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Renda dos 10 homens mais ricos dobrou e a de 99% da humanidade piorou na pandemia

Relatório “A Desigualdade Mata” da Oxfam do Brasil aborda medidas que governos nacionais e estaduais podem tomar

O aumento das desigualdades sociais é uma das mais cruéis características da pandemia de Covid-19 e a vacina para ela passa por uma maior tributação das grandes fortunas em escala mundial. A recomendação consta no relatório “A Desigualdade Mata”, publicado pela Oxfam Brasil nesta semana. 

O documento cunha o termo “variante bilionária” como forma irônica de chamar atenção para a necessidade de frear o aumento imoral das fortunas dos homens mais ricos do mundo e para a necessidade de se universalizar o acesso às vacinas contra o SARS-CoV-2. “Ao não vacinar o mundo todo, os governos permitiram as condições para que o vírus da Covid-19 sofresse mutações perigosas. Ao mesmo tempo, eles também criaram as condições para uma variante inteiramente nova de fortunas bilionárias. Essa variante, a variante bilionária, é extremamente perigosa para o nosso mundo”, destaca o relatório, que ilustra esse aspecto contando a viagem ao espaço feita em julho de 2021 pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos, tido como o homem mais rico do mundo há alguns anos. 

“Quero agradecer a todos os funcionários e clientes da Amazon porque vocês pagaram por tudo isso”, teria dito o empresário ao embarcar na nave. Segundo a Oxfam, “só o aumento da fortuna de Bezos durante a pandemia poderia pagar para que todos na Terra fossem vacinados com segurança”. Além dele, a “pequena elite mundial de 2.755 bilionários viu sua fortuna crescer mais durante a pandemia de Covid-19 do que nos últimos quatorze anos. Este é o maior aumento anual na riqueza bilionária desde o início dos registros”, enfatiza o relatório. 

E entre essa pequena elite, surpreende ainda mais o que aconteceu com os dez homens mais ricos do mundo: sua riqueza dobrou durante a pandemia (março de 2020 a novembro de 2021), enquanto a renda de 99% da humanidade decaiu. O patrimônio deles é maior do que o dos 3,1 bilhões de pessoas mais pobres do mundo e se eles decidissem gastar um milhão de dólares cada um por dia, seriam necessários 414 anos para gastar suas fortunas combinadas.

Políticas de morte

Já no prefácio do relatório, assinado pela documentarista e ativista Abigail E. Disney, herdeira do grupo Disney e membro da organização Patriotas Milionários, a necessidade de reforma tributária e política é explícita: “Passamos quase dois anos vendo as pessoas morrerem, repetidas vezes, elas morreram por negligência, descuido, falta de empatia, tristeza. Sim, é óbvio, na verdade foi a Covid que matou as pessoas de quem estou falando, mas assim como toda fome é política e causada pelo homem, toda morte por Covid também é. A resposta para esses problemas complicados é ironicamente simples: impostos. Reforma tributária obrigatória, inevitável e ambiciosa em âmbito internacional. Os bilionários sozinhos ganharam uma quantia astronômica de dinheiro apenas nos últimos dois anos, eles podem tranquilamente pagar mais. Podemos fazer do nosso mundo um lugar melhor. Precisamos apenas encontrar a vontade política para fazer o que for preciso”.

O Relatório lista ainda os principais sintomas da “variante bilionária” sobre a vida de bilhões de pessoas, as economias nacionais e o meio ambiente mundial e aponta outros medicamentos, além dos tributários, que podem ser implementados em diferentes escalas de governo.

Em uma das sínteses apresentadas em infográficos, a Oxfam destaca que “a fortuna de 252 homens é maior do que a riqueza combinada de todas as mulheres e meninas da África, América Latina e Caribe: 1 bilhão de pessoas”, que “a desigualdade contribui para a morte de pelo menos uma pessoa a cada quatro segundos” e que “20 dos bilionários mais ricos emitem, em média, até 8 mil vezes mais carbono do que o bilhão de pessoas mais pobres”.

Apartheid de vacinação

Segundo a organização, “17 milhões de pessoas morreram de Covid-19, uma escala de perda que não era vista desde a Segunda Guerra Mundial” e que “a desigualdade de renda é um indicador mais assertivo para saber se você morrerá de Covid-19 do que a idade”. Exemplo é que “pessoas originárias de Bangladesh tinham cinco vezes mais chances de morrer de Covid-19 em comparação com a população britânica branca na Inglaterra durante a segunda onda da pandemia”. Por isso, “milhões de pessoas ainda estariam vivas atualmente se tivessem tido acesso a uma vacina”, o que mostra que “o apartheid de vacinação está tirando vidas e aumentando as desigualdades em todo o mundo”.

A “prioridade mais urgente”, ressalta o documento, “é acabar com a pandemia” e, para isso, “os governos devem acabar com os monopólios de vacinas e tecnologias por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC)”. 

O aumento da desigualdade nos países, afirma a Oxfam, já é reconhecido por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Credit Suisse e o Fórum Econômico Mundial. Ainda assim, passados dois anos da maior crise sanitária do século, essas mesmas entidades continuam empenhada em aprofundá-las ainda mais. 

“Pelo menos 73 países enfrentam a perspectiva de riscos de austeridade apoiada pelo FMI agravando a desigualdade entre países e todo tipo de desigualdade dentro dos países. Os direitos das mulheres e o progresso em direção à igualdade de gênero serão duramente afetados por essas medidas de austeridade, em meio a uma crise que já atrasou para 135 anos a meta de alcançar a paridade de gênero em toda uma geração, quando antes era de 99 anos”, alerta o relatório. 

A desigualdade, sublinha a organização, “afeta negativamente quase todos os aspectos da vida humana e toda a esperança de progresso humano”, pois “maior desigualdade gera mais criminalidade, menos felicidade, menos confiança e mais violência”.

Os autores enfatizam: “dinheiro não falta. Essa mentira morreu quando os governos liberaram US$ 16 trilhões para responder à pandemia. Há apenas falta de coragem para enfrentar a desigualdade, a riqueza e o poder dos ricos e poderosos, além de falta de imaginação necessária para se libertar da fracassada e limitada camisa de força do neoliberalismo extremo”.

Três diretrizes

Ao final do relatório, são três as diretrizes gerais para combater a desigualdade. A primeira é “Reaver a riqueza extrema para a economia real para combater a desigualdade”, a partir da máxima de que “todos os governos deveriam tributar imediatamente os ganhos obtidos pelos super-ricos”. 

A segunda, “Redirecionar essa riqueza para salvar vidas e investir em nosso futuro”, em que “o legado da pandemia deve ser o atendimento de saúde universal de qualidade, financiado pelo poder público e fornecido publicamente”, somado a uma “proteção social universal que garanta segurança de renda para todos”. Ademais, “os governos devem investir no fim da violência de gênero por meio de programas de prevenção e resposta, acabar com as leis sexistas e apoiar financeiramente as organizações de defesa dos direitos das mulheres” e “os governos ricos devem financiar integralmente a adaptação climática e apoiar os mecanismos de perdas e danos necessários para sobreviver à crise climática e criar um mundo livre de combustíveis fósseis”.

A última diretriz fala em “Alterar as regras e mudar o poder na economia e na sociedade”. Para isso, “os governos devem reescrever as regras dentro de suas economias que criam essas diferenças colossais, além de agir de modo a pré-distribuir a renda, alterar leis e redistribuir o poder na tomada de decisões e o poder na economia”, o que inclui: “acabar com as leis sexistas, incluindo aquelas que significam que quase 3 bilhões de mulheres são legalmente impedidas de terem as mesmas opções de emprego que os homens”; “revogar as leis que prejudicam os direitos de sindicalização e greve dos trabalhadores e estabelecer padrões legais para a proteção deles” e “abordar os monopólios e limitar a concentração de mercado”. Especificamente sobre poder político, o relatório orienta “o combate às barreiras à representação de mulheres (que hoje representam apenas 25,5% dos parlamentares do mundo), grupos raciais e pessoas da classe trabalhadora”. 

Está na hora, afirma a Oxfam, de “escolher uma economia centrada na igualdade, na qual ninguém vive na pobreza e ninguém vive com um patrimônio bilionário inimaginável; na qual os bilionários são algo que as crianças leem nos livros de história; na qual a desigualdade não mata mais; na qual não há mais carência; na qual mais do que apenas sobreviver, todos têm a chance de prosperar e de ter esperança”.

Esfera estadual

A entidade centra suas recomendações a governos nacionais e organizações internacionais, porém, muitas dessas ações podem ser implementadas em outras instâncias do poder públicas. Como já noticiado seguidamente em Século Diário, governos estaduais como o do Espírito Santo, que mantém a Nota A no Tesouro Nacional como dogma, podem criar programas de renda mínima; podem rever seu cardápio de isenções fiscais, que continuam beneficiando o agronegócio e outros grandes negócios já consolidadas; podem direcionar recursos para setores que distribuem renda nas cidades, como os microempreendedores das periferias, e no campo, como a Agroecologia, que, ainda contribui para a segurança alimentar, a preservação do meio ambiente e a redução do êxodo rural.

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