Decisão aponta indícios de posse pela prefeitura; caso envolve vereadora Terezinha Mezadri

O juiz Marcelo Mattar Coutinho, da 1ª Vara de Anchieta, no litoral sul do Estado, determinou, nesta quinta-feira (12), a paralisação das obras em um terreno do balneário de Iriri que é reivindicado pela comunidade. De acordo o magistrado, há indícios de que a área, de fato, pertence ao patrimônio público.
A decisão liminar atende a um pedido de nove moradores de Iriri, que ingressaram com ação civil pública contra a gestão do prefeito Léo Português (PSB), em um caso que envolve também a vereadora Terezinha Mezadri (PSB), aliada do governo. O juiz não tratou de supostas violações de normas e princípios jurídicos, apenas optou por “acautelar e preservar o patrimônio público e a legalidade administrativa”.
De acordo com o juiz, o imbróglio envolvendo o terreno pode ser classificado como tredestinação, que diz respeito à destinação em desconformidade com o plano original. Quando há uma tredestinação ilícita, o Estado, ao desistir da desapropriação de um bem, o transfere a um terceiro ou pratica desvio de finalidade, de modo a favorecer alguém.
No caso em questão, a Prefeitura de Anchieta abriu um processo licitatório para a construção de uma praça pública no local, inclusive prorrogando o contrato com a empresa responsável pela obra. O juiz destaca que a construção, de fato, não prosseguiu, mas não por falta de titularidade do imóvel, como alega a administração municipal, e sim por questões administrativas e financeiras.
“Aparentemente, o município já estava adotando a desapropriação indireta do bem, considerando que o terreno não tinha ocupação de fato, o que descaracterizaria a figura jurídica do apossamento. Isso porque a vizinhança do imóvel relatou nos presentes autos, que a área analisada era área de preservação permanente, sendo utilizada pelos demais moradores como uma espécie de local para recreação, onde o município realizava limpezas eventuais (conservação). (…) Com isso, verifica-se que o município tinha a posse do bem, caso contrário não se justificaria a construção de uma praça, tampouco a contratação de uma empresa para tal finalidade”, afirma o magistrado.
O juiz rebateu a alegação da gestão de Léo Português, de que não há registros de doação do imóvel ao município. Segundo ele, “a busca [do registro de doação] deveria ser mais abrangente, principalmente diante das informações que correram pela comunidade, alertando que naquele local estava planejada a construção de uma praça”. Ele reiterou, ainda, que a não edificação da área de lazer se deu apenas por decisão da prefeitura.
“Caso o município de Anchieta tivesse dispensado a área sob o fundamento de que o imóvel era de propriedade alheia ou por ausência de justa indenização, seria o caso de desistência e consequente legalidade da transação realizada pela requerida. Nesse caso, ocorreria a tredestinação lícita, regressando o bem à posse dos proprietários”, explicou.
Marcelo Mattar acrescenta ainda que a “administração pública deveria justificar a razão de ter permitido a construção e reocupação da área, a despeito de um procedimento licitatório indicando a pretensão de erigir um equipamento público no local. Ao deixar transcorrer do modo que transcorreu, gerou expectativa e frustração à comunidade, resultando na impressão de que a administração estaria violando os princípios da legalidade e moralidade administrativa”.
O caso
O terreno em questão fica na rua Lourivão Simão (anteriormente nomeada como rua Minas Gerais), próximo ao antigo restaurante “Mania Japonesa”. Moradores alegam que a área é utilizada há mais de 20 anos para a prática de atividades esportivas e de lazer, e teria sido doado ao poder público pelo antigo proprietário, Theodomiro Pereira dos Santos, já falecido. Em 2015, foi realizada uma licitação para a construção de uma praça no local, mas a obra não teve prosseguimento, devido à crise financeira do município por conta da paralisação da Samarco/Vale-BHP, logo após o rompimento da barragem de Mariana (MG).
Nas últimas semanas, a comunidade passou a se manifestar contra o cercamento do terreno para edificações particulares. Katia Mezadri, uma das filhas da vereadora Terezinha Mezadri, adquiriu dois lotes no terreno – segundo informações da própria parlamentar -, levantando suspeitas de possível favorecimento político. Outro ponto destacado na ação popular é o fato de as construções ocorrerem em Área de Preservação Permanente (APP), próxima ao Córrego Iriri, tendo sido editada uma lei municipal no ano passado para redefinir os parâmetros de afastamento do córrego.
Terezinha Mezadri tem alegado que o terreno é particular, e que sua filha adquiriu os lotes de forma legítima junto aos herdeiros Theodomiro Pereira dos Santos. Entretanto, em um ofício de 2023 endereçado à prefeitura, a vereadora havia pedido “providências” a respeito da “invasão” do terreno, tratando-o como bem público doado ao município.
A gestão de Léo Português também alega que não deu andamento à construção da praça por não possuir o título de propriedade do terreno, mas, quando questionada, não explicou a situação envolvendo ocupação de Área de Preservação Permanente.