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‘A gente presencia todos os dias funcionários de empreiteiras se arriscando’

Entidades ampliam mobilização contra ofensiva de empresas pelo fim da tradição do Trabalhador Portuário Avulso (TPA)

Divulgação

A segurança, remuneração, liberdade e cultura portuária estão ameaçadas pela ofensiva em curso pelas empresas que atuam nos portos privatizados de todo o país. O alerta foi ecoado pelos próprios trabalhadores portuários avulsos (TPAs) durante a mobilização nacional realizada na manhã desta quarta-feira (9), que, no Espírito Santo, envolveu todos os portos e terminais em funcionamento, segundo o Sindicato Unificado dos Portuários do Espírito Santo (Suport-ES).

“É um momento de grande preocupação. Tirando nossa exclusividade, a gente fica vulnerável. Como vamos negociar mão de obra, concorrendo com pessoas fora do nosso mercado, com empreiteiras e cooperativas que pagam metade ou menos do salário?”, problematiza Wanderson Amorim, o Dinho, TPA há 27 anos e terceira geração de portuário da família.

O cerne da luta, ressalta, é o respeito à legislação trabalhista dos portuários, que estabelece a exclusividade dos avulsos na contratação de mão de obra para diversas funções de manejo de carga, por meio dos Órgãos Gestores de Mão de Obra (Ogmos). Os Ogmos, explica Dinho, são instâncias públicas e que fornecem aos trabalhadores treinamentos constantes, em conjunto com a Marinha do Brasil, além da liberdade tradicional para que os trabalhadores organizem seus horários de trabalho e de folga, as escalas e as férias, garantindo salários e condições de trabalho de alto nível.

Ocorre que, com a privatização da gestão e mesmo da autoridade portuária dos portos pelo Brasil – inclusive da capixaba Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), hoje substituída pela Vports -, os sindicatos denunciam que as empresas passaram a engendrar manobras para escapar da legislação, conforme expõe a nota de repúdio aprovada em plenária nacional unificada no final de julho.

“Perdemos nosso poder de negociação sobre emprego, salário e até segurança de trabalho”, afirma Dinho. “O Ogmo nos treinou para sermos trabalhadores de ponta. Temos direito de recusa se houver risco de segurança, por exemplo. Porém a gente presencia todos os dias na área portuária, funcionários de empreiteiras se arriscando, caminhoneiros arriscando sua vida. Se perdermos nossa exclusividade, não vamos mais poder ter esse grito. Ou faz como as empresas mandam, ou outro vai fazer por um preço muito menor”, argumenta.

O trabalho dos avulsos, explica, envolve desde a entrada da carga no porto até sua saída. “Não somos somente um trabalhador de movimentação manual de carga. Trabalhamos desde o planejamento do manuseio da carga, passando por todas as etapas, até a saída dela, a estivagem. E somos competentes no que fazemos”, salienta.

A segurança é um ponto crucial. “No porto tudo é muito pesado e qualquer acidente pode ser fatal. Houve um tempo em que havia muita morte e acidente, era cotidiano. Mas com a intervenção da Marinha [em meados dos anos 1990], com treinamentos em segurança, diminuiu muito. Hoje são raros. Houve investimento muito grande na mão de obra avulsa, pela Marinha e pelo Ogmo também. Nós somos preparados para reconhecer o risco de cada trabalho e conhecemos tudo na palma da mão. Todas as funções são especializadas e recebem treinamento frequentes”, explica.

“Sem falar que somos tradicionais. Quando a gente fala em trabalhador portuário, fala de Ogmo, de trabalhador de estiva, de arrumadores, de conferentes…tirando essa exclusividade vai descaracterizar tudo isso. Pode-se dizer que vai acabar a mão de obra tradicional”, acrescenta.

Nota de repúdio

A Nota de repúdio distribuída na manhã desta quarta-feira, em ato nacional, descreve as manobras que, segundo as entidades trabalhistas, têm sido empreendidas pelas empresas junto ao Poder Judiciário, de forma a criar interpretações próprias da legislação e descumprir a exclusividade dos avulsos, precarizando a contratação de mão de obra nos portos e terminais brasileiros.

No Espírito Santo, um exemplo da aplicação prática do entendimento patronal da legislação portuária ocorre com a Technip. Presidente do Sindicato Unificado da Orla Portuária do Espírito Santo (Suport-ES), Marildo Capanema conta que a empresa alega não precisar seguir a lei e pode deixar de contratar os avulsos porque fechou sua fábrica de tubos flexíveis, transferida para o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, e arrendou uma área no Porto de Vitória. “Eles não saíram da poligonal, estão dentro da área de porto público. Estão se sobrepondo à lei”, afirma.

A nota expõe, em linhas gerais, que tem ocorrido uma “sistemática exclusão dos trabalhadores em eventos promovidos por entidades empresariais do setor portuário (…) [que] discutem assuntos de interesse do setor empresarial e incitam alterações na legislação portuária”.

Nesses eventos, elencam, participam Órgãos Gestores de Mão de Obra (OGMOs), seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), feiras empresariais, advogados patronais e autoridades do Poder Judiciário do Trabalho, e que “nem sempre são convidadas as entidades sociais de representação nacional dos trabalhadores e seus advogados”. Mas, mesmo quando são convidados, “tal participação laboral é muito restrita e sem o direito ao contraditório. Há, ainda, casos de rigorosa proibição da presença das representações de portuários”.

Os portuários acreditam que o objetivo desses eventos, “salvo melhor juízo”, é o de “criar doutrinas a serem utilizadas para formar jurisprudência judicial e até mesmo para servir de subsídios em processos de alteração da legislação portuária, com a finalidade de reduzir ou eliminar direitos e conquistas dos trabalhadores dos portos, fragilizando seus sindicatos e liberalizando a mão de obra para aumentar o lucro das empresas e operadoras portuárias, bem como criando óbice a cumprimento do Tratado Internacional ratificado pelo Brasil (a exemplo da Convenção 137 da OIT)”, práticas que consideram “drasticamente impiedosas com os trabalhadores e suas famílias”.

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