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Lords Of Chaos: a Sangrenta História do Metal Satânico

Período de auge do True Norwegian Black Metal

Depois de incidentes e de sua repercussão, a polícia norueguesa, já em 1998, acabou publicando um relatório intitulado “Kirkebranner og satanistik motiverte skavederk” (Danos de incêndios em igrejas e de crimes de motivação satânica), o que no livro em Lords Of Chaos, encerra um capítulo que vem com o título de “A História Oficial”, isto é, se tratava das conclusões produzidas pelo esforço de quatro oficiais de polícia e do poder judiciário, incluindo um procurador, envolvendo agências de investigação, em que é detalhado como a cena black metal se organizava na época, sua subcultura, dando recomendações para investigações futuras.

Mesmo com a relativa distância temporal, como engenharia de obra pronta, o relatório teve que lidar com um cipoal de contradições de uma cena dominada ainda por adolescentes, numa realidade absurda de inconstâncias internas do chamado “inner circle”, feitas para confundir desavisados. Entretanto, o relatório cai em exageros e extrapola quando cai em mistificações em relação à dimensão da presença do satanismo no inner circle, e a relação de um culto satânico ligado diretamente à queima das igrejas na Noruega naquele período de auge do True Norwegian Black Metal, que era a segunda geração desta vertente do metal.

O material do relatório, quando entra neste mérito, parece se contaminar com uma espécie de fundamentalismo cristão herdado dos Estados Unidos e vira um tipo anódino de manual de como lidar com criminosos satanistas e quetais. Aparece, como dito no livro Lords Of Chaos, “uma farofa de propaganda sensacionalista cristã sobre o satanismo, no estilo que motivaram os surtos satânicos que varreram os EUA no final dos anos 1990 – surtos motivados por histeria que, quase invariavelmente, revelavam-se infundados”.

Quanto ao satanismo, o relatório também peca por desconhecimento e de forma açodada confunde a autoria de O Livro da Lei, de Aleister Crowley, com a de um obscuro líder do Templo de Set, de nome Michael Aquino, que era uma pequena dissidência da Igreja de Satã. Existe até um calendário atribuído ao satanismo que é condenado pelas próprias organizações satânicas estabelecidas, envolvendo abusos sexuais de menores.

O nível do movimento, ou seja, um grupo de adolescentes, descambava, contudo, em poses histriônicas de um Varg Vikerknes, por exemplo, ironizando o julgamento que levava pelo poder judiciário na Noruega, uma certa empáfia, misturada a uma fleuma orgulhosa, mas que não dobravam os experientes investigadores da Kripos. Por sua vez, tais enfrentamentos denotavam um contraste com a seriedade caricata do relatório quando se referia histericamente a tudo que se relacionava ao satanismo.

Mesmo diante da ironia de Varg, a Kripos o encurralou ao refazer o traçado feito pelo Conde e seus asseclas, cerco que se fechou com o envio do Grupo de Incêndios de Igrejas pela polícia de Oslo para Bergen para realizar as tratativas. Vikernes, finalmente acuado, declarou que “estava farto de ser assediado pelas autoridades, e que a investigação policial sobre a cena black metal deveria ser encerrada”. Por fim, no livro Lords Of Chaos, temos: “Quando o líder de operações respondeu que Vikernes não parecia ter a autoridade judicial para dar ordens à polícia, Vikernes deu um passo atrás e levantou seu braço em uma saudação romana, ao estilo nazista”.

E mais: “Ainda que ambas as histórias tenham vindo da polícia e possam ter sido floreadas pela sua fonte, elas não são difíceis de se acreditar. Afinal, foi provavelmente a propensão de Vikernes a demonstrações teatrais que o levou a transformar seu processo judicial em um circo midiático, armando então o palco onde ele faria o papel do seu cartunesco personagem “O Conde” – um papel que posteriormente se voltou contra ele, quando tribunais levaram seus rompantes ameaçadores a sério ao lhe darem a sentença mais severa permitida pela lei norueguesa”.

Seguindo Lords Of Chaos: “Portanto, quando Vikernes alega que de certa forma ele é um preso político, ele tem uma certa razão. Seria quase impossível para alguém da idade de Vikernes sem antecedentes criminais receber uma sentença de 21 anos de prisão. Bard Eithun, em comparação, recebeu uma sentença de dois terços do tamanho, por um assassinato de brutalidade semelhante. As diferenças entre as sentenças podem muito bem ser políticas, pois Eithun, apesar de nunca ter expressado muito remorso, não fez questão de provocar o tribunal da forma que Vikernes fez ao usar a oportunidade para declarar sua adesão ao nacional -socialismo”.

Para saber das relações estabelecidas dentro do inner circle, temos uma sistemática frieza entre os próprios integrantes da cena, tendo um retrato disto quando membros do Mayhem atual se referem a Euronymous ou Dead, como se falassem de algo que eles leram ou ouviram falar, sem vivenciar ou sofrer com isso, sendo sempre a nota fria de um relatório de fatos. Ao mesmo tempo, Varg pouco se importava com Euronymous e Bard Eithun era completamente oblíquo em relação ao que tinha feito também. Tudo o que aconteceu naqueles anos do auge da cena era obra de uma adolescência que parecia ter produzido adultos herdeiros de histórias nada comoventes para si próprios, num modus operandi que era, como dito já em Lords Of Chaos, de um estenógrafo.

A posição patética do relatório intitulado “Kirkebranner og satanistik motiverte skavederk”, por sua vez, parecia a obra de caipiras impressionáveis, que mistificaram a relação da cena do inner circle com o satanismo, exagerando nas tintas e pintando um anedotário involuntário que faria rir até um leitor juvenil de revistas de ocultismo que anelava brincar de alquimista do mal etc. O desconhecimento tanto do tema do ocultismo, como uma visão unidimensional sobre o inner circle, também reflexo de uma histeria anti-satanista, contribuíram para uma piada pronta quando a polícia norueguesa teve que lidar com a empáfia e a fleuma de um jovem que se auto intitulava Conde.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog:
http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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