Quarta, 01 Mai 2024

Comunidades de terreiro e cristãos debatem racismo religioso em Cachoeiro

Coletivo Juventude de Axé Arquivo/Coletivo Juventude de Axé
Arquivo/Coletivo Juventude de Axé

"O que me leva a participar desse evento é realmente o preconceito. Tenho filha e neta candomblecistas, e meus pais e meus avós eram umbandistas. Antes e depois de ser pastora, sempre fui muito bem recebida em terreiros. No que depender de mim para falar da religião, eu vou falar, porque há muito preconceito da nossa parte. É muito triste você ter que andar de cabeça baixa".

A declaração é da Pastora Fátima Paulino, do Ministério Casa de Israel, atuante no bairro Marbrasa, em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado. Ela estará presente no Seminário Municipal de Combate ao Racismo Religioso, que acontecerá no próximo sábado, em Cachoeiro, no terreiro Ilê Axé Opo Elemesó, no bairro Novo Parque, das 8h às 12h. A programação – gratuita e sem necessidade de inscrição prévia – contará com palestra e mesa de debate, dos quais participarão representantes de religiões de matriz africana e de vertentes do cristianismo.

Durante o evento, também haverá entrega de homenagens a participantes e o lançamento da campanha "366 Dias de Ativismo em defesa do Meio Ambiente". Organizado pelo Coletivo Juventude de Axé, de abrangência estadual, o seminário contará com a participação de integrantes da organização não só de Cachoeiro, mas também daqueles que atuam em Castelo, também no sul do Estado, Guaçuí, no Caparaó, e Vitória.

O evento será realizado um dia antes do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro. A data é uma homenagem à mãe de santo Gilda de Ogum, ialorixá baiana que faleceu em 2000. Na época, ela teve a sua imagem associada à de uma "charlatã" em um jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, ataque moral que ocasionou a fragilização de seu estado de saúde. Tempos depois, a igreja foi condenada em processo movido por sua filha.

O Coletivo Juventude de Axé existe desde 2015, e tem feito eventos diversos de combate à intolerância religiosa e voltados para a juventude negra. Neste ano, haverá um momento em que lideranças religiosas de umbanda, candomblé e do cristianismo em suas vertentes católica e protestante discutirão a questão do racismo religioso, a partir de suas diferentes perspectivas. Logo depois, será realizada uma mesa de debate sobre as nações (diferentes segmentos) do candomblé.

"Todos os anos, a ideia do evento é dialogar com outros segmentos religiosos. Sempre dá certo, é sempre um debate bem produtivo", destaca o Babalorixá Geovane de Osàlà, fundador do Coletivo Juventude de Axé.

A Pastora Fátima Paulino afirma se sentir "honrada" por ter sido chamada a falar no seminário, e encarou o convite como "desafiador". Ela também comentou que estará na atividade "na graça de Deus" e também com as bênçãos das suas lideranças no ministério, para as quais telefonou logo após ter sido convidada. "É um desafio falar desse assunto e eu gosto disso", comenta.

O Seminário Municipal de Combate ao Racismo Religioso é organizado com recursos do próprio Coletivo Juventude de Axé. O governo do Estado dará apoio no transporte de convidados de Vitória, e as prefeituras farão o mesmo com os participantes de outros municípios do sul do Estado.

Enfrentamento à intolerância

As religiões de matriz africana são as que mais sofrem com intolerância religiosa. Em Vila Velha, no ano passado, ocorreram pelo menos dois casos de violência. Em junho, o pai de santo Dreiwis Pirajá, da Casa de Umbanda Preto Velho de Oxalá, no Ibes, teve o seu carro apedrejado. Em outubro, a casa de Candomblé Ilê Asé Oni Odé Babá Layó, em Itapuera da Barra, foi alvo de bomba jogada por vizinhos.

"Em Cachoeiro, não temos visto casos de violência direta, mas o racismo religioso se manifesta de outras formas. Já aconteceu com gente nossa, por exemplo, de não ser contratada no comércio por conta da intolerância. Também percebemos olhares diferentes quando chegamos nos lugares com as roupas religiosas", relata o Babalorixá Geovane de Osàlà.

Geovane destaca, também, o descrédito dessas religiões entre pessoas que ocupam espaços de poder. "A Câmara de Vereadores, por exemplo, sempre fala muito do evangelho, muitas ações nesse sentido, mas você não vê nada relacionado às religiões de matriz africana. Ano passado, teve a criação do Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, comemorado em 21 de março, e a gente não viu nada em alusão à data, os pais de santo não foram chamados para receber homenagem. Então, a gente vê isso como racismo religioso", protesta.

Na opinião de Geovane, é preciso mais políticas públicas para combater a intolerância. "O governo precisa puxar eventos como esse, e não a sociedade civil. É o governo que precisa levar formação para as escolas e para dentro dos órgãos do poder público. É através de informação que as pessoas vão entender que todos têm direito à liberdade religiosa", completa.

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