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Foi testemunhada a transformação de uma retórica violenta em acontecimentos trágicos reais

A cena black metal norueguesa, durante a década de 1990, embora tenha havido algumas mortes, os membros deste círculo pareciam indiferentes ao destino fatal desses outros que também pertenciam à mesma cena.

Por exemplo, quando Dead se matou, Aarseth viu uma oportunidade de alavancar o hype do Mayhem, pois colheu os ossos de seu crânio e distribuiu entre os músicos da cena, e tirou uma foto do cadáver do vocalista com a cabeça estourada por uma espingarda, que estava ainda junto de Dead, foto esta que virou a capa do álbum De Mysteriis Dom Sathanas, do Mayhem.

E quando o próprio Aarseth morreu assassinado, dois anos depois, os membros do Mayhem falaram sobre o assunto de forma indiferente, segundo o autor de Lords of Chaos: “que mais se adequaria a um estenógrafo de tribunal.”

Depois de um tempo de discursos sobre a morte e sobre o mal, a cena passou a ser levada mais a sério a partir dos eventos com igrejas e os assassinatos. Por exemplo, Vikernes declarou, já na cadeia, durante seu julgamento: “Basicamente eu sou um adorador de Odin, o deus da guerra e da morte. O Burzum existe exclusivamente para Odin, o inimigo de um olho só do Deus cristão.” Esta obsessão com a guerra e com a morte era partilhada por grande parte dos membros da cena black metal da época, pois isso era proclamado em encartes de CD e também em fanzines.

Portanto, foi testemunhada a transformação de uma retórica violenta em acontecimentos trágicos reais, e foi quando a cena toda viu o gênio sair da lâmpada, no sentido de que os assassinatos cometidos por Bard Eithun e Varg Vikernes mudaram toda uma configuração retórica de jovens rebeldes para uma realidade de ocorrências policiais e problemas com a justiça. Oystein, por sua vez, conseguiu se firmar como Euronymous, um dos expoentes da cena, traduzido por “o príncipe da morte”.

A maioria das bandas, durante esse período, estavam com membros integrantes enfrentando problemas na justiça, incluindo os assassinatos, violações de sepulturas, incêndios de igrejas, e etc. Esses processos judiciais desestabilizaram a cena, e houve uma cisão dentro dela, com um lado pró-Vikernes e o outro lado pró-Euronymous. Já as bandas de black metal norueguês, em sua maioria, enfrentavam um hiato, com exceção, dentre as mais conhecidas, da banda Darkthrone.

Varg Vikernes estava se dissociando de amizades antigas, declarando não ter mais relação com a cena, pois seus interesses agora se voltavam para o nacionalismo e a adoração de Odin. Ele mantinha uma atitude impassível nas interações com a polícia e a justiça, mais do que seus colegas, embora tenha sido o responsável por chamar atenção da polícia para a cena, isto na famigerada entrevista feita ao Bergens Tidende. Contudo, Varg Vikernes se recusava a colaborar com as autoridades, defendendo que era inocente das acusações. Dentre os outros infratores da cena, a maioria confessou seus crimes.

Em Lords Of Chaos, é relatado que “Samoth explica suas próprias experiências com a polícia, e seus motivos para confessar, que provavelmente são semelhantes aos de alguns dos outros: eu fui detido em setembro de 93 e fui preso. Eu fui levado para ser interrogado várias vezes. A primeira vez foi logo depois do Vikernes, por algum motivo, ter declarado abertamente para um grande jornal de Bergen que o ‘Círculo Negro’ estava por detrás das queimas de igrejas, e também que ele sabia de algo a respeito do ‘assassinato do Parque Olímpico”.


Ele prosseguiu: “Eu não falei merda nenhuma pra polícia nessa vez. A vez seguinte foi em agosto de 93, logo depois do assassinato do Euronymous, em conexão com o assassinato cometido pelo Bard Eithun, assim como com os vários incêndios em igrejas. Eu não falei nada de relevante pra polícia a essa altura. Quando eu fui preso, todo mundo já tinha sido preso e o Eithun já tinha confessado”.

Na entrevista dada em Lords Of Chaos, Bard Eithun descreve a sequência de eventos de sua captura e prisão. Ele começa dizendo que tudo se deu quando Oystein foi morto. A semelhança da morte de Oystein com a morte do homossexual, com várias facadas, ocorreu quase na mesma época. A polícia foi investigar e algumas pessoas citaram o nome de Bard Eithun. Ele não acredita que tenha sido gente da cena, mas um pessoal que desejava entrar na cena, que tiveram acesso a informações que não tinham sido escritas nos jornais.

Bard Eithun foi preso enquanto bebia com um pessoal em Kvikne, do lado de fora de um motel. Os policiais tinham um mandado de captura e queriam ir no apartamento de Bard Eithun para revirar as suas coisas. Por fim, Bard Eithun foi parar na delegacia em Oslo, preso pelo assassinato desse homossexual que tinha sido esfaqueado. Ele foi interrogado e acabou confessando o crime depois de ser convencido pelo seu advogado.

Varg Vikernes ficou enojado com a onda de confissões de crimes enquanto ele mantinha o silêncio, pois os considerava como delatores, e com acusações e confissões, por sua vez, foram mobilizadas diversas personalidades da cena black metal, e testemunhos saíram em todas as direções, implicando diversas pessoas e até as próprias testemunhas.

No julgamento de Varg Vikernes, a mobilização também foi grande, e diversos documentos foram apresentados à justiça, como o contrato de gravação levado por Vikernes até Oslo, cartas escritas por ele e por outros, mapas e relatórios forenses, além da famigerada matéria do Bergens Tidende.

“As declarações e os interrogatórios policiais foram o bastante para condenar Vikernes por assassinato, incêndio criminoso e posse ilegal de armas. Como ele próprio resume: ‘fui condenado a vinte e um anos na prisão por três incêndios em igrejas, em que eles tinham uma testemunha como a única ‘evidência’ em cada um dos incêndios; uma tentativa de queima de uma torre de sino em que duas das mesmas testemunhas eram a única ‘evidência’; roubo a armazenagem de 100 quilogramas de dinamite e 50 quilogramas de gelignita (explosivos de ignição lenta) – isso eu confessei -, e alguns arrombamentos em algumas cabanas onde dois livros foram roubados”, conta outro trecho de Lords Of Chaos.

Varg Vikernes tinha 21 anos e foi condenado a 21 anos de prisão em segurança máxima, que era a pena máxima possível na Noruega. Nesse mesmo dia da sentença de Varg, foram queimadas duas igrejas na Noruega. Bard Eithun pegou 14 anos de pena pelo seu assassinato.

Snorre, que fora cúmplice de Vikernes no assassinato de Oystein Aarseth, levou oito anos de prisão. E caras como Samoth e Jorn Inge Tunsberg, que tinham queimado igrejas, receberam sentenças de dois a três anos, também para serem cumpridas em instituições de segurança máxima. Outros envolvidos nos incêndios em igrejas pagaram multas gigantescas para pagar pelos danos e custos de reconstruções.

Durante todo o tempo dos processos, que ocorreram em 1994, por fim, a figura de Varg Vikernes virou um pária na Noruega, contudo, fazendo a alegria dos jornalistas de tabloides, capitalizando todo o escândalo que passou a cercar o inner circle do black metal norueguês.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog:
http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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