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‘Quando todo mundo fala a mesma língua, fica mais fácil’

Em São Gabriel da Palha, escolas multisseriadas do campo continuam de pé graças à união das comunidades

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“Educação do Campo // Do povo agricultor // Precisa de uma enxada // De um lápis de um trator // Precisa educador pra trocar conhecimento // O maior ensinamento é a vida seu valor”.

Os versos acima são a primeira estrofe da canção que é a trilha sonora do vídeo Educação do campo – semeando sonhos, cultivando direitos, produzido por quatro escolas do campo de São Gabriel da Palha, noroeste do Estado, para motivação das crianças e famílias na abertura das atividades de estudo do segundo trimestre deste ano. 

Quatro escolas estaduais que estão num pacote de mais de uma dezena de escolas no município sob ameaça de municipalização – e, mais provável, consequente fechamento – diante do Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) proposto pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) ao governo do Estado e 78 municípios capixabas. 

Quem nos envia esse e outros vídeos, além de lindas fotos do dia a dia escolar na zona rural de São Gabriel da Palha, é Gilsana Silva dos Santos Kiepert, uma mãe de aluno da Escola Estadual Unidocente de Ensino Fundamental (EEUEF) Valdivino Grooner, no distrito de Córrego do Bley. As escolas do vídeo musicado são as EEUEFs Córrego Iracema, Córrego das Araras e Duas Barras e a EEEF São Salvador. 

“Nosso município é o que mais tem escolas multisseriadas do Estado. São doze ou treze. Estão todas ameaçadas de fechar pelo TAG”, posiciona, com orgulho, provando que as comunidades rurais de São Gabriel da Palha possuem uma união e uma capacidade de luta extraordinárias, por conseguirem manter tantas escolas do campo até hoje, após várias tentativas de municipalização e fechamento, desde o final dos anos 1980. 

Diálogo é parte da pedagogia

O medo de fechamento após uma possível municipalização é real, explica. “Aqui perto, uma fechou e outra a prefeitura municipalizou para fazer pré-escola, mas até agora não construiu. Assumiu essa escola, mas não construiu ainda. O ensino fundamental foi para outra escola e a pré-escola funciona de forma improvisada na EFA [Escola Família Agrícola, administrada pelo Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes)] do Bley. Se a prefeitura não conseguiu estruturar ainda esse ambiente que ela assumiu, qual a manutenção que ela vai dar se outras forem municipalizadas? Isso se mantiver funcionando e não fechar!”, alerta.

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E quando uma escola é desativada, aponta “a comunidade toda fica desmotivada. A escola fortalece as relações entre as famílias, fortalece a comunidade, promove encontros e diálogos. E isso faz parte da pedagogia”, destaca. 

A sua, Valdivino Grooner, tem mais de 40 anos de idade, ofertando do primeiro ao quinto ano do Fundamental. Hoje tem uma professora de conhecimentos básicos, uma de ciências agropecuárias, uma de educação física, e uma de artes. “Já chegou a ter de educação especial para estudantes com laudo. Somos bem atendidos com a escola”, afirma. 

Nessas quatro décadas, a escola já sofreu muitas violências, conta Gilsana. Por ser próxima ao asfalto, é muito visada para roubos e depredações. “Muito marcada, mas a comunidade sempre levanta de novo. Agora tem câmeras de vigilância, iluminação noturna. Esse ano tem projeto de reforma”.

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Ameaças de fechamento sempre rondaram, também. “Há muito tempo vem sendo apontada como escola que deveria parar suas atividades porque tem outras próximas e poucos alunos. Este ano está com mais de dez alunos. Mas já tivemos seis ou sete. Varia bastante, mas não é porque tem pouco aluno que tem que fechar. Se tiver três ou quatro, são três ou quatro alunos que merecem ser atendidos. É direito deles”, afirma. 

Tentativa de municipalização ela conta viver pela primeira vez, mas a articulação popular imediata foi a mesma de outras épocas. O Tribunal adiou mais uma vez a data da assinatura do TAG, prevista para esta terça-feira (31), mas o abaixo-assinado contra a medida já conta com mais de 1,3 mil assinaturas de todas as escolas das redondezas, conta Gilsana. “Foi na correria. Se tivesse tido mais tempo, teria muito mais assinaturas. Quem mora na roça é contra o fechamento da escola. As comunidades que tiveram escola fechadas ficaram muito vazias, é triste”. 

Não é gasto, é investimento

A pronta mobilização deste ano reflete toda uma história de união comunidade-escola, condição que explica a longevidade da pequena unidade escolar e a qualidade do ensino e das experiências que ela proporciona. 

“Essa resistência a gente consegue através do fortalecimento das famílias. Quando todo mundo fala a mesma língua, fica mais fácil. Todo mundo quer que os filhos estudem perto de casa. Os movimentos sociais também. O MPA [Movimento dos Pequenos Agricultores], os sindicatos [de Trabalhadores Rurais], eles nos ajudam a interpretar as leis e os documentos que são produzidos pelos governos. As igrejas também. Católica, Luterana, Adventista, Batista, todas”, relata.

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Assim como a Valdivino, as demais EEUEF e EEEF da zona rural estão bem classificadas na última avaliação estadual de desempenho feita pela Secretaria de Estado da Educação (Sedu), publicada na Portaria nº 113-R, de 16 de maio, com o valor do Indicador de Desenvolvimento (IDE) e do Índice de Merecimento da Unidade (IMU) de cada uma das escolas estaduais do Espírito Santo. “A superintendência [Superintendência Regional de Educação (SRE) de Nova Venécia] disse que as escolas do campo tiveram aproveitamento acima da média”. 

“Nossas escolas precisam ser vistas como um ambiente de aprendizagens, compartilhamento de experiências. É um investimento do governo, não pode ser tratada como um gasto ou despesa. É preciso saber o desejo das famílias. Não pode aceitar as coisas de cima pra baixo, precisa de um diálogo”, ensina.

Pedagogia da Alternância 

“Nessa história nós somos os sujeitos // Lutamos pela vida pelo que é de direito // As nossas marcas se espalham pelo chão // A nossa escola ela vem do coração”… Segue a cantiga das escolas de São Gabriel da Palha … 

Na EEEF Córrego Queixada, no distrito homônimo, o relato vem da professora do primeiro e segundo anos do ensino fundamental Sonia de Oliveira Cipriano. A escola oferta do primeiro ao nono ano, com Pedagogia da Alternância, além da educação infantil, onde algumas experiências da PA têm sido implementadas. São quase cem alunos, que contam com boa estrutura física na escola, incluindo uma quadra para a prática de esportes. 

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É uma das primeiras escolas capixabas a trabalhar a metodologia, considerada a mais indicada para as escolas do campo, em séries iniciais do fundamental. “Ela inicou em 2014 com a Pedagogia da Alternância. Estava com previsão de fechar antes disso. Eram três salas e hoje são seis. E vai abrir mais uma”, comemora. 

Oriunda de uma escola de assentamento, onde a PA é utilizada, mesmo que de forma não oficial, Sonia afirma com certeza que o funcionamento da EEEF Queixada até o dias de hoje é “uma conquista dos movimentos sociais”, pois “toda as escolas do campo fazem um trabalho de diálogo com as famílias. As escolas se ergueram e se mantêm graças a esse trabalho”. Trabalho que, infelizmente, não encontra reflexo na postura do município, entra gestão, sai gestão. 

“Os municipios não conseguem manter as escolas abertas nas comunidades”, lamenta. São 278 alunos hoje dentro destas escolas estaduais na mira do TAG do TCE. “Se municipalizar, as escolas menores, as multisseriadas, correm risco de serem todas fechadas, de uma vez. Córrego Queixada, por ser maior, pode sobreviver um tempo, mas não com a Pedagogia da Alternância”, adverte. 

“Essa semana teve manifestação na Câmara, com as famílias, os professores. Porque as escolas da prefeitura estão sem merenda direito, falta carne, falta um monte de coisa na merenda das crianças. É muito triste essa situação. Se a gente paga tanto imposto no Brasil, por que não libera verba direito para a merenda, para os professores de Educação Especial?”, questiona. 

Cidadãos do campo

“É a coisa mais triste você chegar numa comunidade e não ver uma escola, uma igreja e um campo. É a vida daquela comunidade! Não importa o tamanho dela. É a vida do povo, o direito do povo ter aquele espaço para seus filhos”, roga a professora.

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“Por que quer destruir o que está bom? Por que não valorizar? O povo que tem conhecimento aqui na roça, o outro povo lá fora, nos gabinetes, tem medo”, expõe. A insistência em mandar as crianças para a zona urbana e esvaziar o campo de vida, assevera, tem objetivo de enfraquecer as comunidades e fortalecer a estrutura fundiária injusta que caracteriza o Brasil desde o tempo das capitanias. 

“Nas escolas urbanas a ideia é esse só o tradicional e o profissional, preparar para o mercado de trabalho urbano. Na educação do campo, a gente valoriza a agricultura familiar, a cidadania do campo. Faz esse trabalho de ensinar a comunidade quem ela é e quais os direitos que tem. Faz com que a comunidade se sinta dona daquele espaço. Sem informação, a pessoa fica com medo e não consegue se defender. Quem traz essa liberdade e garante direitos isso é a educação”. 

Ou, como diz a canção do vídeo escolar: 

“Se a humanidade produziu tanto saber // O rádio e a ciência e a cartilha do ABC // Mas falta empreender a solidariedade // Soletrar essa verdade está faltando acontecer”.

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