Acordo assinado por Victor Coelho teria resultado em prejuízo de R$ 30 milhões

O Ministério Público do Estado (MPES) ingressou com uma ação civil pública (ACP) na última sexta-feira (11), em Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado), para anular o 14º aditivo ao contrato de concessão dos serviços de água e esgoto do município, celebrado entre a BRK Ambiental e a prefeitura durante a gestão do ex-prefeito Victor Coelho (PSB), atual secretário estadual de Turismo.
O aditivo permitiu o reajuste na tarifa para o consumidor em 4%, e também previu R$ 122,7 milhões de investimentos no serviço e pagamento de R$ 15 milhões por antecipação de outorga – ou seja, valor pago antecipadamente pela BRK Ambiental à Prefeitura de Cachoeiro em decorrência da exploração do serviço. Entretanto, o MPES considera que o aumento foi ilegal, e resultou em faturamento estimado de cerca de R$ 30 milhões para BRK Ambiental.
De acordo com o MPES, em 2022, a empresa Houer Concessões, consultoria contratada pela própria prefeitura, elaborou parecer indicando que a Taxa Interna de Retorno (TIR) efetivamente obtida pela concessionária era de 19,34%, valor superior à TIR original contratual de 18,82%. Segundo a Houer, seria necessário aplicar um desconto linear de 7,6% nas tarifas até o final da concessão para restabelecer o equilíbrio financeiro do contrato.
Diante disso, a BRK Ambiental teria apresentado três cenários para realização do aditivo contratual. No primeiro, seria mantido o valor dos investimentos (Capex) com projeções em termos de crescimento da população, junto à manutenção do valor de outorga em 3% e desconto de R$ 7,6% na tarifa de água e esgoto para o consumidor. Em um segundo cenário, a empresa propôs aporte de R$ 194 milhões referente ao pagamento total do Plano Municipal de Água e Esgoto (PMAE) e manutenção da tarifa então vigente.
Em um terceiro cenário, a concessionária propôs pagamento de 70% do valor do PMAE e desconto tarifário, que resultaria na diminuição da tarifa em 3,55% e aporte de investimentos de R$ 132 milhões. Essa terceira proposta foi aceita inicialmente pela prefeitura, conforme ofício assinado por Victor Coelho em 12 de maio de 2022, como consta no processo.
Entretanto, sem justificativa formal, o acordo para reequilíbrio do contrato foi arquivado em 27 de fevereiro de 2024 pela Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados, “sob a justificativa de que o 14º Termo Aditivo havia sido pactuado por meio de acordo firmado entre o Município e a Concessionária”, segundo o MPES.
Paralelamente aos trâmites do acordo, o então secretário interino de Governo, Thiago Bringer, também Procurador-Geral do Município, requereu a inclusão da antecipação de outorga devida no valor de R$ 15 milhões no procedimento de revisão e reequilíbrio contratual.
Entretanto, o procurador municipal Luiz Carlos Zanon da Silva Jr elaborou parecer em que indicava que “eventual revisão do contrato de concessão deveria ocorrer exclusivamente por meio de revisão tarifária, conforme previsto contratualmente”. Outras formas de reequilíbrio apresentadas deveriam ser “acompanhadas de justificativas técnicas e jurídicas consistentes”.
Além disso, no dia 15 de dezembro de 2023, o então diretor-presidente da Agersa, Vandeley Teodoro de Souza, elaborou uma nota técnica em que defendia que a Taxa Interna de Retorno da concessionária havia ficado abaixo do previsto, sendo necessário um reajuste de 4% à tarifa a partir de 2023. O novo acordo, desconsiderando os estudos técnicos da consultoria, foi assinado em 18 de dezembro daquele ano e publicado oficialmente em 21 de dezembro.
A Controladoria Geral do Município instaurou Auditoria Extraordinária para apurar a regularidade do 14º aditivo. Nesse processo, a Houer Concessões apresentou manifestação, expressando que os cálculos atualizados pela Agersa não eram compatíveis com a metodologia originalmente contratada, o que inviabilizava a validação dos parâmetros de reequilíbrio utilizados.
“Causa fundado estranhamento o fato de o parecer favorável ao termo aditivo ter sido emitido diretamente pelo procurador-geral/secretário municipal comissionado, em procedimento administrativo ordinário, a respeito de fato que já havia manifestação técnica anterior contrária à proposta, elaborada por procurador do município concursado. Trata-se de uma conduta incomum e destoante da rotina institucional da Procuradoria-Geral, onde, via de regra, a função opinativa técnica e jurídica é desempenhada pelos procuradores de carreira, cabendo ao procurador-geral, comissionado, apenas funções de direção, chefia e assessoramento estratégico — conforme determina a Constituição e reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, afirma o MPES.
O órgão ministerial procurou a concessionária para celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Entretanto, a BRK Ambiental teria negado a existência de qualquer irregularidade a ser corrigida.
‘Empréstimo’
O MPES também chamou a atenção para o procedimento adotado para antecipação de outorga. De acordo com o 14º termo aditivo, a BRK Ambiental adiantaria R$ 15 milhões em parcela única. Em contrapartida, a prefeitura permitiu que a concessionária descontasse R$ 150 mil mensais por 100 meses do valor ordinariamente devido a título de outorga. Também autorizou que, anualmente, fosse calculado o impacto financeiro da antecipação, com recomposição tarifária a ser incorporada ao reajuste anual da tarifa ou indenizada diretamente administração municipal.
Além disso, na ocorrência de divergência sobre o índice de recomposição, a própria concessionária ficaria autorizada a implementar o percentual por conta própria no reajuste tarifário, “o que revela grau inaceitável de assimetria e ausência de controle público sobre a formação da tarifa”, segundo o MPES.
“A análise combinada dessas cláusulas permite concluir que a operação efetivada equivale, na prática, a um empréstimo obtido pelo município junto à concessionária, com pagamento diluído no tempo, majorado por correções compensatórias, e repassado à tarifa dos usuários. Tal arranjo, a toda evidência, descaracteriza a natureza da outorga como remuneração pública pelo uso de bem público, transformando-a em fonte de captação financeira, à revelia do ordenamento jurídico”, diz a peça.
Diante dos vícios apresentados, o MPES, em peça assinada pelo promotor Rafael Calhau Bastos, requer a suspensão do aditivo, bem como de qualquer repasse, pagamento ou execução da cláusula de antecipação de outorga pela BRK Ambiental, sob pena de multa de R$ 50 mil.
Questões políticas
Foi durante uma das gestões anteriores do prefeito Theodorico Ferraço (PP), em 1998, que a gestão dos serviços de água e esgoto de Cachoeiro foi terceirizada para a iniciativa privada. Ironicamente, foi a Contraladoria-Geral de sua nova gestão que fez a denúncia que resultou na ação civil pública do MPES.
Na semana passada, a prefeitura divulgou notícia sobre uma reunião de Ferraço com a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), para apresentar o seu projeto de Cidade Industrial no distrito de Pacotuba – o que demonstra que o atual prefeito está insatisfeito com a atual concessionária de água e esgoto e já considera uma alternativa à BRK Ambiental.
Antes da gestão de Ferraço, o ex-vereador Léo Camargo (PL), inimigo declarado de Victor Coelho, havia feito denúncia semelhante para o MPES no ano passado, que acabou arquivada. Em fevereiro deste ano, o vereador Vitor Azevedo (Podemos) criticou a qualidade dos serviços da BRK Ambiental e denunciou práticas de perseguição e assédio moral contra os trabalhadores, em pronunciamento na Câmara Municipal.
O contrato original previa concessão dos serviços de água e esgoto por 30 anos, prorrogáveis por mais 20 anos. Desde então, passou por 14 aditivos, e também ficou sob a responsabilidade de quatro empresas diferentes: Citágua (1998-2009), Foz (2009-2016), Odebrecht Ambiental (2016-2019) e BRK Ambiental (desde 2019).
A BRK Ambiental é da Brookfield, empresa canadense de investimentos que comprou 70% da Oderbrecht Ambiental em 2017. Em 2024, a imprensa nacional noticiou que a Brookfield considerava vender sua participação na BRK Ambiental.