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Espírito Santo registrou três assassinatos de pessoas trans e travestis em 2021

Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais aponta holofotes para subnotificação dos casos

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Em 2021, pelo menos três pessoas trans e travestis foram assassinadas no Espírito Santo. Os dados são do dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), lançado oficialmente nesta sexta-feira (28), em Brasília, com dados de todo o Brasil. Presente no encontro, a ativista capixaba Déborah Sabará aponta para a subnotificação dos casos e a necessidade de políticas públicas de referência no Estado.

No dossiê, o Espírito Santo aparece em 13º lugar no ranking de estados com mais registros. Os dados repetem o número de assassinatos notificados em 2020, quando também foram observados três casos. Em primeiro lugar está o estado de São Paulo, com 25 notificações.

Déborah Sabará é coordenadora de Ações e Projetos do Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Asssociação Gold), e acredita que os números estão subnotificados. No Espírito Santo, a Gold é responsável por repassar os casos de assassinatos para a Antra, com informações sobre idade e profissão das vítimas.

O registro é feito com base em matérias jornalísticas, relatos e pesquisas, mas a estrutura para a realização das notificações ainda é limitada. “É difícil monitorar as regiões noroeste, norte, sul e região das montanhas, por exemplo. As informações às vezes ficam mais na Grande Vitória”, explica.

Em todo o Brasil, pelo menos 140 assassinatos de pessoas trans foram registrados em 2021, sendo 135 travestis e mulheres transexuais, e cinco casos de homens trans e pessoas transmasculinas. Apesar da diminuição dos números em relação a 2020, quando 175 assassinatos foram observados, o Brasil se manteve como o país que mais assassina pessoas trans do mundo.

“Isso não se reflete exatamente em uma queda na violência ou no número dos assassinatos contra pessoas trans em geral, visto que em 2021 o Brasil seguiu sem qualquer ação do estado para enfrentar a violência transfóbica; permaneceu como o que mais assassina pessoas trans do mundo pelo 13º ano consecutivo (ONG Transgender Europe/2021)”, informa um trecho do dossiê.

O que se vê, pelo contrário, é a institucionalização da transfobia e a ausência de dados nas unidades federativas. “Queremos, também, afirmar que, mesmo diante de um cenário controverso e violento, as conquistas que temos alcançado têm sido frutos da luta dos movimentos da sociedade civil organizada”, enfatiza o relatório.

Perfil da transfobia no Brasil

A Antra constatou que, pela primeira vez na série histórica do dossiê, a maior concentração dos assassinatos foi na região sudeste, onde 49 assassinatos foram registrados, correspondendo a 35% dos casos.

As vítimas da transfobia também são mais jovens. A faixa etária com maior percentual de registros é de 18 e 29 anos, idades que correspondem a 53% dos casos. Em 2021, a vítima mais jovem da violência contra pessoas trans tinha 13 anos. Keron Ravach era do interior do Ceará e foi assassinada com socos, pontapés, pauladas e perfurações de faca. “O assassinato precoce é o início da tentativa de destruição sistemática de uma população. É a consolidação de um projeto transfeminicida em pleno funcionamento no país – e no mundo”, aponta o relatório.

Um aspecto que se repete nos casos de 2021 é a situação de vulnerabilidade das vítimas. De acordo com o dossiê, pelo menos 78% dos assassinatos foram contra travestis e mulheres trans profissionais do sexo. “São as mais expostas à violência direta e vivenciam o estigma que os processos de marginalização impõem a essas profissionais”, pontua o documento.

Em julho de 2021, dois casos de violência contra travestis foram registrados pelo Século Diário em um intervalo de sete dias. As vítimas foram esfaqueadas no bairro Vila Capixaba, em Cariacica, e próximo à Praia de Itaparica, em Vila Velha. Na ocasião, Déborah Sabará enfatizou os riscos que essas pessoas correm todos os dias, já que muitas vezes precisam recorrer à prostituição como fonte de renda.

A apresentação dos dados sobre a violência sofrida por pessoas trans brasileiras acontece um dia antes do Dia Nacional da Visibilidade Trans, lembrado neste sábado (29). A divulgação do dossiê foi feita na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em Brasília. A Associação Gold participa do evento representando as entidades capixabas.

Para Déborah Sabará, a apresentação dos dados alarmantes a órgãos internacionais é importante para que a violência sofrida no país não seja invisibilizada. “É nítido que o Brasil, por meio do governo atual, não reconhece isso. Quando outros embaixadores são informados desses dados, é importante porque eles denunciam isso em outros países”, destaca.

Evento de apresentação oficial do dossiê da Antra. Foto: Renato Guimarães/Unaids.

Políticas públicas de referência

O esforço de diversas entidades que atuam na defesa da população trans no Brasil é para romper com o projeto esse de invisibilização da transfobia em curso no país. No Espírito Santo, uma das reivindicações é a instituição de uma delegacia referência para a população LGBTQIA+, um local para denúncia efetiva dos casos.

A Gold faz o acolhimento de casos informados, mas o encaminhamento das vítimas requer um espaço seguro, em que a população possa ser ouvida efetivamente. “Já que a gente criminalizou a homofobia, onde buscar? Esse lugar pra gente indicar precisa ser um lugar sensível, que entenda, que respeite e que acolha também. Que reconheça que essa violação de direitos é homofóbica”, aponta Déborah.

A invisibilização está presente até no registro dos crimes. Déborah Sabará critica a dificuldade de inclusão da violência contra travestis na categoria de crimes contra a mulher. “O Estado tem colocado esses casos na delegacia de homicídios contra homens. Isso é um absurdo”, declara.

Outra reivindicação é a construção de políticas públicas e fomento a entidades que atuam na defesa do público LGBTQIA+ no Espírito Santo. “A Gold tem algumas propostas, mas faltam investimentos de projetos que a gente possa executar, no mínimo, em três anos. A gente recebe recursos às vezes pra projetos que são de quatro, cinco, seis meses ou um ano. E isso é muito difícil porque a gente faz uma política e depois você acaba dizendo pra população: ‘olha, acabou’, ‘o atendimento psicológico acabou’, ‘o atendimento da assistente social acabou”, explica. 

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