sexta-feira, julho 4, 2025
18.9 C
Vitória
sexta-feira, julho 4, 2025
sexta-feira, julho 4, 2025

Leia Também:

‘Critérios definidos para Restaurante Popular de Vitória são excludentes’

Presidente do Consea critica preços e exigência de cadastros e de reconhecimento facial

O relatório de trabalho do instituto Amor Incondicional (Aminc), que vai assumir o Restaurante Popular de Vitória, aponta que os preços das refeições vão variar de acordo com o perfil do público. Os critérios de valor a ser pago, bem como para acessar o equipamento, levarão em consideração cadastro no CadÚnico e em serviços como o Centro Pop e o abrigo, no caso de pessoas em situação de rua, e registro no CadÚnico para moradores com renda compatível para subsídio parcial. As condições, afirma o presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea), Paulo Teixeira, são “excludentes”.

PMV

“Quem tem fome tem pressa. Isso gera dificuldades. Não estão dando possibilidade a quem tem fome de poder comer. As pessoas que querem comida às vezes não têm nem nome”, enfatiza Paulo. Ele destaca que muitas pessoas nem ao menos têm documentação para se cadastrar no CadÚnico e nem todas pessoas em situação de rua são atendidas no Centro Pop ou no abrigo. Para adentrar no Restaurante Popular, segundo o plano de trabalho, será feito reconhecimento facial. “Para que controle facial de quem está com fome? As pessoas só querem comer”, protesta Paulo.

De acordo com o relatório de trabalho, serão oferecidas 50 refeições no almoço e na janta para pessoas em situação de rua e crianças até 12 anos cadastradas em serviços da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) ou no CadÚnico, que terão gratuidade. Aos moradores de Vitória com renda compatível para o subsídio parcial, cadastrados no CadÚnico, serão servidas 1.150 refeições no almoço, pelo valor de R$ 3,00, e 350 na janta, por R$ 1,50. Por fim, quem não se enquadra nesses pré-requisitos pagará o valor de R$ 14,00, público que terá acesso a 400 refeições no almoço e 100 na janta.

Para Paulo, os pré-requisitos estipulados “não possibilitam às pessoas ter acesso ao serviço por causa de sua própria condição”. “É uma maneira ‘elegante’ de excluir. Se você tem uma carência que faz com que não consiga atender ao pré-requisito, te impeço de estar naquele espaço”, avalia. Paulo também questiona o valor a ser cobrado para moradores em geral. “Como chegaram a esse valor?”, indaga, apontando que o Aminc não vai precisar investir em infraestrutura nem pagar para utilizar o espaço.

O valor do contrato do instituto com a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos), que é de R$ 14,95 milhões, com prazo de vigência de dois anos, contados a partir de 9 de maio de 2025, para Paulo, é “exorbitante”. “O valor do contrato está pagando o quê? O instituto vai operacionalizar algo que está montado, não vai construir nada”, reitera.

O presidente do Consea recorda que, no início do primeiro mandato do prefeito, Lorenzo Pazolini (Republicanos), quando começou a discussão de reabertura do Restaurante Popular, a proposta do conselho era que as refeições fossem vendidas para todas pessoas pelo valor simbólico de R$ 1,00. Contudo, a gestão municipal não prosseguiu no diálogo com o colegiado. “Enquanto cidadão impactado, entendo que a sociedade civil deveria ter sido envolvida na construção da proposta. A gente queria ter tido o direito de participar. É uma proposta que definiram que vai ser assim e acabou”, lamenta.

‘População de rua não foi ouvida’

A Pastoral do Povo de Rua também aponta falta de diálogo com a sociedade civil por parte da prefeitura. “A gente quer registrar a importância do equipamento, mas lamentamos que somente após cinco anos de gestão ele comece a ser implementado. Gostaríamos, enquanto sociedade civil, de pensar critérios de acesso. Ouviram a população em situação de rua? Escutaram as sugestões dela para o equipamento?”, indaga Júlio César Pagotto, da coordenação arquidiocesana da pastoral.

Júlio afirma que, se tivesse sido dada possibilidade, a própria pastoral contribuiria na mobilização das pessoas em situação de rua para que fosse feito o processo de escuta. Sobre as 50 refeições oferecidas no almoço e outras 50 na janta para esse público, Júlio acredita não atender ao quantitativo de pessoas em situação de rua na Capital, que conforme afirma, são bem mais do que 250, levando em consideração as 100 vagas contidas em cada Centro Pop, totalizando 200, e as refeições a serem servidas no Restaurante, já que, normalmente, a pessoa que vai almoçar voltará na janta, portanto, apesar de serem 100 refeições, atenderão a 50 pessoas.

Ele também questiona o fato de, para ter acesso ao alimento, a pessoa estar cadastrada em algum serviço da Semas ou no CadÚnico. “Por que condicionar?  A pessoa pode não querer estar castrada em serviços como Centro Pop, abrigo ou se referenciar na abordagem social. Às vezes a pessoa não quer ser referenciada, mas quer ter o direito de se alimentar”, afirma Júlio, que aponta que no próprio Centro Pop, as pessoas já têm acesso a almoço e janta, portanto, podem não necessitar do Restaurante Popular. “A gente vai buscar conhecer os detalhes e futuramente fazer sugestões para aprimorar critérios de funcionamento”, promete.

Reabertura

Na manhã dessa segunda-feira (30), durante reunião do Comsea, foi informado que o novo prazo para reabertura do Restaurante Popular é em agosto próximo. A informação foi passada pela subsecretária de Proteção Social Básica e Segurança Alimentar e Nutricional, Graziella Almeida Lorentz. A reunião marcou a retomada do Comsea, com a nomeação de Estanislau Kotska Stein, o Stan Stein, para a secretaria executiva do colegiado, que desde dezembro de 2023 estava em vacância.

Elizabeth Nader/PMV

A coordenadora do Fórum Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, Jaqueline Araújo, que foi uma das representantes da reunião do colegiado, relata que a resposta de Graziella veio após o questionamento da Movimento Ação Social Sai da Rua, que atua com foco na população em situação de rua. Ainda segundo Jaqueline, a subsecretária afirmou que a Organização da Sociedade Social (OSC) que irá administrar o equipamento está em fase de contratação, mas na ocasião não especificou ser o Aminc.

Contudo, segundo o Ministério Público do Espírito Santo (MPES), no dia 26 de junho o Centro de Apoio Operacional de Defesa Comunitária (Caco) se reuniu com a Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) para tratar da reabertura do equipamento e foi informado que o Restaurante Popular será reaberto no dia 19 deste mês. Ainda segundo o órgão ministerial, a pasta, representada pela gestora Soraia Manatto e por integrantes da equipe técnica, apresentou o plano de trabalho do Aminc, cronograma de reabertura, valores cobrados, regras de acesso e o número estimado de refeições que serão ofertadas diariamente.

O Restaurante Popular foi criado em 2005, durante o governo de João Coser (PT), no bojo da implementação de políticas federais para segurança alimentar. O fechamento se deu em dezembro de 2016, quando o então supersecretário da gestão de Luciano Rezende (Cidadania), Fabricio Gandini (PSD), hoje deputado estadual, anunciou que o plano era converter o espaço num banco de alimentos, para distribuir para as famílias mais necessitadas cadastradas no CadÚnico.

A reabertura do equipamento é uma das principais reivindicações da sociedade civil. O último prazo dado pela gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) para a volta do equipamento foi o primeiro semestre de 2025, portanto, não foi cumprido. Em junho de 2023, a prefeitura anunciou que seria reinaugurado no início de julho de 2024, mas isso não aconteceu. A expectativa era de que voltasse a funcionar após o período eleitoral, contudo, também não se concretizou.

Investigação

O Instituto Amor Incondiconal é investigado em Santa Catarina junto com o Núcleo de Recuperação e Reabilitação de Vidas (Nurreavi). As entidades se tornaram alvo da operação “Pecados Capitais”, deflagrada pela Polícia Civil (PC), em dezembro de 2024.

Divulgação/MPF

Conforme divulgado em matéria do site G1 Santa Catarina, um pastor e um servidor comissionado da Prefeitura de Florianópolis chegaram a ser presos preventivamente. O Aminc era responsável pela administração do Restaurante Popular de Florianópolis. A Nurreavi atuava na Passarela da Cidadania, que atende pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Ainda segundo a matéria do G1, a Delegacia Especializada no Combate à Corrupção da Capital (Decor), que deflagrou a ação, informou, na ocasião, que havia suspeitas de que agentes públicos, em 2020 e 2022, interferiram na contratação da Nurreavi e da Aminc “em busca de benefícios pessoais e de terceiros”.

O G1 também informa que havia indício de desvio de recursos públicos na contratação de empresas por parte das duas entidades, como superfaturamento dos serviços. Procurada por Século Diário, a Polícia Civil de Santa Catarina informou que o processo corre em sigilo e que “em virtude de inúmeras irregularidades encontradas, o inquérito policial foi desmembrado para apuração dos crimes de forma individualizada”.

Ainda segundo a PC, “dois inquéritos já foram encaminhados ao poder judiciário. Parte dos investigados responderá a processo por peculato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro”. Por meio da ação “Pecados Capitais”, conforme consta no site da PC, além das duas prisões preventivas, foram cumpridos 21 mandados de busca e apreensão nos estados de Santa Catarina e Mato Grosso, e sequestros de bens e valores que ultrapassam R$ 3 milhões.

A operação contou com a participação de 74 policiais, oriundos de várias unidades da Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) da Grande Florianópolis e Polícia Civil de Rondonópolis, no Mato Grosso, os quais diligenciaram nessa cidade e nos municípios catarinenses de Palhoça, São José, Florianópolis e Canelinha.

Mais Lidas