresa. 
 
É por essas e outras que as iniciativas de conscientização para estimular o uso do transporte coletivo tendem a naufragar. De cada dez usuários que foram “pegos” pela surpresa do Sindicato dos Rodoviários, onze, se tivessem um carro na garagem, responderiam convictos que não o trocariam pelo ônibus de jeito nenhum. Afinal, ninguém quer fazer papel de palhaço. 

Mais Lidas