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Centrais de Apoio Multidisciplinar denunciam precariedade ao TJES

Ofícios pedem providências ao Tribunal com relação ao baixo número de servidores

TJES

Ofícios encaminhados por Centrais de Apoio Multidisciplinar (CAM) que atuam com as comarcas do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) revelam um cenário de baixa no número de servidores e precariedade no atendimento. Essas equipes são formadas por profissionais de Serviço Social e Psicologia que atendem demandas oriundas das Varas de Família e das Varas Especializadas em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e no interior do Estado, bem como demandas das Varas da Infância e da Juventude.

A situação é relatada em documentos os quais Século Diário teve acesso, o mais recente do último dia 10, oriundo da CAM de Vila Velha. Encaminhado ao secretário de Gestão de Pessoas do TJES, Cyro Cesar Machado Frugulhetti, o ofício solicita a nomeação, com urgência, de profissionais aprovados no último concurso público.

De acordo com o documento, a CAM de Vila Velha vem enfrentando “situação precária” nos últimos anos, por conta da aposentadoria de três servidoras, designação de outras para atuar em outras varas e licença médica de mais uma funcionária. Com isso, a equipe conta, atualmente, com apenas três profissionais atuantes dentro do quadro original de nove vagas.

Isso ocorre em um cenário no qual a equipe precisa atender requerimentos de estudos e perícias técnicas advindas de 14 varas da comarca, além de solicitações de mais 14 varas especializadas. “Resta claro que a matemática é incompatível com a prestação de um serviço qualificado de forma célere e responsiva a todas as solicitações, não por falta de interesse das profissionais, mas pelo número insuficiente de pessoal”, diz o texto, ressaltando as consequências negativas disso tanto para atendimento à população em demandas urgentes quanto para a saúde mental das servidoras.

Os alertas são feitos desde 2023, quando um ofício foi encaminhado ao então diretor do Fórum de Vila Velha, o juiz Flávio Jabour Moulin, pedindo que a situação de baixo número de servidores fosse reportada ao presidente do TJES. Na ocasião, em resposta, o ex-presidente, desembargador Fábio Clem de Oliveira, reconheceu o problema, mas destacou que a situação abrangia todo o Poder Judiciário capixaba e só poderia ser resolvida por meio de concurso público – o que aconteceu naquele ano, mas agora os aprovados reclamam da demora na nomeação.

“É de bom alvitre relembrar que as medidas corretivas para o referido aumento somente não foram implementadas ao longo dos anos passados em razão do quadro econômico-financeiro existente à época, cuja superação restou frustrada pela absoluta falta de ingerência do Poder Judiciário em matéria de arrecadação e gestão financeira do Estado que, não obstante possuir orçamento próprio, depende das previsões de receita realizadas pelo Poder Executivo”, justificou o desembargador, conforme despacho de 12 de junho de 2023.

Em outro ofício, de 14 de março deste ano, a CAM de Cariacica aponta um cenário ainda pior, ao destacar que a equipe precisa atender demandas de dois municípios com alta densidade urbana da Grande Vitória (Cariacica e Viana) e de mais quatro cidades predominantemente rurais da região serrana (Domingos Martins, Marechal Floriano, Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá), perfazendo mais de 500 mil habitantes em potencial e uma vasta extensão territorial.

Ainda segundo o documento, a equipe precisa dar conta de demandas complexas, que por vezes necessitam de mais de uma visita, e frequentemente precisam se deslocar até locais distantes, de difícil acesso, em trajetos que podem ultrapassar as quatro horas de viagem. Isso tem feito com que os próprios funcionários precisem fazer, informalmente, definições de prioridades de atendimento.

Além das complicações logísticas, há questões culturais significativas, incluindo casos de habitantes de cultura alemã e pomerana, muitos deles só conseguindo se comunicar em suas línguas de origem. “Estes traços culturais também refletem desafios às análises psicológicas e sociais de questões como família, violência doméstica e, em especial, a inserção de crianças e adolescentes em famílias substitutas”, diz o texto.

Em meio a esse cenário, o documento revela aumento crescente de demanda de processos, ao passo que dois servidores foram transferidos para outros serviços. Outro fator complicador é a falta de inclusão adequada no Processo Judicial Eletrônico (PJe), fazendo com que a equipe precise fazer solicitações por e-mail, fora do sistema adequado.

Com isso, o documento solicita, dentre outros pedidos, recomposição e ampliação de quadro funcional; definição de prioridades do CAM; liberação de funcionários da execução de depoimento especial; e inserção adequada da equipe no Pje.

Outro ofício, de 10 de fevereiro de 2025, revela cenário precário na CAM da Serra, que também atende os municípios de Ibiraçu, Fundão e João Neiva. O documento informa a dificuldade de atendimento a demandas com prazos determinados, sobretudo os inferiores a 90 dias, e pede a “compreensão dos magistrados e magistradas”.

Além do número insuficiente de servidores, aponta que há “uma demanda exorbitante de solicitações de estudos técnicos, a qual é superior a capacidade suportada por esta equipe multidisciplinar”. O documento faz uma comparação entre o mês de janeiro de 2024 e o mês de janeiro de 2025, observando que “já houve um aumento de processos de mais de 120% da demanda. Até a presente data, o setor recebeu o mesmo quantitativo de processos equivalente à primeira quinzena de março do ano passado.”

Ainda assim, a equipe tem se deparado com “prazos insuficientes e emergenciais para realização dos estudos técnicos; remessa de autos com prazos improrrogáveis e com audiências designadas, dificultando a realização de procedimentos técnicos considerados importantes para análise; não deferimento integral de dilação do prazo, quando solicitado, pois, muitas vezes, as dilações são solicitadas não somente em razão da demanda, mas por necessidade de mais procedimentos técnicos e, assim, melhor compreensão da realidade familiar; reincidência de remessa de processos, cujos pareceres foram conclusivos e com esgotamento das possibilidades de análise técnica; reduzida disponibilidade de veículos para realização de atendimentos domiciliares; distanciamento geográfico para atender às demandas sociais e psicológicas geradas nas comarcas integrantes; e a não equiparação entre o quantitativo de analistas de Serviço Social e Psicologia.”

Segundo o relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o TJES é o penúltimo tribunal estadual no ranking de produtividade nacional, com apenas 42% de produtividade na primeira instância.

Nomeações e mais cargos comissionados

Em meio a esses problemas, um coletivo de pessoas aprovadas no concurso público de 2023 do TJES se movimenta para reivindicar a nomeação dos profissionais. Segundo o grupo, há mais de 1 mil vagas em aberto nas diferentes comarcas do Espírito Santo, e a não nomeação é um prejuízo tanto para esses profissionais quanto para a qualidade do trabalho do TJES.

A justificativa que têm sido apresentadas pelo Tribunal para a demora nas nomeações, segundo o grupo, seria a a necessidade de se fazer um estudo para saber os locais que precisam de servidores, além do fato de que a administração tem até o prazo final do certame para nomear.

Camila Valadão foi a única deputada a votar contra aumento de cargos comissionados no TJES. Foto: Ales

Enquanto isso, a Assembleia Legislativa aprovou em regime de urgência, no último dia 14, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 194/2025, que promove alterações em quatro legislações que tratam da estrutura organizacional e administrativa do Tribunal de Justiça do Estado (TJES). A aprovação ocorreu sob críticas à criação de 50 novos cargos comissionados, especialmente no momento em que ainda há aprovados no último concurso público que aguardam nomeação. A votação teve 21 votos favoráveis, um contrário, da deputada Camila Valadão (Psol), e uma abstenção, do presidente da Casa, Marcelo Santos (União).

Encaminhada pelo presidente do TJES, desembargador Samuel Meira Brasil, a proposta altera dispositivos das Leis Complementares nº 566/2010, nº 234/2002, nº 788/2014 e da Lei Ordinária nº 7.854/2004, com o argumento de modernizar a estrutura do Judiciário. Em sua justificativa, o magistrado destaca “a necessidade de fortalecimento da área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC)”, que defende como sendo essencial para a modernização e eficiência da prestação jurisdicional.

Na semana anterior à aprovação, representantes do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Espírito Santo (SindjudES) procuraram os parlamentares para solicitar o adiamento da votação, devido à falta de diálogo com a categoria e ao tempo insuficiente para analisar o projeto.

“É um retrocesso. Um concurso vigente, várias comarcas com deficit de pessoal nas equipes multidisciplinares, e um projeto de contratação dessa forma. São deputados que desconhecem a realidade vivida pelo Tribunal, mas votam a favor”, comenta uma pessoa do grupo de aprovados, que prefere não se identificar por medo de represálias.

Segundo informações de bastidores, houve insatisfação sobretudo com o posicionamento de deputados progressistas com o qual o grupo vinha dialogando, como Iriny Lopes e João Coser (ambos do PT). Eles chegaram a tentar duas emendas ao projeto junto com Camila Valadão, que acabaram rejeitadas. Ainda assim, os petistas votaram a favor da proposta.

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